“Precisamos sair da Otan; não há outro jeito. E dizer à Europa que, se quiser ficar com a América Latina e a África, deve parar de ajudar os nazistas”. A frase do presidente Gustavo Petro sobre a saída da Colômbia como sócia do bloco militar pode marcar uma ruptura difícil de resolver com o militarismo colombiano e apresenta um passo arriscado faltando menos de 1 ano para as eleições presidenciais do país.
O principal setor afetado com essa decisão são as Forças Armadas colombianas. Exército, Marinha e Aeronáutica recebem investimentos em segurança, defesa e acesso à tecnologia desenvolvida pela Organização. Para analistas ouvidos pelo Brasil de Fato, o setor militar colombiano tem um histórico golpista e isso representa uma ameaça para o governo Petro, que já tem denunciado uma série de tentativas de derrubá-lo.
Consuelo Ahumada é professora de Ciência Política da Universidade Externado da Colômbia e entende que essa é uma posição coerente de Petro por toda a movimentação que tem feito desde 2022, de afastar o alinhamento histórico que o país tem com os Estados Unidos.
“O Exército colombiano tem um histórico de golpismo, e Petro não conseguiu mudar isso. Essa decisão pode irritar muitos setores dentro do Exército, o que se tornaria um problema para o governo. Mas é uma decisão coerente. A ideia de Petro de sair da Otan é deixar esse alinhamento com os EUA e tomar uma posição mais ao Sul Global. A Otan é a maior e mais agressiva Aliança do mundo. Se Petro quer a paz, não pode manter o país como sócio da Otan”, disse.
Esse afastamento, no entanto, pode representar um risco cada vez maior para o governo de Petro. Por ser o primeiro presidente de esquerda na Colômbia, o mandatário tem sido alvo de diversos movimentos políticos de desestabilização. O último deles foi denunciado pelo jornal espanhol El País, que vazou áudios do ex-chanceler Álvaro Leyva tentando uma articulação justamente com a Casa Branca para pressionar Petro.
Outro impacto imediato pode ser a não renovação de um certificado dos EUA para o combate ao tráfico de drogas. Esse mecanismo é implementado pelo Departamento de Estado e tem como objetivo investir em políticas de repressão ao narcotráfico. O órgão faz um relatório anual chamado Estratégia Internacional de Controle de Narcóticos avaliando os trabalhos de cada país neste quesito.
A ex-ministra das Relações Exteriores Laura Sarabia chegou a dizer em abril que estava trabalhando para “demonstrar” que o país está neste enfrentamento e buscando a certificação. A tendência é que, ao sair da Otan, a Colômbia perca essa certificação.
Aproximação e afastamento
O país é conhecido por ter tido, historicamente, governos de direita e uma aliança profunda com a política estadunidense. Por essa aproximação não só ideológica, mas militar com os EUA, desde antes dos anos 2000 a Colômbia se aproxima dos EUA e mostra interesse em fazer parte da Organização e ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010) passa a pleitear a entrada na aliança de alguma forma.
Em 1999, os EUA iniciam o Plano Colômbia, cujo objetivo era ampliar o “combate à insurgência”. Os estadunidenses investiram US$ 1 bilhão (R$ 5 bi) em 2000, triplicando seu orçamento e representando 80% da assistência militar para toda a América Latina.
Um ponto de inflexão nessa relação foi a assinatura em 2009 do Acordo de Cooperação em Defesa e Segurança entre a Colômbia e os EUA. Com isso, os estadunidenses passaram a usar 7 instalações militares no país sul-americano com a justificativa de combater o tráfico de drogas, mas que acabou servindo como ponte para monitorar o continente, especialmente o governo rival na região: a Venezuela.
A entrada oficial na Otan só aconteceu em 2013, com a assinatura de um Acordo de Cooperação e Segurança da Informação, que tinha como base o compartilhamento de informações entre a organização e o governo colombiano.
Mesmo tendo adotado uma política de acordos de paz com as guerrilhas colombianas, o ex-presidente Juan Manuel Santos (2010-2018) assina o acordo em uma demonstração de aproximação ainda mais forte com organismos internacionais ditados pelos EUA. O país entra na OCDE, na Aliança do Pacífico e no fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC).
A relação com a Otan cresce e em 2017 o governo assinou o Programa Individual de Parceria e Cooperação (IPCP), que eleva a Colômbia ao status de sócio global da Organização. O país se tornou o primeiro – e até então único – sócio da aliança na América do Sul e consolida ainda mais o alinhamento às políticas estadunidenses, mas agora ainda mais em caráter militar.
Durante esse período, o ponto mais importante da aliança na Colômbia se deu em 2021, com a assinatura de uma parceria conhecida como Programa de Parceria Personalizada (ITPP). Essa ferramenta se tornou uma das principais formas de a Otan coordenar atividades com seus parceiros e passou a balizar as atividades militares colombianas.
A parceria exigia que a Colômbia cedesse informações internas do combate ao tráfico de drogas, além do uso de estruturas militares. Em troca, a Otan cederia armamentos, ajudaria na formação de militares e disponibilizaria seus serviços de inteligência. As Forças Armadas colombianas também poderiam participar de exercícios militares da Aliança.
A Otan, no entanto, deixa claro que seus interesses na região não são só militares, mas também políticos. Uma das 4 linhas que orientam as ações da Colômbia é justamente a “defesa dos princípios da democracia, do Estado de Direito, das liberdades individuais e dos direitos humanos”.
O próprio relatório da Otan sobre a participação da Colômbia, feito em janeiro de 2025, deixa clara a orientação política da Otan na região. O texto afirma que “na Colômbia, assim como em outras nações da América Latina e do Sul global, a corrupção é alta e a falta de transparência nos órgãos governamentais é generalizada”. Consuelo Ahumada afirma que a organização não explica quais são os princípios dessa defesa, mas deixa claro que há um alinhamento político com os desejos da Casa Branca.
“A entrada na Otan foi uma mostra de subordinação do governo de Santos aos EUA. Ele tentou encabeçar os acordos de paz com as guerrilhas, mas neste momento estava Barack Obama nos EUA. Não era uma ajuda como parecia, eles forneceram armas, mas abriram usaram nossas estruturas militares aqui, o que representou uma vantagem muito grande para os EUA. E agora fica clara essa cumplicidade para desestabilizar Petro”, afirmou.
Fim do acordo?
Petro, no entanto, terá dificuldade para romper essa parceria. Primeiro pela resistência interna dos militares. Depois porque a decisão precisa ser aprovada pelo Congresso, que já tem sido palco de disputas importantes com o governo colombiano. A expectativa do governo gira em torno justamente sobre o ITPP.
O acordo vence em outubro de 2025 e precisaria ser renovado. Em maio, uma comissão de militares colombianos liderados pelo almirante Francisco Cubides foi à Bélgica para participar de uma série de reuniões em Bruxelas e Mons para a renovação por mais 3 anos do ITPP. Austrália, Iraque, Japão, Coreia do Sul, Mongólia, Nova Zelândia e Paquistão também são sócios da Otan, mas só Colômbia e Coreia do Sul são signatários do ITPP.
O cabo de guerra entre governo e militarismo pode se estender ainda mais caso Petro dê continuidade a essa tentativa de deixar a Otan. O próprio almirante Cubides deu uma entrevista ao El Espectador em maio afirmando que já terem marcada uma mesa de trabalho em setembro para afinar essa renovação e disse já ter “luz verde” da Otan para assinar um novo acordo em dezembro em Cartagena.
Consuelo Ahumada entende a decisão de Petro, mas não acredita que ele consiga deixar a organização.
“É uma afirmação coerente dentro da política de Petro, ainda mais com uma pressão nacional e internacional. Mas ele não vai conseguir sair da Otan até o fim desse ano. É um convênio internacional de peso e a Colômbia é o principal aliado dos EUA na América do Sul há muitos anos, o que permitiu uma série de agressões. Para sair do discurso, ele precisaria radicalizar muito mais”, afirmou.