A nova Lei de Cotas (15.142/2025), sancionada no último mês pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), amplia a reserva de vagas em concursos públicos federais em 30% para negros, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência. Para Ingrid Sampaio, coordenadora de advocacy do Instituto de Referência Negra Peregum, a medida representa mais do que inclusão, trata-se de um passo importante rumo à reparação histórica no Brasil.
“O impacto é direto na vida principalmente das populações negras e agora, com essa lei, de pessoas indígenas, quilombolas, e pessoas com deficiência também”, afirma. A nova legislação é resultado de um processo longo no Congresso Nacional. “Foram pelo menos três anos de debates intensos”, lembra Sampaio, que destaca a atuação do senador Paulo Paim (PT-RS), autor da proposta.
De acordo com ela, a política afirmativa é um instrumento de acesso real, com impactos econômicos positivos para todo o país. “Não estamos falando sobre favores ou somente uma reparação defendida por uma parcela da sociedade. Estamos falando sobre colocar essas pessoas na economia, ajudando a economia a girar, se fortalecer. São atores econômicos, consumidores, pessoas que merecem a atenção do Estado”, defende.
Isso acontece, ela explica, porque “o efeito [da política de cotas] é a promoção do acesso, inicialmente. Dá um horizonte, permite que as pessoas percebam aquilo como uma oportunidade real, e não mais distante da sua realidade. Então promove o acesso a um concurso público, à universidade”. “Tentar um concurso público é uma oportunidade de mobilidade social, inclusão econômica de fato”, acrescenta.
Inclusão ainda é frágil no Brasil
Mais de 90% das contratações de pessoas com deficiência no Brasil ocorrem por força da Lei de Cotas, segundo um levantamento da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), divulgado em 2024. Para Sampaio, isso revela a fragilidade do compromisso social com a inclusão. “Sem as políticas públicas de inclusão, as políticas afirmativas, essa inclusão não aconteceria”, destaca.
Ela aponta ainda que os retrocessos nos direitos de grupos minorizados têm sido agravados por um movimento global conservador. “Qualquer insegurança atinge o setor, esses são os primeiros setores a perderem direitos ou a sofrerem com a insegurança da garantia desses direitos”, aponta.
Presença trans nas universidades
A reserva de vagas para pessoas trans, como a adotada pela Universidade de Brasília (UnB), é ainda uma política rara no cenário federal. Para Sampaio, os avanços caminham de forma lenta e dependem da persistência das políticas afirmativas e da mobilização social.
“Pessoas trans são, em grande parte, também pessoas que acumulam diversas outras vulnerabilidades. […] É uma luta que acaba sendo um enfrentamento difícil, porque precisa contar com aliados que deveriam ser muito mais aliados”, diz. Ainda assim, ela vê com bons olhos o efeito multiplicador que universidades como a UnB podem gerar: “É excelente que ondas positivas sigam alavancando outras universidades.”
Pressão social e fiscalização
Para além das manifestações nas ruas e nas redes sociais, Sampaio defende um acompanhamento técnico e articulado das políticas públicas. “A mesa de negociação na política está sempre aberta, mas existe uma dificuldade muito grande em sentar nesse lugar. […] É importante que comecemos a nos agrupar para manifestarmos a necessidade, a defesa dos nossos interesses”, clama.
Ela reforça que a pressão social deve ser qualificada, especialmente diante da desinformação. “A pressão é realmente um aspecto extremamente importante, mas ela precisa ser qualificada, principalmente se estamos falando em 2025, com tanta informação complexa e controversa que acompanhamos na internet”, opina.
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