Passei anos ensinando geografia na rede pública do Distrito Federal. Em sala de aula, vi jovens cheios de curiosidade, senso crítico e vontade de transformar o país. Vi também o quanto o conhecimento do território, dos biomas, das desigualdades e das possibilidades do Brasil despertava neles a percepção de que vivemos em um país único.
Essa vivência me mostrou que o problema do Brasil não está na escassez de possibilidades, mas na ausência de um plano de longo prazo. Temos território, diversidade natural, matriz energética limpa e capacidade técnica. O que nos falta é transformar esse potencial em uma estratégia de desenvolvimento sustentável, com responsabilidade social e ambiental.
Justamente por isso, preocupa ver o país seguir na direção contrária. A aprovação, na madrugada de quinta-feira (17), do Projeto de Lei 2159 de 2021, que redefine as bases do licenciamento ambiental, não corrige distorções do sistema. Ao contrário, compromete instrumentos fundamentais de proteção, enfraquece a atuação técnica do Estado e amplia os riscos de danos socioambientais que poderiam ser evitados.
O licenciamento é parte da solução, não do problema
Ninguém nega que o processo de licenciamento precisa melhorar. Há excesso de burocracia, divergência de normas entre entes federativos e insegurança jurídica que afeta até quem cumpre a legislação. Mas a solução não está em eliminar todos os filtros. Está em melhorar os procedimentos, qualificar as análises e fortalecer a articulação institucional.
A chamada Licença por Adesão e Compromisso, por exemplo, permite que empreendimentos de impacto médio sejam autorizados com base na palavra do próprio empreendedor. A análise técnica deixa de ser obrigatória. Na prática, é a liberação com um clique.
É preciso lembrar que a barragem da Vale em Brumadinho era classificada como empreendimento de médio porte e risco. Um sistema como o que foi aprovado agora poderia ter autorizado aquele projeto automaticamente. Isso não é conjectura nem sensacionalismo. É um alerta concreto do que pode vir pela frente.
Flexibilizar sem critério é abrir caminho para o retrocesso
O projeto também institui a Licença de Operação Corretiva, permitindo que atividades irregulares sejam legalizadas depois de iniciadas. Essa inversão do processo desestimula a prevenção, compromete a credibilidade das normas e penaliza quem atua corretamente.
Além disso, o novo modelo reduz a obrigatoriedade da escuta de órgãos especializados, como Funai, ICMBio, Iphan e secretarias de saúde e cultura. Mesmo quando há impacto sobre povos tradicionais, patrimônio cultural ou áreas sensíveis, a manifestação desses órgãos poderá ser ignorada. É o enfraquecimento da participação pública e da escuta técnica qualificada nos processos de licenciamento.
No Senado, a Emenda 28 agravou ainda mais o texto, ao permitir desmatamento em áreas da Mata Atlântica em regeneração sem autorização ambiental. O Brasil não pode tratar sua vegetação nativa como entrave. Estamos falando de um bioma protegido pela Constituição, em estágio crítico de preservação.
Às vésperas da COP 30, um sinal que contraria o discurso
Em novembro, o Brasil sediará a COP 30 em Belém. Será uma oportunidade real de mostrar ao mundo que temos compromisso com a agenda ambiental. Mas ao aprovar uma lei que enfraquece os mecanismos de controle e flexibiliza regras sem critério, enviamos exatamente o sinal contrário. Isso compromete nossa credibilidade internacional, afasta investimentos e fragiliza os acordos comerciais que dependem de responsabilidade ambiental.
Não se trata apenas de discurso. Trata-se de coerência entre o que se diz e o que se efetivamente faz.
O país que podemos e devemos construir
O Brasil tem vocação para liderar um modelo de desenvolvimento que una tecnologia, justiça social e preservação ambiental. Nossa matriz energética é majoritariamente renovável. Nossos biomas guardam riquezas que o mundo valoriza.
Nossos povos originários dominam práticas sustentáveis que precisam ser reconhecidas como saber e não como obstáculo.
Como educador e servidor público, acredito na política como espaço de construção coletiva. O que está em jogo é a capacidade de equilibrar produção com responsabilidade, crescimento com inclusão e eficiência com respeito à vida. O licenciamento não é barreira. É ferramenta. Quando bem estruturado, protege o meio ambiente, dá segurança jurídica e valoriza o empreendedor que atua com responsabilidade.
O que nos cabe agora?
Falo como parlamentar, mas também como professor. Ensinei gerações a lerem o território, a entenderem a relação entre sociedade e natureza, e a acreditarem que o Brasil pode fazer escolhas melhores. Essa ainda é uma convicção que carrego.
O que foi aprovado representa um retrocesso, mas não define nosso destino. Há tempo para corrigir rotas, para reconstruir consensos e para afirmar, com responsabilidade, que desenvolvimento de verdade não se faz sacrificando o que é essencial. Seguiremos na luta por esse caminho.
*Reginaldo Veras é deputado federal (PV-DF) e professor de geografia da rede pública do Distrito Federal
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil de Fato.