Nas manchetes deste 2025, dominam as tentativas do governo de elevar a arrecadação para evitar novos cortes orçamentários. Em paralelo, no mundo dos negócios, megaempresas acumulam isenções fiscais bilionárias. Sobretudo, as do agronegócio.
É o caso da JBS. Entre janeiro de 2024 e maio deste ano, a empresa deixou de pagar ao menos R$ 8,5 bilhões em tributos federais. Trata-se da soma dos benefícios concedidos a quatro dos CNPJs da maior produtora de proteína animal do mundo (JBS S/A, Seara Alimentos Ltda, Seara Comércio de Alimentos Ltda e JBS Aves Ltda).
Os dados estão disponíveis para consulta no painel lançado pela Receita Federal para facilitar o acesso a informações sobre os benefícios fiscais incluídos na Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirbi).
Em 2024, de acordo com informações divulgadas pela própria JBS à imprensa, o grupo registrou lucro líquido de R$ 9,6 bilhões. No primeiro semestre deste ano, impulsionado pelo bom desempenho da Seara, adquirida em 2013, por R$ 5,8 bilhões, o grupo anunciou lucro líquido de R$ 2,9 bilhões.
Isto é, praticamente no mesmo período, a multinacional lucrou R$ 12,5 bilhões, enquanto recebeu R$ 8,5 bilhões em benefícios fiscais. Quer dizer que a empresa deixou de pagar em tributos o equivalente a quase 70% do seu lucro: 68%, para ser mais exato.
Ranking de isenções – Grupo JBS
(Valor total: R$ 8.520.457.808,51)
- JBS S/A – CNPJ: 02.916.265/0001-60
Valor: R$ 5.280.653.118,68
É o CNPJ principal da JBS, com sede em São Paulo (SP), cujo nome fantasia é Friboi. A empresa do setor de suínos e aves foi adquirida pela JBS em 2013. - Seara Alimentos Ltda – CNPJ: 02.914.460/0112-76
Valor: R$ 2.471.329.159,64
Trata-se do CNPJ principal da Seara, com sede no mesmo local do CNPJ da JBS. - Seara Comércio de Alimentos Ltda – CNPJ: 83.044.016/0030-68
Valor: R$ 522.567.421,71
É um braço comercial da Seara com sede no mesmo endereço dos dois CNPJs anteriores. - JBS Aves Ltda – CNPJ: 08.199.996/0001-18
Valor: R$ 245.908.108,48
Trata-se do CNPJ da marca Agrovêneto, especializada em carne de frango adquirida pela JBS por R$ 128 milhões, em 2012. A empresa tem sede em Nova Veneza (SC).
Para o engenheiro agrônomo e pesquisador Adalberto Floriano Greco Martins, os dados revelam a profundidade dos privilégios que cercam o setor.
“O caso da JBS é uma mamata sem tamanho”, afirma. “Uma única empresa ganhou mais de R$ 5 bilhões em isenção. Isso é quase o orçamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário. É mais do que o orçamento do Ministério do Meio Ambiente. É uma aberração.”
O pesquisador considera inaceitável que o discurso de modernidade e tecnologia do agronegócio conviva com essa dependência de recursos públicos. “Esses marajás do campo são sustentados com o nosso dinheiro. E o pior: a gente ainda compra a ideia de que o agro é pop, é tech, é tudo”, critica.

A maior parte das isenções concedidas à JBS entre janeiro de 2024 e abril de 2025 está relacionada à contribuição para o Cofins, que representa 76,3% do total dos R$ 8,5 bilhões em benefícios fiscais. Em seguida, aparecem o PIS/Pasep (16,5%) e a Contribuição Previdenciária (5,8%). Também há isenções menores sobre tributos como Cofins-Importação, IRPJ, CSLL e PIS/Pasep.
Setor de carnes entre os maiores beneficiados
De acordo com os dados da Receita Federal, o setor de carnes foi o segundo mais beneficiado com isenções tributárias desde 2024, com R$ 36,53 bilhões – atrás apenas do setor de adubos e fertilizantes, que deixou de pagar R$ 36,86 bilhões.
Os agrotóxicos (que constam como “defensivos agrícolas” no sistema) vêm logo atrás, com R$ 27,94 bilhões em isenções.
De acordo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), englobando seus diversos segmentos, o agronegócio brasileiro recebe isenções de cerca de R$ 158 bilhões por ano. Segundo ele, o setor tem crescido no país, em parte, por ser “patrocinado pelo governo”.
“A renúncia fiscal do agro é R$ 158 bilhões. Vamos negar que estamos patrocinando o agro brasileiro? Estamos patrocinando o agro”, afirmou o ministro em audiência na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados.
Para o economista Róber Iturriet Avila, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a situação envolve uma contradição central.
“O agro costuma afirmar que não depende do Estado, que é competitivo e defensor do livre mercado. Mas é um dos setores mais beneficiados por isenções, créditos baratos e renegociações”, explicou.
“É um setor produtivo e relevante para as exportações, mas não necessita desses incentivos. Outros setores têm mais necessidade. Por isso, essas políticas deveriam ser extintas.”
“Estamos vivendo um bolsa agronegócio. Só de impostos federais, o agro como um todo deixou de pagar R$ 158 bilhões. É o mesmo valor do Bolsa Família, que atende 20 milhões de famílias. O agro atende uma parcela ínfima e concentrada da população”, apontou Adalberto Floriano Greco Martins, o Pardal, fazendo referência ao Bolsa Família, que, em 2025, custará R$ 158,6 bilhões.
A gigante e seus legados
Com presença em mais de 20 países e produtos comercializados em 180, a JBS é uma das maiores indústrias de alimentos do planeta. Só em 2024, a empresa faturou R$ 416 bilhões, cifra que supera o Produto Interno Bruto de 20 estados brasileiros.
A companhia lidera o setor de proteína animal no mundo, mas nas cidades onde mantém grandes plantas industriais, os indicadores sociais não acompanham o crescimento. Um estudo publicado em 2024 mostra que, entre 2013 e 2023, o número de famílias inscritas no Bolsa Família cresceu em quase todas as cidades com sede da JBS analisadas, incluindo Lins (SP) e Goiânia (GO).
A trajetória da JBS também é marcada por recorrentes denúncias de violações ambientais. Diversas investigações jornalísticas e ações do poder público apontam o envolvimento da empresa com a compra de gado oriundo de áreas desmatadas ilegalmente.

A prática, conhecida como “lavagem de gado”, foi descrita por pecuaristas ouvidos pela Repórter Brasil, The Guardian e Unearthed como comum no setor. Em resposta, a JBS negou fazer vista grossa e afirma que “já bloqueou dezenas de milhares de fazendas” por violação de suas políticas. A empresa também lançou os chamados “Escritórios Verdes” e diz oferecer assistência técnica a produtores para adequação ambiental.
Mesmo entre fornecedores diretos, que supostamente estariam 100% regularizados, há brechas. Em outubro de 2024, o Ibama flagrou uma compra de gado feita diretamente de uma fazenda com desmatamento ilegal. A empresa negou ter adquirido animais de área embargada e afirma que suas compras estão de acordo com a legislação e com suas próprias políticas internas.
Além das questões ambientais, a empresa foi recentemente autuada pelo Ministério do Trabalho e Emprego por manter trabalhadores em situação análoga à escravidão em granjas fornecedoras no Rio Grande do Sul, com jornadas exaustivas de até 16 horas por dia. A empresa afirma ter tolerância zero com violações de direitos humanos e contesta a autuação.
Em 2023, cinco fornecedores de gado da JBS foram incluídos na “lista suja” do trabalho escravo. Em nota, a empresa informou que bloqueou imediatamente os fornecedores.
Críticas à tentativa da empresa de ingressar na Bolsa de Valores de Nova York também vêm ganhando força. Organizações como Global Witness, Greenpeace e Mighty Earth denunciam que a listagem ignora os riscos socioambientais da companhia e destacam o “papel desproporcional” da JBS no desmatamento da Amazônia.
Em nota, a empresa sustenta que adota padrões ambientais e que sua meta de eliminar o desmatamento da cadeia produtiva até 2025 segue de pé. Segundo a JBS, a meta climática nunca foi uma “promessa formal”, mas sim uma aspiração.
Apesar das polêmicas, a JBS segue ampliando sua presença global. A empresa afirma que está comprometida com a sustentabilidade e que trabalha para garantir uma cadeia produtiva “livre de irregularidades e socialmente responsável”.