O Programa de Formação Paul Singer de Agentes em Economia Popular e Solidária chega ao Rio Grande do Sul oficialmente na próxima segunda-feira (28). O lançamento será a partir das 14h, no Auditório do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região, na rua General Câmara, 424 – Centro Histórico.
O evento reunirá representantes de movimentos de economia popular e solidária, coletivos populares, trabalhadores/as do setor, autoridades do Legislativo e Executivo municipal e estadual, parceiros do Programa Paul Singer, entre outros.
O Programa Paul Singer é uma iniciativa da Secretaria Nacional de Economia Popular e Solidária (Senaes), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em parceria com a Fundação Jorge Duprat de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro).

No Rio Grande do Sul, serão 40 agentes territoriais – educadores e educadoras populares que vão promover, fortalecer e expandir a economia popular e solidária, incentivando e contribuindo para a formação de novos empreendimentos e coletivos e qualificação dos já existentes. O lançamento vai acontecer antes da formação destes e destas agentes em curso presencial realizado em Porto Alegre, de 29 a 31 de julho.
O programa faz uma homenagem a Paul Singer (24/03/1932 – 16/04/2018), economista e professor da Universidade de São Paulo (USP), referência no Brasil e no mundo em economia popular e solidária. Em 23 de dezembro de 2024, a Lei nº 15.068, também conhecida como Lei Paul Singer, foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, garantindo reconhecimento social e governamental para a economia solidária.
No BdF entrevista conversamos com o secretário Nacional de Economia Popular e Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego, Gilberto Carvalho, e a diretora pedagógica do Programa de Formação Paul Singer, Raimunda Oliveira, sobre a implementação do Programa de Formação Paul Singer de Agentes em Economia Popular e Solidária.

Confira a entrevista
Brasil de Fato – O que é e como funciona o Programa Paul Singer? O que ele pretende?
Gilberto Carvalho – O Programa de Formação Paul Singer é um programa que retoma uma história da Secretaria Nacional de Economia Solidária, que é um programa de construir um trabalho a partir da presença de agentes populares de economia solidária nos territórios.
Há uns anos atrás, houve um programa chamado Brasil Local, que já fazia esse trabalho, de você estar no território buscando um diagnóstico do que é a economia solidária, estimulando o surgimento de novos empreendimentos, novas redes e assim por diante.
Desde o início desse mandato, nos demos conta de que na conjuntura atual era muito importante a gente retomar um programa com essas características, mas acrescentando alguns elementos, sobretudo esse elemento da formação, da qualificação dessas pessoas.
E uma coisa importante, é que o governo federal tem várias iniciativas similares. No Ministério da Cultura nós temos em torno de 600 agentes trabalhando nos pontões e pontos de cultura e também nos comitês populares de cultura. Nós temos na Saúde os agentes populares de saúde, que faz um trabalho muito importante também no território. Nós temos no MEC todo o pessoal que trabalha com educação de jovens e adultos. Tem o Ministério da Igualdade Racial que também tá lançando o programa.
A nossa ideia é que esses agentes todos trabalhem de forma sincronizada, potencializando o trabalho uns dos outros, sendo, de um lado agentes da informação, agentes da comunicação daquilo que o governo tá tentando realizar e, ao mesmo tempo, provocadores do surgimento de novas formas de organização popular.
Os agentes serão provocadores do surgimento de novas formas de organização popular
Como os agentes vão atuar nos territórios? E como foi a escolha desses agentes?
Raimunda Oliveira – Os agentes têm diferentes tarefas no território. E o ponto de partida para eles atuarem é exatamente o processo de formação. Então, o programa ele se estrutura a partir do processo formativo.
Nós vamos organizar a realização dos primeiros módulos dos cursos com os 500 agentes em 12 turmas, e a partir do processo formativo eles vão estar saindo com os planejamentos que a gente chama de imersão territorial. Será um conjunto de atividades desde análise de realidade do território, levantamento de demandas, identificação das potencialidades, realização de atividades de articulação com os movimentos específicos de economia solidária e também com os outros movimentos que se aproximam da estratégia de economia solidária, mas que não se reconhecem enquanto movimentos que assumem a pauta de economia solidária.
O que está na centralidade do processo formativo e da atuação dos agentes são três grandes articulações. Uma que é compreender o lugar dos sujeitos, refletindo a partir da educação popular, a construção de identidade, reconhecimento como sujeitos de direitos, sujeitos que constroem a sua própria forma de resolver os problemas no território. A segunda é a organização, perceber que não basta a gente reconhecer os problemas, identificar os problemas, é preciso se organizar para superar. E para buscar formas de resolução dos problemas, vem a ação.
Então, esse tripé é a base do processo formativo e é a base da atuação desses agentes. As tarefas vão das mais específicas às mais gerais. Por exemplo, os agentes vão ter uma tarefa mobilizadora e articuladora e apoiadora do Cadastro Nacional de Empreendimentos Econômicos Solidários (Cadsol), uma das grandes estratégias aqui da Senae.
Os agentes terão também como tarefa ajudar os coletivos de economia popular a se articularem e, especialmente, realizar processos de reflexão sobre a importância da economia popular enquanto uma grande frente de fortalecimento de articulação da economia solidária. Ou seja, vão ajudar a entender de fato esse lugar da reprodução da vida, das buscas de alternativas de superação da exclusão que o capitalismo promove na nossa vida.
Então, o programa chega no território com uma proposta e uma estratégia concreta do governo federal, especialmente do Ministério do Trabalho, da Senaes. E busca articular a partir do que identifica nos territórios outras frentes.
Secretário, a gente está vivendo um momento que já vem, há alguns anos, de desregulamentação do mundo do trabalho. E a palavra empreendedorismo está entrando cada vez mais na vida das pessoas. Quando a gente fala de economia solidária, qual a diferença entre essas duas palavras, que carregam tanto significado a partir delas?
Gilberto – Essa tua questão é muito importante, porque de fato o neoliberalismo que foi muito expresso na reforma trabalhista de 2017, no governo Temer, que procurou destruir a organização coletiva dos trabalhadores, que quase destruiu o movimento sindical e procurou estimular ao máximo essa falsa visão de que o menino que pega uma moto e vai entregar uma pizza, com uma moto muitas vezes emprestada, sem nenhum treinamento, que ele é um empreendedor. Assim como o companheiro que pega um carro às vezes alugado para dirigir no aplicativo, é um empreendedor.
Nós sabemos que isso é uma falácia completa, porque e, ao contrário, ele é totalmente dependente das normas, dos aplicativos, de todas as técnicas que eles usam para esse domínio. Assim como, muitas vezes, aquele que é considerado o empreendedor individual, o MEI… Aliás, houve uma brutal deformação dessa história do MEI. É uma grande ilusão de que ele sozinho vai conseguir vencer na vida.
Nós queremos construir uma sociedade justa, uma sociedade fraterna, uma cidade onde as pessoas têm a sua dignidade, são respeitadas
A economia solidária pretende ser justamente a resposta oposta a isso. Ela procura demonstrar que se você, se uma senhora que tá fazendo um trabalho de costura, às vezes para uma dessas grandes fábricas isoladamente na casa dela com um ou dois ou três intermediários no caminho, se ela se juntar com mais três ou quatro ou com 10 ou com 20 ou com 100, a possibilidade de ela ter uma vida mais digna, um trabalho mais digno e um ganho muito mais significativo, além de vivenciar valores da autogestão, é muito maior.
A economia solidária foi se espalhando como uma proposta por esse Brasil afora, demonstrando na prática… Nós podemos aqui passar algumas horas contando exemplos de cooperativas muito bem-sucedidas em agricultura familiar, mas também no artesanato, mas também nas diversas áreas industriais.
Nós temos muitos exemplos e procuramos trabalhar para que a gente desenvolva cada vez mais esse modelo que, de um lado, permite que a pessoa ganhe a sua vida de maneira digna, trabalhe de maneira digna e não quase escrava, como muitas vezes ocorre por esse Brasil afora. E ao mesmo tempo plante a nova manhã que nós queremos construir, que é uma sociedade justa, uma sociedade fraterna, uma cidade onde as pessoas têm a sua dignidade, são respeitadas.
Então, esse é o trabalho que nós estamos fazendo e por isso a ideia de que esses agentes vão nos ajudar a expandir esse trabalho, fazer uma demonstração de que é viável, é possível construir, além de tudo, construir uma base consciente, bem informada, capaz de resistir às fake news, as mentiras todas que estão por aí, sustentando esse nosso projeto alternativo que estamos tentando construir.
O Rio Grande do Sul tem longa tradição no cooperativismo com vários exemplos importantes. Como está o programa aqui no estado?
Gilberto – Os estados que têm um certo tecido organizado já nesse campo da economia solidária, quando chega uma ação como essa do Programa Paul Singer logo se fortalece ainda mais. Por exemplo, o Rio Grande do Sul é o primeiro estado do programa que organizou o comitê pedagógico para construção do curso que reúne todas esses movimentos e organizações.
O pessoal da educação popular em economia solidária se somou aos coordenadores, ao André e a Dora, ao Cláudio Nascimento e a Clara Glock, que são duas pessoas da equipe nacional do programa. Eles estão acompanhando mais de perto o Rio Grande do Sul por serem daí especialmente, mas também por uma estratégia que nós organizamos nacionalmente, que toda a equipe nacional acompanha os estados, as coordenações estaduais para exatamente criar essa relação mais orgânica da equipe nacional com as coordenações estaduais, com os agentes, com os movimentos.
E aí tá muito bonito o processo, porque como criou-se esse comitê pedagógico, envolvendo os movimentos locais, tem um campo de corresponsabilização com o programa que vai para além das coordenações estaduais.
Com os grandes desafios que o Rio Grande do Sul tem enfrentado, esses laços de fraternidade, de solidariedade, têm se consolidado mais ainda. E os agentes aí do estado, inclusive, já estão em imersão territorial, já estão organizando, fazendo mapeamento dos territórios. Já fizeram toda uma definição de quais são as áreas que cada agente vai atuar.
Então, é muito bonito ver, porque tem uma especificidade de cada estado e tem também um tecido nacional que vai costurando, enlaçando, criando, refletindo, impulsionando. Queria destacar isso no Rio Grande do Sul, que tem sido uma boa referência pra gente ir também reorganizando os passos do programa nacionalmente.
Uma questão recorrente é a falta de orçamento, principalmente para o campo popular. Tanto a educação popular como a comunicação popular parece que tem uma dificuldade de entrar orçamento. Como vocês estão pensando essa articulação dentro do ministério?
Gilberto – Pois é, você toca num assunto muito importante, que nos leva a fazer um reconhecimento autocrítico de que, de fato, no conjunto do governo federal, falta ainda uma consciência da importância da economia solidária e da importância de um investimento pesado nessa área. Porque vamos pensar o seguinte, qualquer empresa que vai se instalar em qualquer cidade desse país, seja em Farroupilha, seja lá em Quixadá, ele chega pro prefeito e o prefeito abre a possibilidade de ele receber políticas públicas. Ele recebe o terreno de graça, muitas vezes recebe a isenção do IPTU, trabalham para ter financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A economia solidária não é fundo perdido. A economia solidária, eu sempre digo, é coisa de trabalhador que luta, trabalhadora que luta para melhorar a vida
Querer exigir que o empreendimento, por ser de trabalhadores, coletivamente se sustente, se funde, se mantenha com recursos próprios, sem esse apoio, é uma crueldade. Então, todo o nosso trabalho tem sido no sentido de internamente pressionar justamente o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, o BNDES, e o próprio presidente Lula para que olhem para a importância desse investimento.
Esse é o investimento que tem retorno. A economia solidária não é fundo perdido. A economia solidária, eu sempre digo, é coisa de trabalhador que luta, trabalhadora que luta para melhorar a vida. Só que de outro modo. Em vez de individualmente, coletivamente, em vez de egoisticamente, solidariamente.
Então, essa tem sido uma disputa difícil. Confesso que nós não temos tido grandes vitórias nesse aspecto, mas sim algumas portas estão sendo abertas, sobretudo através da Fundação Banco do Brasil, que maneja recurso, seja do BNDES, seja do próprio banco, seja do Sebrae, para o programa todo. Por exemplo, esse programa ele tem um orçamento significativo, e isso já é resultado dessa pressão que nós fizemos para jogar o programa na rua.
E agora, a partir dos diagnósticos fornecidos pelos próprios agentes, tanto do ponto de vista quantitativo, mas também qualitativo, é que nós então vamos detectar novas necessidades e brigaremos para que os nossos empreendimentos, de fato, tenham políticas públicas, sejam considerados política pública e, portanto, recebam recursos para se viabilizar, para terem uma sustentabilidade.
Então, essa é uma luta, confesso para vocês, dura, mas que nós estamos enfrentando aqui com muita tenacidade e se Deus quiser, nós vamos conseguir. Por isso a importância de a gente colocar o programa de fato na rua, ele ter força para demonstrar para o governo e para a sociedade que sim, é viável fazer economia solidária e muda vidas.
Acho importante resgatarmos quem foi Paul Singer, que dá nome ao programa, numa uma homenagem a esse intelectual, professor, referência desse debate da economia solidária ou de uma outra economia.
Gilberto – Você tem toda a razão. O Paul Singer foi uma figura incrível. Ele nasce na Áustria, vem para o Brasil como operário qualificado, trabalha nas indústrias em São Paulo. Aí resolve ir para a universidade, se forma, depois faz mestrado, se torna doutor e sem nunca perder a vinculação com a experiência operária, com a experiência de trabalho.
Singer é lembrado por ser uma pessoa sábia, e por isso profundamente simples. Ele começou a se dedicar a estudar esse fenômeno que já existia no Brasil, porque a economia solidária, a rigor, ela se dá nos quilombos, ela se dá na cultura indígena, assim como também ela vem da Europa para cá a partir das experiências italianas, espanholas, alemãs, enfim, a Europa tem uma tradição, tem uma história, de economia solidária.
Ao perceber esse esforço que estava se fazendo, sobretudo nos anos 1980 e 1990, com a crise do capital, com o início da financeirização do capital e o desemprego crescente, começam a estudar essas experiências e alcunham, dão esse nome para esse novo tipo de economia, de economia solidária. Em outros países é conhecida como economia social.
O Paul Singer foi o grande inspirador de um movimento que pressionou o presidente Lula em 2003 a criar uma estrutura de governo voltada para estimular esse setor. É por isso que foi criada aqui no Ministério do Trabalho a Secretaria Nacional de Economia Solidária, que nós, esperamos que um dia se torne um grande ministério. Nós não queremos ficar como um nicho. A economia solidária tem que dar forma, dar conteúdo, influenciar o conjunto da economia. E por isso que nós trabalhamos, a gente é pobrezinho, mas muito ambicioso.
Raimunda, foi feito um jingle do programa, criado pelos agentes de São Paulo. Como foi esse processo?
Raimunda – Foi muito bonito ver o resultado, na verdade foi bem interessante o processo de criação. Veio da própria iniciativa do grupo que queria produzir alguma coisa a partir das oficinas de educomunicação que eles fizeram com a facilitação da Clara. E à medida que eles foram vivenciando esse processo formativo, foram despertando a curiosidade para construir algo muito concreto e oferecer para o programa.
Então, daí veio a ideia de construir uma música e que essa música pudesse ter um pouco a diversidade do que expressava aquele coletivo de São Paulo, que é um grupo de agentes que chegou um pouquinho antes desses que estão chegando agora. Foram construindo a poesia do jingle, foram pensando a melodia, foram experimentando esse fazer, a partir da reflexão e da provocação que a Clara e os companheiros da comunicação foram estimulando o grupo. E resultou nessa belezura, que fala muito das expressões daquele coletivo, mas fala sobretudo de como o grupo se percebeu na construção e como o grupo está lendo a sua própria prática no programa. Então ele é mais do que um jingle, na verdade é uma expressão do processo formativo que esse grupo vivenciou.
E vamos ouvir muito, dançar muito e celebrar muito com esse jingle e com certeza virão tantos outros. Mas esse está desbravando um início de processo muito interessante no programa. Então nossos agradecimentos pra turma lá de São Paulo que se desafiaram a construir e especialmente para o grupo que construiu com muita sabedoria e tranquilidade, levando o grupo a construir essa poesia e essa melodia tão bonita que gerou o jingle do programa
Como vai ser o lançamento aqui em Porto Alegre no dia 28?
Raimunda – Vai ser um lançamento aberto. Estão sendo convidadas várias autoridades, o pessoal da Frente da Economia Solidária… Os agentes vão estar presentes porque o lançamento, na verdade, ele abre uma agenda de formação vinculada ao curso que a turma vai vivenciar nos dias seguintes.
A ideia do lançamento é que ele seja um momento de uma reflexão política sobre o sentido do programa, em que contexto ele surge, para que e porque ele surge. E especialmente criando toda uma relação do programa com os diferentes atores locais, com as autoridades, com os movimentos, com as organizações.
Então, lançar o programa é mais do que comunicar ele para a sociedade, é refletir sobre o sentido do programa no processo de formação e nesse contexto que a gente tá vivendo. É colocar a economia solidária realmente no centro do debate no lugar que ela precisa estar, como não só uma alternativa, mas como um modelo mesmo de pensar as formas de produção, de organização, de reprodução da vida nessa sociedade. Quem sabe superar esse capitalismo selvagem que nos mata todos os dias? Então essa é a nossa aposta e essa é a nossa esperança freiriana.
Confira a entrevista em vídeo:
