Diante de um mundo marcado por desigualdades crescentes, precarização do trabalho e colapso climático, o Centro de Assessoria Multiprofissional (Camp) aposta na formação política como ferramenta de resistência e transformação social. Com o Programa de Formação Continuada, a entidade busca fortalecer lideranças populares e incentivar a construção de um “outro mundo possível”, fundado na solidariedade e na justiça social.
O Programa de Formação Continuada é uma iniciativa do Camp – Escola do Bem Viver que tem como missão a formação de sujeitos coletivos comprometidos com a igualdade, os direitos humanos, a democracia e a justiça socioambiental. É uma oportunidade de formação política, de aprofundamento teórico e de reflexão sobre as práxis das várias formas de economias praticadas pelos povos das periferias, do campo, das florestas e das águas.

Este 1º Ciclo de Formação, denominado de “Construindo o fazer solidário para um outro mundo possível”, tem como objetivo proporcionar a troca de experiências e de informações entre lideranças de grupos, coletivos e empreendimentos destas várias formas de economias praticadas nos territórios, para o aprofundamento e difusão de técnicas de planejamento, produção, comercialização de produtos e serviços e, para reflexão sobre o papel de uma nova economia na construção de uma sociedade mais justa, igualitária e sustentável.
Inscrições
Serão disponibilizadas 30 (trinta) vagas, garantindo-se a representatividade e a diversidade de pessoas e segmentos que compõe os empreendimentos e grupos de economia popular e solidária no Rio Grande do Sul.
O programa é destinado a lideranças sociais que tenham como atividade principal os empreendimentos ou grupos de economia popular e solidária, que residam no Rio Grande do Sul e que, preferencialmente, tenham participado de pelo menos uma atividade realizada pelo Camp nos últimos três anos. As inscrições ocorrem até o dia 10 de agosto por meio deste formulário.

“O curso é uma oportunidade para que lideranças da base social periférica possam se reunir, discutir sobre sua realidade concreta e relacioná-la com os dilemas e desafios do mundo nos dias atuais”, afirma Mauri Cruz, da Coordenação do Programa de Formação Continuada do Camp. Segundo ele, a proposta pretende articular alternativas concretas que “conspirem a favor” de uma nova organização social.
Para Cruz, é impossível pensar a superação do capitalismo sem compreender a complexa engrenagem que o sustenta. “A militância comprometida com a transformação social sabe que não há revolução sem teoria revolucionária”, defende. A luta, pontua, não se dá apenas pelo voluntarismo ou pela ação meramente econômica. “A formação política é essencial porque, se não pararmos para refletir sobre a complexidade desta realidade, corremos o risco de sermos dominados por ela, ou pior, de reproduzirmos valores e práticas capitalistas que tanto condenamos”, analisa.
Inspirando-se no pensamento do filósofo italiano Antonio Gramsci, ele destaca a importância de entender que o domínio ideológico – e não apenas material – é o que garante a hegemonia do bloco histórico dominante. “Hoje, as Big Techs que estão em todas as dimensões da vida das pessoas e que dominam as ferramentas de inteligência artificial sem qualquer controle social estão assumindo papel preponderante no controle do capitalismo moderno. Este domínio, às custas da precarização acelerada do mundo do trabalho, da escalada das desigualdades, da crise ambiental e da crise das democracias liberais”, aponta.
Construção coletiva

Mais do que teoria, o programa aposta na prática e na construção coletiva. A formação organizada pelo Camp, que integra a metodologia da Escola do Bem Viver, articula saberes acadêmicos, experiências populares e reflexões políticas. A proposta se ancora em um princípio fundamental: a solidariedade como essência da existência humana.
“A sociedade humana só existe por causa da capacidade solidária dos seres humanos. Desde que nascemos, dependemos uns dos outros”, reitera Cruz. Para ele, o discurso de que os seres humanos seriam essencialmente competitivos é uma construção ideológica do capitalismo para justificar sua lógica de exclusão. “Como nos ensinou Noam Chomsky, o capitalismo coloca o lucro acima das pessoas”, reforça.
Diante das guerras, da crise climática e da violência estrutural que atinge sobretudo os povos periféricos, o Camp propõe um outro horizonte: “Talvez o que tenhamos deixado de fazer nas últimas décadas tenha sido investir na formação das pessoas numa ótica de ser humano integral, conectado com a Mãe Terra e com o futuro da humanidade”, afirma.
Cruz argumenta que não faltam soluções técnicas ou científicas para resolver os principais problemas do mundo atual. “Já produzimos alimento suficiente para toda a população. Avançamos na erradicação de doenças. O problema não é de alternativa, mas de mobilizar corações e mentes para outro tipo de sociedade”, afirma.
Apesar dos retrocessos, ele enxerga sinais de esperança na própria contradição do sistema. “Mesmo os líderes da extrema direita precisam disputar eleições. Isso demonstra que a lógica da legitimação pelo voto é hegemônica nos dias atuais”, avalia. “Dialeticamente, essa contradição pode ser uma brecha para transformação.”
O Programa de Formação Continuada faz parte do Projeto de Formação de Agentes de Desenvolvimento em Economia Solidária desenvolvido e implementado pelo Camp – Escola do Bem Viver, através de recursos da Secretaria Nacional de Economia Solidária – Senaes do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE do governo federal e tem o Instituto IDhES como parceiro e responsável pela organização, produção e apoio político pedagógico.
“O Camp sempre esteve conectado com processos formativos locais, nacionais, latino-americanos e internacionais. Queremos compartilhar essa metodologia e esse nosso conhecimento coletivo em prol da formação de pessoas que se vejam como solução para construção de um outro mundo possível”, conclui Cruz.
