Com um novo formato, a 26º parada do orgulho LGBTQIA+ será realizada, em Belo Horizonte, neste final de semana. Desta vez, a manifestação se estende por dois dias: no sábado (19) com um festival cultural no Parque Municipal, e no domingo (20) com a tradicional manifestação nas ruas.
Considerada uma das paradas mais politizadas do país, esta edição traz a temática “Envelhecer Bem: Direito às Políticas Públicas do Bem Viver, ao Prazer e à Cidade”. Mais que uma festa, portanto, o evento é também um ato político de resistência que mobiliza todo o estado ao articular pautas, afetos e redes de cuidado, como defende Maicon Chaves, presidente do Centro de Luta Pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais (Cellos).
“É a cidade sendo tomada por corpos que historicamente foram silenciados, apagados e expulsos dos espaços públicos. A Parada comunica à sociedade que nós existimos, resistimos e exigimos políticas públicas. É o nosso grito coletivo por dignidade e visibilidade”, explica o militante, que também é secretário de relações internacionais da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT).
Gisele Maia, integrante do Movimento Brasil Popular e frequentadora da parada, corrobora com essa visão e acrescenta que a adição do festival Fuzuê mostra diversidade cultural e amplia a capacidade que a Parada tem de articular e movimentar a cidade como um todo, consolidando um espaço importante para fortalecer a rede de cultura em BH.
“As paradas no Brasil representam um movimento de organização que reflete o orgulho de ser LGBT e comunica para toda a sociedade que nós somos grande parte da população e que não tem nada de errado em sermos como somos”, defende.
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Como vai funcionar?
No sábado, a programação tem início às 13h, no Parque Municipal Américo René Gianetti. A entrada no evento será realizada a partir do ingresso gratuito disponibilizado pela organização na internet. Já no domingo, a concentração da manifestação é às 14h30, no cruzamento da Avenida Afonso Pena com a Avenida Brasil. Os tradicionais trios elétricos seguirão o cortejo às 15:30, em direção a Praça 7.
“Historicamente, a parada é uma manifestação de ocupação. Ocupar o coração da cidade, as ruas centrais e passar na porta da prefeitura demonstra que a população LGBT não precisa viver nas margens, ela tem que ocupar o centro”, pontua Gilberth Santos, vice-presidente do Cellos-MG e coordenador do Festival Fuzuê.
Festival Fuzuê
O Festival Fuzuê reunirá diversas atrações de 13 às 20h, no sábado. O ‘esquenta’ para a Parada terá dois palcos e a participação de artistas locais e nacionais, como as cantoras Linn da Quebrada e Ma Rodrigues. Gilbert explica que a extensão atende a uma demanda antiga de artistas LGBT por mais visibilidade e amplia o contato com o público geral.
“A parada historicamente acontece no domingo, este horário é muito pouco tempo para mostrar toda a arte que temos. Por esse motivo entendemos que o Festival Fuzuê é uma forma de mostrar a nossa arte, muito rica e diversa. É uma oportunidade de valorizar o nosso cenário artístico”, justifica Santos.
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A festa contará ainda com diversos outros shows e apresentações de bandas, blocos de carnaval, drag queens, cantores e grupos de dança, todos da cena LGBTQIA + de Belo Horizonte e da região metropolitana.
O direito de envelhecer
De acordo com o IBGE, um em cada 10 brasileiros já passou dos 65 anos, enquanto a expectativa de vida média no país já supera os 76 anos de idade. Porém, infelizmente essa realidade não se aplica a todos de maneira igualitária, uma vez que grupos minorizados enfrentam demandas específicas e, por vezes, tem sua expectativa de vida reduzida. A própria falta de dados específicos da população LGBT reforça um apagamento e dificulta a consolidação de políticas públicas com enfoque nesse público.
Segundo o relatório final da pesquisa “Envelhecimento da população LGBT: diagnóstico sobre o longeviver e o acesso aos serviços públicos municipais”, publicado em 2023, idosos que integram a população LGBT associam frequentemente o envelhecimento “à morte ou à perda de habilidades cognitivas e de controles físicos e emocionais”, além de serem fortemente marcados pela solidão.
Esses dados contrastam com a realidade de pessoas cisgêneras ou que atendem a padrões heteronormativos, que “não associam sua experiência de envelhecimento aos estereótipos negativos socialmente associados à velhice por diversos motivos, entre eles, por continuarem a cultivar suas relações de trabalho, relações afetivo-sexuais e relações com os espaços da cidade”. Além disso, o estudo aponta como a velhice LGBT é marcada por violência e discriminação.
Diante deste cenário, o tema escolhido pela Parada toca em um debate nacional se alinhando ainda à escuta feita pelo Cellos das demandas da população LGBT em Minas Gerais. Para Michael Chaves, é preciso pautar o bem viver como um direito de todas as idades, inclusive para quem desafia as normas de gênero e sexualidade.
“Nós também envelhecemos e envelhecemos com feridas sociais profundas: o abandono familiar, a falta de acesso à saúde, à moradia, à cultura. Falar de prazer, de cidade e de longevidade é romper com a lógica que nos empurra para a margem desde a juventude até a velhice”, pontua.
A pesquisa “Envelhecimento e Cuidado LGBT+”, realizada em 2024 pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), em parceria com o Itaú Viver Mais, apontou que, ao envelhecer atravessadas por violências, exclusões e violações de direitos, pessoas LGBT adquirem marcas emocionais inapagáveis. Esse quadro impacta sua autoestima, saúde mental e sociabilidade e afeta oportunidades de estudo e trabalho, o que no decorrer da vida prejudica o acesso à renda e a direitos trabalhistas e previdenciários.
Para Gisele Maia, é por tudo isso que o reconhecimento dessa pauta dentro do movimento se mostra tão fundamental.
“Se hoje a gente consegue estar fora do armário é porque muitas travaram a luta antes de nós. Esse tema vem para referenciar quem construiu e quem lutou por isso durante toda a vida”, defende ela.
Resistência a ataques
A parada acontece em meio a uma onda de ataques reacionários atenuados por projetos de lei nos legislativos municipais e estaduais de todo o país, que visam criminalizar e desfinanciar a luta LGBT. Na capital mineira, ao longo dos últimos 4 anos a Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) aprovou 3 PLs que visam a retirada de direitos dessa população, todos propostos pela extrema direita.
“Essa articulação da extrema direita tem o objetivo de nos enfraquecer, nos matar e invisibilizar, mas estamos aqui para dizer que a gente existe, que a gente vive, que a gente resiste, que estamos organizadas e que a nossa luta não se encerra”, denuncia Maia.
Para Chaves, esses projetos não são ingênuos ou descoordenados e, ao negar tratamentos médicos e censurar a cultura, atacam diretamente o direito à existência de pessoas da comunidade, com o claro objetivo de silenciar, invisibilizar e excluir da vida pública.
“Isso interessa à extrema direita, que se apoia na moral conservadora para desviar o debate das reais urgências do país, como fome, desemprego e desigualdade. São projetos que transformam nossos corpos em alvos políticos, colocando em risco nossas vidas. Essa ofensiva conservadora é coordenada e perigosa. Esses parlamentares não estão preocupados com o bem comum, usam nossos corpos e existências como moeda política para alimentar o próprio projeto de poder. Eles querem nos apagar, mas não vamos permitir”, reforça o presidente do Cellos.
“Estamos organizados para fazer o enfrentamento e mostrar qual é o projeto que queremos para a sociedade: o projeto popular, que é colorido, anti-racista e feminista. Ele tem o objetivo de defender a vida e a dignidade. Diferente do projeto da extrema direita, que é fascista, violento e reacionário. A nossa luta acontece todos os dias para construir um mundo melhor”, concluí Gisele Maia.