Uma mulher indígena, da etnia kokama, acusa quatro policiais militares e um guarda municipal de estupro coletivo durante os nove meses em que esteve presa na 53ª Delegacia de Santo Antônio do Içá (AM), entre novembro de 2022 e agosto de 2023. A vítima, de 29 anos, afirma que os abusos começaram ainda no início da custódia provisória e só foram denunciados após sua transferência para a Cadeia Pública Feminina de Manaus.
Segundo a denúncia, os crimes ocorreram em uma cela improvisada, compartilhada com homens presos por crimes de menor periculosidade, onde a vítima também permaneceu com seu bebê recém-nascido por cerca de dois meses para amamentá-lo. O advogado Dacimar de Souza, que assumiu a defesa da mulher após a transferência, relata que ela só revelou os abusos meses depois, por medo de retaliações. A ação indenizatória, ajuizada em fevereiro, pede reparação moral de R$ 500 mil e atendimento psicológico e psiquiátrico custeado pelo estado.
De acordo com a denúncia, os agentes obrigavam a mulher a consumir bebidas alcoólicas antes das agressões, que teriam ocorrido inclusive durante o puerpério. Um exame realizado pelo Instituto Médico Legal em agosto de 2023 apontou indícios de “conjunção carnal resultante de ato violento.”
O caso, exposto pelo portal Sumaúma, mostra também as condições precárias do sistema prisional no interior do Amazonas. Documentos judiciais e relatórios da própria polícia confirmam que a delegacia não possui espaço adequado para manter mulheres presas. A vítima deveria cumprir prisão domiciliar desde 2020, mas, após ser recapturada por um mandado de prisão, foi mantida em local impróprio por decisão administrativa, segundo a sua defesa.
O Ministério Público do Estado do Amazonas (MPE-AM) acompanha o caso e colheu depoimento da vítima na última terça-feira (22). Em um vídeo divulgado à imprensa, a procuradora-geral Leda Mara Albuquerque afirmou que o caso “revela grave violência institucional e reforça a necessidade de discutir a estrutura carcerária do Amazonas”. Ela destacou que presídios do estado não atendem à Lei de Execução Penal e perpetuam a violência de gênero.
Em nota, a Funai informou que acionou sua Procuradoria para adotar medidas jurídicas e solicitou à Corregedoria-Geral do Sistema de Segurança Pública o afastamento imediato dos policiais citados. Também pediu acesso aos processos administrativos e judiciais em andamento e alertou para possíveis casos semelhantes na delegacia. O Ministério da Mulher foi notificado para avaliar medidas protetivas à vítima.
Também em nota, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas afirmou que a Corregedoria e a Polícia Civil abriram investigações, e que a Polícia Militar conduz um inquérito sigiloso. A Procuradoria-Geral do Estado confirmou ter proposto acordos para encerrar a ação indenizatória, mas as ofertas, de até R$ 50 mil, foram recusadas. Já a Defensoria Pública disse ter atuado desde a chegada da vítima à unidade feminina e reforçou a gravidade da denúncia, apontando que ela estava em “extrema debilidade emocional”.