Durante três dias o Governo do Distrito Federal derrubou mais de 60 moradias na comunidade Fazendinha localizada no Sol Nascente, uma das regiões administrativas mais vulneráveis do DF. A operação que iniciou na quarta-feira (16) e terminou na sexta-feira (17) deixou dezenas de famílias desalojadas. Balas de borracha, gás lacrimogêneo e spray de pimenta foram usados pela polícia para dispersar as pessoas que estavam no local, incluindo grávidas, idosos e crianças, que tentavam resistir à derrubada de suas casas.
Além das moradias da comunidade, a operação do GDF também demoliu e removeu postes, cercas, fossas sépticas e cortou serviços essenciais, como energia elétrica e abastecimento de água, agravando ainda mais a situação já precária dos moradores.
Segundo relatos, a comunidade não recebeu qualquer tipo de orientação sobre o despejo, o que gerou ainda mais confusão e pânico no momento da ação policial. “Foi desumano o que fizeram, isso não deveria ter acontecido. Eles trataram nossas famílias, nossas crianças, tudo na base da bala. Isso não pode acontecer. Onde já se viu atirar contra criança?”, disse um dos moradores em vídeo que circula nas redes sociais.
A líder comunitária e integrante do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), Susna Souza, que atua na região, descreveu a operação como uma violação dos direitos humanos, relatando o sofrimento das famílias atingidas e a violência enfrentada durante a desocupação: “Foi muito triste. A comunidade foi atacada sem aviso prévio. Mães e crianças choravam sem entender o que estava acontecendo.”
Souza, que acompanha de perto a situação, criticou também a forma como as famílias estão sendo tratadas pela polícia. “São mais de 48 horas de puro sofrimento. A polícia chegou atirando balas de borracha e usando gás lacrimogêneo contra crianças, mães e idosos. A comunidade está sem entender o que está acontecendo. Não houve aviso, não houve diálogo, apenas uma força bruta para forçar as pessoas a saírem de suas casas”, afirmou.
Além disso, uma assessora do deputado Gabriel Magno (PT-DF), que estava acompanhando a operação para apoiar as famílias afetadas, foi atingida por uma bala de borracha.
“É inadmissível que o governo Ibaneis/Celina trate o direito à moradia como caso de polícia! O que vimos hoje foi um ataque deliberado à população vulnerável. Ibaneis destrói lares, ataca a dignidade e empurra o povo para a rua”, disse o parlamentar em uma rede social.

Irmã Marly, integrante da Congregação Jesus Crucificado e líder comunitária, também foi vítima da violência durante a operação. Ela foi jogada no chão enquanto tentava impedir a derrubada das barricadas formadas pelos moradores em resistência. “Foi um desrespeito com a população. Várias pessoas se machucaram, inclusive crianças. A ação foi realizada sem qualquer aviso ou tentativa de diálogo”, relatou Souza.
GDF diz que moradias eram irregulares
Em resposta ao Brasil de Fato DF, a Secretaria DF Legal justificou a operação destacando que a área ocupada estava em situação irregular e representava um risco para os moradores, pois devido à proximidade com as bacias de contenção, existe uma possibilidade de inundação. “A ocupação sem autorização ou organização da área significa um risco aos ocupantes tendo em vista que uma possível cheia da bacia de contenção vizinha poderia significar a inundação do local”. Ainda de acordo com o DF Legal, “o local está inserido em uma Área de Preservação Permanente da Bacia Hidrográfica do Rio Descoberto”.
A justificativa não foi suficiente para conter a indignação dos moradores que apontam a falta de uma política pública eficiente para lidar com a questão da moradia no DF. Souza questionou a verdadeira intenção da operação: “Esse despejo forçado não tem justificativa. O governo não oferece alternativas para essas famílias, que agora se veem sem casa e sem apoio. O que está em jogo não é a segurança das bacias, mas a vida de quem não tem para onde ir”, afirmou.
Procurada pelo Brasil de Fato DF, a Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF) disse que acompanha com atenção e reforçou o “compromisso com a proteção dos direitos das famílias em situação de vulnerabilidade, oferecendo atendimento jurídico gratuito, orientações e suporte para garantir o acesso à moradia digna e à justiça social”.
De acordo com a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), por se tratar de uma área ambiental a ação de despejo atende a um pedido da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural (Prodema) do Ministério Público do DF (MPDFT).
“Nitidamente é uma área que houve grilagem de terra, mas as famílias não são as grileiras. As famílias são pessoas que não estão inscritas em programa habitacional, que não tem onde morar e acabam caindo no conto dos grileiros que falam que ali é uma área já habitada, que não vai ter nenhum problema. Então elas investem em tudo que elas têm naquele território”, ressaltou a coordenadora da Comissão, Keka Bagno.

Violência
Integrantes da comunidade alegam que a operação foi conduzida com violência sem a devida negociação com a comunidade, sem alternativas adequadas de moradia ou um plano para realocar as famílias afetadas. Segundo relatos de moradores, a comunidade não foi previamente informada sobre o risco de desocupação, o que gerou ainda mais desespero durante a operação.
“Nós lutamos muito pra construir isso aqui, eles vieram sem papel, sem nada e derrubaram. Muita gente ficou ao relento essa noite porque não tinha onde dormir”, contou uma das moradoras que teve sua casa derrubada.
Bagno também destacou a violência e truculência da ação. “Foram muitas imagens de violência, muitas pessoas machucadas. Conseguimos fazer um diálogo, uma negociação para que não houvesse mais violência e é uma barbárie termos que fazer negociação para não ter violência. É uma situação muito deprimente e que mais uma vez o governo coloca essas pessoas em situações de rua.”, destacou.

A militante do MTD observa que a situação é parte de um padrão de exclusão social: “O governo só age para proteger quem tem poder. Enquanto isso, os mais pobres continuam sendo tratados como se fossem invisíveis. Isso é uma questão de justiça social. A luta por moradia é uma luta legítima, não podemos aceitar que o governo use a força para calar quem precisa de ajuda.”
Em nota o MTD repúdio a ação violenta do DF Legal contra a comunidade. “Em poucos minutos, lares foram destruídos, sonhos foram interrompidos, e a dignidade de dezenas de famílias foi brutalmente violada. Essas ações são um ataque direto ao direito à moradia e à cidade, garantidos pela Constituição Federal. Repudiamos a política de remoções forçadas, que ao invés de oferecer soluções, criminaliza a pobreza e perpetua a exclusão social”.
A derrubada das casas não é um ato isolado do GDF. No final de junho, o DF Legal destruiu uma horta comunitária que era cultivada há meses por moradores da QR 127 de Samambaia, região administrativa do Distrito Federal. “Agora, o Estado avança ainda mais, com nova ação autoritária que retira o direito à moradia em uma área com possibilidade concreta de regularização”.