Um grupo de especialistas independentes da Organização das Nações Unidas (ONU) publicou, nesta quinta-feira (17), um relatório no qual pede que militares do Peru processados ou denunciados por violações dos direitos humanos em casos relacionados ao conflito armado que atingiu o país de 1980 a 2000 não sejam anistiados. A manifestação vem na esteira da aprovação de uma lei pelo Congresso peruano que concede anistia a esses agentes pelos crimes cometidos no período.
“A legislação proposta impediria o processo criminal e a condenação de indivíduos que cometeram graves violações de direitos humanos durante o conflito armado interno do Peru. Isso colocaria o Estado em claro descumprimento de suas obrigações perante o direito internacional”, afirma o grupo de especialistas.
O Projeto de Lei 7.549 de 2023 dá anistia a integrantes das Forças Armadas, da Polícia Nacional do Peru, dos Comitês de Autodefesa e a funcionários estaduais que foram acusados ou processados por crimes cometidos naquele período e que têm condenações ainda pendentes.
De acordo com o grupo de especialistas, o Peru tem o “dever” de investigar, processar e punir as graves violações de direitos humanos e os crimes de direito internacional cometidos durante o conflito. O relatório afirma, ainda, que as normas internacionais proíbem anistias ou perdão para crimes graves.
Projeto aguarda assinatura da presidenta
O projeto foi aprovado em 11 de junho em primeiro turno no Congresso peruano, mas não recebeu parecer favorável da Comissão de Justiça legislativa. Grupos da esquerda peruana questionam que o texto foi aprovado em segundo turno, em 9 de julho, sem que o plenário estivesse em sessão. Agora, o projeto precisa da assinatura da presidente Dina Boluarte para entrar em vigor.
Cerca de 156 casos com sentenças definitivas podem ser anistiados e mais de 600 processos judiciais em andamento relacionados a graves violações dos direitos humanos e crimes de ódio podem perder a validade.
“A incapacidade de garantir a responsabilização criminal por esses crimes viola as normas dos tratados de direitos humanos e do jus cogens, bem como o direito internacional consuetudinário. Também impede o acesso das vítimas à justiça, à verdade e à reparação. Instamos o governo do Peru a exercer sua prerrogativa constitucional de vetar a lei, que claramente contraria as obrigações internacionais do Peru”, afirma o texto.
O projeto também concede anistia “humanitária” a integrantes das Forças Armadas, da Polícia Nacional Peruana, dos Comitês de Autodefesa e funcionários do Estado com mais de 70 anos que já tenham sido condenados. Para os especialistas da ONU, a libertação antecipada de pessoas condenadas por graves violações de direitos humanos e crimes de direito internacional é “contrária ao direito internacional dos direitos humanos”.
“Perdões podem ser concedidos por doenças terminais iminentes, no entanto, não podem ser concedidos meramente em razão da passagem do tempo, da idade da pessoa ou de sua condição física ou mental geral decorrente da idade. Nesses casos, os Estados devem garantir o direito à saúde por meio de serviços médicos prestados em prisões ou transferências para instalações médicas especializadas”, conclui o texto.
Retrocessos no Peru
Em agosto do ano passado, o governo peruano já havia promulgado uma lei que prescreve crimes contra a humanidade e crimes de guerra que foram cometidos antes de julho de 2002. O texto beneficiaria o ex-presidente Alberto Fujimori, morto em 2024, que governou o país de 1990 a 2000 em regime ditatorial. O ditador foi condenado a 25 anos de prisão.
Os congressistas afirmam que o Estatuto de Roma só começou a valer no país em junho de 2002. O dispositivo define crimes de genocídio, contra a humanidade, agressão e de guerra como delitos internacionais, que poderiam ser julgados por uma corte internacional. A Corte Penal Internacional foi criada a partir desse documento para ser o tribunal responsável por julgar esses casos.
Os congressistas também argumentam que a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade foi aprovada na Assembleia Geral da ONU somente em 2003.
Antes da votação do projeto no Congresso, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pediu que o país não aprovasse a lei, e que os Três Poderes do Peru se mobilizassem para que não fossem adotadas essas medidas.