O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), vem sendo fritado tanto nos círculos da elite econômica quanto entre os bolsonaristas. Desde a publicação da carta de Donald Trump ameaçando o Brasil com tarifas, o chefe do Executivo paulista optou por uma reação rápida demais e precisou mudar o discurso rapidamente: em um primeiro momento, saiu em defesa de Bolsonaro e atribuiu a Lula a responsabilidade pela tarifa; após críticas, decidiu recalcular a rota e passou a declarar que a anistia não deve ser mais importante do que a economia brasileira.
No dia 11 de julho, Tarcísio se reuniu com o chefe da Embaixada dos Estados Unidos e, no dia seguinte, elogiou a diplomacia brasileira e disse que questões políticas precisam ser deixadas de lado. “A gente precisa estar de mãos dadas agora para resolver”, declarou.
O reposicionamento irritou o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se mudou para os Estados Unidos em março para atuar junto do governo Trump por pressão pela anistia do pai, e colocou Tarcísio em rota de choque com o bolsonarismo. Eduardo aproveitou os deslizes de Tarcísio para atacá-lo.
Na segunda-feira (14), o filho de Jair Bolsonaro disse que o governador foi “desrespeitoso” por tentar articular conversas com representantes estadunidenses sem informá-lo antes. “Tarcísio não tem nada que querer costurar por fora uma decisão. O Tarcísio tem que entender que o filho do presidente está nos Estados Unidos e tem acesso à Casa Branca. Qualquer tentativa de nos dar bypass [atravessar] será brecada e freada”. Na terça-feira (15), Eduardo ratificou as críticas e acusou Tarcísio de “subserviência servil às elites”.
Para o cientista social e professor da ESPM Paulo Niccoli Ramirez, a movimentação de Tarcísio prejudica duplamente sua imagem: primeiro, desagradando o mercado e a indústria ao colocar a defesa de Bolsonaro à frente da economia; depois, irritando os bolsonaristas por largar a mão do capitão.
“Vale destacar que o Tarcísio sempre se localizou em cima do muro em relação ao próprio apoio ao bolsonarismo”, recorda o professor. “Isso por si só, antes de toda essa situação, já gerava um certo incômodo da ala bolsonarista, principalmente da família do Bolsonaro, que nunca o viu como um nome de confiança para herdar o capital político de Jair”.
Enquanto o posicionamento faz com que Tarcísio possa se descolar do discurso extremista e posar como uma figura da direita moderada, faz também com que seu nome seja questionado entre os fiéis apoiadores do bolsonarismo. “. A defesa [a Jair Bolsonaro e, portanto, à tarifa] gerou um mal-estar diante do empresariado aqui de São Paulo, que referenda, inclusive, a candidatura de Tarciso à presidência, assim como também o seu governo aqui do estado. Isso fez com que o Tarcísio recalculasse a rota, partisse para um discurso mais conciliador com o governo federal para tentar negociar essas taxas”.
A questão, para Ramirez, é que ao tentar contemporizar, o governador perdeu os dois bondes. O espaço de interlocução e de prestígio com o empresariado paulista, ocupado por Tarcísio, passa para o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB-SP), que vem tendo a conduta elogiada pelos setores produtivos.
Nas palavras de Ramirez, “questões econômicas são mais pragmáticas, independentemente do governo ser de esquerda ou de direita, e o que o empresariado esperava é que Tarcísio defendesse os interesses dos empresários do estado”.
Sua postura, ao mesmo tempo, diminui sua imagem e capacidade de aglutinação no campo bolsonarista. Para o professor, Tarcísio está se isolando politicamente e “dificilmente terá o apoio dos bolsonaristas” na corrida eleitoral de 2026, “seja como um candidato à presidência ou até mesmo como governador”.
Segundo o cientista político Claudio André de Souza, existem duas teses que conflitam entre si para uma candidatura de Tarcísio à presidência: uma aponta para que ele seja fielmente bolsonarista; a outra, que ele precisa adotar um discurso que contemple a base bolsonarista mas que o coloque mais ao centro. “Essas estratégias entram em choque. Não há como ser uma figura ligada ao Bolsonaro e desenvolver, nesse momento, uma relação para representar os interesses das elites econômicas afetadas pela taxação”.
Para Souza, há um evidente racha na direita e Bolsonaro pode estar começando um movimento para tirar de Tarcísio a coroa sucessória e construir uma alternativa a sua inelegibilidade dentro da própria família.
Diante de uma hipotética alteração da corrida eleitoral, Paulo Niccoli Ramirez acredita que Tarcísio deva reforçar sua proximidade com empresários e indústrias com o objetivo de se manter minimamente competitivo. “Esse recuo visa reduzir o máximo possível o impacto negativo, fazendo com que Tarcísio se aproxime novamente do empresariado, visando as eleições do governo, caso não possa ser candidato à presidência. Eu duvido que seja, porque o estrago foi feito. Além de ter manchado a sua imagem, Tarcísio talvez não chegue a lugar nenhum”, conclui.