A Semana Camponesa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) teve início no Rio Grande do Sul, na manhã desta terça-feira (22), na sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em Porto Alegre (RS).
Com cerca de 250 assentados e acampados de todas as regiões do estado, que lotaram o auditório do Incra e se concentram no pátio externo, uma audiência convocada pelo movimento recebeu representantes do Instituto, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e do governo do estado. Também participaram o deputado federal Dionilso Marcon e o deputado estadual Adão Pretto Filho.
A mobilização busca cobrar respostas concretas sobre a destinação de áreas para assentamentos e reassentamento das famílias de Eldorado do Sul que sofreram com as enchentes, além de discutir políticas estruturantes para a reforma agrária e a soberania alimentar no país.

A dirigente nacional do MST no RS, Lara Rodrigues, apresentou a metodologia da audiência e a programação da semana, além de destacar a mobilização nacional em 20 estados. “Hoje a gente faz essa plenária de retorno da nossa pauta e no dia 24 vamos realizar um marmitaço e doação de alimentos na Vila Cruzeiro. A alimentação saudável é um direito, e esse é um dos pilares da reforma agrária popular”, disse.
A dirigente também explicou que os debates seriam organizados em três eixos: estrutura, crédito e moradia. “Companheiros e companheiras com domínio da pauta vão contribuir nos debates. Vamos passar a metodologia e debater ponto a ponto com os órgãos responsáveis.”

Apoio parlamentar
O deputado federal Dionilso Marcon (PT-RS) destacou a urgência de investimentos nas áreas já consolidadas e o compromisso com o fortalecimento da agricultura familiar. “Não dá para aceitar, nós sendo governo e termos dificuldade de botar dinheiro para colocar água nos assentamentos. Se a pessoa não tem água, não tem saúde”, afirmou. Ele também ressaltou a precariedade de muitas famílias: “Tem companheiros que faz 10, 12 anos que estão embaixo da lona preta. Ninguém fica acampado porque gosta, mas porque confia e tem certeza que, junto com a luta, podemos conquistar um pedaço de terra”.

Marcon lembrou sua própria trajetória como assentado e reforçou a importância da soberania nacional. “Temos que defender a não intervenção dos americanos aqui no Brasil. A bandeira do Brasil é nossa, temos que voltar a usá-la porque o Brasil é do povo brasileiro.”
Também presente na abertura, o deputado estadual Adão Pretto Filho (PT) reforçou o compromisso com a pauta da reforma agrária e os direitos constitucionais do povo do campo.
“Estamos lutando por direitos que são garantidos pela Constituição brasileira, e um deles é a reforma agrária”, afirmou. Pretto saudou as lideranças do MST e os representantes dos governos presentes, destacando a necessidade de fortalecer a agricultura familiar e garantir dignidade às famílias assentadas.
“Quero reafirmar nosso compromisso com essa luta. Essa pauta não é nova, mas continua sendo urgente. Reforma agrária também é acesso à educação, saúde, moradia e condições de produzir com sustentabilidade”, concluiu.

MST cobra situação das áreas prometidas para assentamento
O dirigente da Frente de Massa do MST/RS, João Onofre, iniciou a apresentação da pauta com um panorama detalhado das áreas prometidas pelos governos federal e estadual e ainda não destinadas. “Temos diversas áreas, algumas têm decreto publicado, mas não foram pagas. Outras nem chegaram a ser decretadas”, explicou. Ele destacou que essas áreas foram mencionadas em compromissos públicos, inclusive pelo presidente Lula, mas ainda aguardam efetivação. “Queremos sair daqui com respostas concretas para levar às bases. As famílias estão esperando. E temos recurso: os R$ 100 milhões anunciados permitem viabilizar essas áreas.”

Liderança histórica do movimento, assentado em Pontão, Mário Lill criticou a atuação do governo do estado nas políticas de reforma agrária. “Desde a ditadura militar, todos os governos do estado participaram do processo de reforma agrária. Por que agora não pode? Que tem esse governo contra o povo sem-terra?”, questionou. Ele também apontou a ausência de diretrizes estaduais: “Nós não conseguimos nem sequer dizer o que vamos fazer na reforma agrária no Rio Grande do Sul. É uma responsabilidade do Estado. E os senhores hoje estão à frente da gestão com o nosso voto, nós também votamos no Eduardo Leite.”
Assentado no Integração Gaúcha (Irga), em Eldorado do Sul, há 33 anos, o produtor de arroz Marildo Mulinari, conhecido como Tubiano, relatou os impactos das enchentes sobre os assentamentos desde 2023 e lamentou a falta de ação do governo estadual. “Qualquer chuva que der ali, o cara dorme com a mão fora da cama para ver se a água tá chegando”, disse. “Participei de mais de 10 reuniões e me recusei a seguir participando porque é cansativo. A responsabilidade pelo reassentamento das famílias é do governo do estado. É só ter vontade política.”
Incra garante cumprir com compromissos assumidos

O superintendente regional do Incra/RS, Nelson Grasselli, afirmou que os compromissos assumidos com o movimento estão mantidos. Ele sinalizou avanços imediatos: “Tem surpresa boa até o final da semana. Já fizemos vistorias, colamos avisos nas áreas e estamos trabalhando com os proprietários para que desocupem e possamos tomar posse.”
Sobre o investimento anunciado de R$ 100 milhões, Grasselli informou que “as quatro áreas colocadas chegam a R$ 80 milhões. Ainda temos R$ 20 milhões para fechar a meta com a aquisição de mais uma área”. Ele também detalhou o cronograma para a aquisição: “Julho, agosto, setembro e até novembro. A coisa é difícil, mas está andando dentro do esperado.”
Já o superintendente da Conab no Rio Grande do Sul, Glauto Lisboa Melo Junior, anunciou o encaminhamento da doação de uma área sob responsabilidade da companhia para fins de reforma agrária. “Desde 2016 resistimos à tentativa de vender essa área. Agora ela será efetivamente doada ao Incra”, explicou. “O processo depende de regularizações, como georreferenciamento e medição. A Conab não executa essas etapas, mas o Incra vai concluir essa parte. O compromisso é concluir isso nas próximas semanas.”
Representando o governo do estado, o diretor-geral da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), Romano Scapin, enfatizou a relevância do encontro para o diálogo contínuo com o governo estadual. Ele destacou as negociações sobre terras para assentamento, e que após a Universidade Federal do Rio Grande do Sul ter negado a permuta de áreas, o governo solicitou que o movimento apresente opções de compra de terras próximas para as famílias. Segundo ele, o governo vem buscando uma solução para o reassentamento de 18 famílias em Eldorado do Sul.
“A ideia do governo do estado é conversar com o Incra, fazer conversas com o órgão especializado em regularização fundiária, em assentamentos, para que a gente consiga o mais rápido possível disponibilizar mais áreas para que os assentados consigam iniciar sua produção o quanto antes”, afirmou Scapin.
Plano Camponês e Funrigs

O MST também cobrou respostas concretas do governo estadual sobre demandas urgentes que envolvem regularização de assentamentos, acesso a políticas públicas e resolução de problemas históricos de infraestrutura nas áreas rurais. Adelar Pretto, da direção estadual do MST, destacou que cerca de mil famílias ficaram de fora do auxílio emergencial de R$ 5 mil do Incra destinado à estiagem de 2022/2023 e, se não houver uma ação emergencial, também perderão o novo benefício de R$ 16 mil. “Se for pelo rito normal, as famílias vão perder esse recurso. Precisamos de uma força-tarefa conjunta com o governo para legalizar o máximo possível de famílias”, cobrou.
Adelar também apontou a existência de recursos federais disponíveis, como os R$ 14 bilhões do Fundo de Recuperação do Rio Grande do Sul (Funrigs), que poderiam ser destinados à compra de terras, reassentamentos e fortalecimento das cadeias produtivas nos assentamentos. “Esse dinheiro não sai do cofre do estado, é recurso da suspensão da dívida com a União, e pode ser usado para resolver parte dos nossos problemas”, afirmou. Ele ainda lembrou de convênios antigos que seguem sem execução, como o de 2012 para abastecimento de água em assentamentos (com apenas 20% executado) e outro para construção de pontilhões em Santana do Livramento, que está parado há mais de uma década.
Sobre o edital do programa Camponês II, Scapin reconheceu o atraso e afirmou que a expectativa é lançá-lo ainda em julho. “Nos incomoda muito, já passamos dois meses do prazo previsto, mas o mais importante é que conseguimos ressuscitar um contrato que estava morto no Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). São R$ 23 milhões disponíveis, com 100% de subsídio para projetos das cooperativas da agricultura familiar”, garantiu.
Sobre os recursos do Funrigs, Scapin destacou a importância do fundo para o momento de reconstrução: “É um dinheiro do povo gaúcho… e estamos dispostos a discutir os projetos apresentados pelo movimento para compor o portfólio de investimentos na recuperação do estado”. Ele também reconheceu a lentidão em obras antigas e afirmou que os projetos estão sendo atualizados para que novas licitações sejam possíveis. “Entendemos que é um absurdo não ter água potável nos assentamentos. Estamos aguardando um ok do Ministério da Integração para poder avançar com as licitações”, afirmou.
Cooperativas cobram agilidade na liberação dos recursos do PAA
Na pauta com a Conab, foi cobrada agilidade na execução do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e no apoio às cozinhas solidárias. O presidente da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados na Região de Porto Alegre (Cootap), Nelson Krupinski, apresentou um documento com as principais demandas do setor, incluindo a urgência na contratação dos projetos ranqueados, o aumento dos tetos de compra por cooperativa e família agricultora, e o fortalecimento da compra direta dos estoques dos pequenos produtores.
“Estamos com os canteiros prontos e não sinalizamos ainda a contratação dos novos PAA. Precisamos de uma ação mais estruturante e mais corajosa do governo para cumprir nossa tarefa de tirar o Brasil do mapa da fome”, afirmou Krupinski, alertando para o esgotamento dos contratos de 2023 e a demora nos processos burocráticos que impedem o avanço do programa.
Representando as cozinhas solidárias, Mariana Dambros reforçou a importância da liberação dos recursos do PAA Famílias e da implementação do PAA Cozinhas 2025. “As cozinhas estão dando conta da fome nos territórios, mas falta estrutura. Precisamos de gás, de entrega dos kits de alimentos nas cozinhas, de infraestrutura e de uma política de complementação de renda para as mulheres que tocam esse trabalho nas pontas”, afirmou.
O superintendente da Conab no RS, Glauto Lisboa Melo Junior, anunciou que os empenhos de 2025 começarão a ser executados ainda nesta semana, contemplando propostas das cooperativas e das cozinhas solidárias. Ele também reconheceu a necessidade de melhorias no programa e a importância da compra institucional da agricultura familiar. “Nosso compromisso é que os alimentos das cestas venham da agricultura familiar. Já temos arroz e feijão. Precisamos ampliar para farinha, macarrão, proteína. É por isso que defendemos compras diretas e não via leilão.”
O debate continuou durante a tarde com as pautas específicas com o Incra. A Semana Camponesa segue até sexta-feira (25) em todo o país. Na quinta-feira (24), o MST/RS realizará uma doação de alimentos em uma das cozinhas solidárias da periferia de Porto Alegre, localizada na Vila Barracão, na Cruzeiro.
