O número de trabalhadores resgatados de condições análogas à escravidão na Paraíba saltou 263% entre 2023 e 2025, segundo levantamento do Ministério Público do Trabalho no estado (MPT-PB). Enquanto em 2023 foram 62 trabalhadores resgatados – todos em pedreiras, em 2025 o número chegou a 225. Destes, 94% atuavam em atividades da construção civil, principalmente nos municípios de João Pessoa e Cabedelo.
Segundo o MPT, foram pagos mais de R$ 2 milhões em verbas rescisórias e danos morais coletivos e individuais, somente nos resgates ocorridos este ano na Paraíba, frutos do trabalho de fiscalização feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), MPT e Defensoria Pública da União (DPU). Em alguns casos, foram firmados acordos (Termos de Ajuste de Conduta) entre o MPT e as empresas fiscalizadas. Os trabalhadores resgatados na Paraíba entre os anos de 2023 e 2025 eram naturais de, pelo menos, 24 municípios paraibanos e dos Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro.
Dia Mundial de Combate ao Tráfico de Pessoas alerta para aliciamento de paraibanos
No próximo dia 30 de julho é celebrado o Dia Mundial de Combate ao Tráfico de Pessoas. O MPT está em campanha de alerta para o aumento do aliciamento de trabalhadores da Paraíba, tanto para outros estados quanto dentro do próprio território paraibano. Muitas das vítimas são recrutadas em cidades do interior e encaminhadas para obras na capital, onde se deparam com condições degradantes de trabalho.
“Novas situações de exploração do trabalho em condição análoga à de escravo estão sendo identificadas na Paraíba, inclusive na última semana, em João Pessoa e Cabedelo. O MPT continuará atuando para que esse crime não mais aconteça. Essa situação atenta contra a dignidade da pessoa humana. Precisamos lembrar que, quem procura trabalho não pode encontrar escravidão”, declarou Marcela Asfóra, procuradora do Trabalho e coordenadora Regional da Conaete/MPT (Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas) por meio de notícia veiculada no site do MPT/PB.
Última operação resgatou 112 trabalhadores em obras de oito empresas
Entre os dias 14 e 23 de julho de 2025, uma operação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), coordenada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) com apoio do MPT, Defensoria Pública da União (DPU), Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF), resgatou 112 trabalhadores em condições degradantes nas cidades de João Pessoa e Cabedelo.
Precisamos lembrar que, quem procura trabalho não pode encontrar escravidão – Marcela Ásfora
Eles atuavam em obras de oito empresas do setor da construção civil. Os trabalhadores eram provenientes de, pelo menos, 20 municípios da Paraíba, além de cidades de Pernambuco, Rio Grande do Norte e do Rio de Janeiro.




“Ou seja, o tráfico de pessoas para fins de trabalho escravo é uma realidade e não podemos, de forma alguma, fechar os olhos para esse crime”, afirmou a procuradora Marcela Asfóra.
Histórico de resgates na Paraíba entre 2023 e 2025
- 2023 – 62 trabalhadores resgatados
- Dezembro: 62 resgatados em pedreiras na zona rural de Campina Grande
- 2024 – 53 trabalhadores resgatados
- Junho: 17 em pedreiras de Taperoá
- Dezembro: 13 em Itapororoca (pedreiras) e 23 na construção civil em João Pessoa
- 2025 – 225 resgatados (até agora)
- Fevereiro: 59 em João Pessoa e Cabedelo (obras de prédios de luxo em Manaíra, Poço e Ponta de Campina)
- Março: 6 em uma pedreira de Caiçara e 6 em calçamentos em Serra Branca
- Maio: 33 em obras nas praias de Formosa e Camboinha, em Cabedelo
- Junho: 9 em obras na capital paraibana
- Julho: 112 em obras de oito empresas em João Pessoa e Cabedelo
O superintendente Regional do Trabalho na Paraíba, Paulo Marcelo de Lima, comenta que parte do setor empresarial tem dificuldade de seguir a norma.
“O setor da construção civil é uma das poucas categorias que possui uma Norma Regulamentadora específica, a NR-18. Para cumprir integralmente essa norma, estimamos que cerca de 70% das empresas enfrentariam dificuldades. Quando uma operação móvel como essa chega ao estado para fiscalizar determinado ramo de atividade, ela não observa apenas o que aparece nas fotos. Existem aspectos que não são visíveis, mas o conjunto de irregularidades é o que caracteriza o trabalho degradante – portanto, trabalho análogo à escravidão. Esse aumento no número de resgates ocorre porque a grande maioria do empresariado ainda não cumpre a NR-18”, destacou ele ao jornal Brasil de Fato Paraíba.
“Na Região Metropolitana de João Pessoa, por exemplo, vivemos um momento de intensa divulgação da capital como uma das melhores cidades para se viver no Brasil. Isso impulsionou o setor da construção civil. Muita gente passou a construir, mesmo sem experiência, e há ainda empresas mais experientes que até cumprem parte da norma. Mas, para cumprir integralmente, acredito que talvez apenas 5% das empresas realmente estejam de acordo com todos os requisitos da NR-18”, aponta Marcelo.
Ele ainda acrescenta que, atualmente, é raro encontrar uma obra onde o auditor fiscal não identifique problemas.
“Poucas oferecem chuveiro elétrico, ambiente adequado, refeitório decente, cozinha apropriada, alojamentos em condições dignas e pagamento correto dos salários, ou seja, tudo registrado no contracheque. Isso ainda é exceção. O trabalho degradante existe e não é novidade. Mesmo com o sindicato atuando bem, o volume de obras nos últimos dois anos cresceu tanto que se tornou difícil fiscalizar tudo. Os resgates em João Pessoa e Cabedelo não significam que o problema está restrito a essas cidades. Se houvesse mais tempo e recursos para fiscalização, com certeza encontraríamos outras obras nas mesmas condições”, conclui.
Francisco Demontier, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil, Pesada e do Mobiliário de João Pessoa e Região (Sintricom/JP), comenta sobre os trabalhadores resgatados: pedreiros, ajudantes de pedreiros, gesseiros, carpinteiros, betoneiros, ferreiros, pintores.
“Todos prontos para o batente e para a semana longe de casa. De tijolo em tijolo, vão construindo paredes, edifícios luxuosos e sonhos que não são deles, mas que honram com a força do seu trabalho. Estamos falando de um recorde de resgate de trabalhadores realizando serviços de forma escrava, sem direito a necessidades básicas, como higiene e alimentação adequadas, sem falar no pagamento pelo trabalho prestado, e nas demais irregularidades que as fiscalizações registraram. Situações terríveis que atacavam a dignidade da pessoa humana de cada um desses trabalhadores”, afirma o representante sindical em declaração publicada no site do sindicato.
Paulo Marcelo destaca que a situação já é antiga: “Não é que as empresas relaxaram recentemente; essas situações já ocorrem há bastante tempo e são tema constante nas negociações coletivas. Mas são poucas as empresas dispostas a adequar suas obras à norma. Essas ações são importantes porque, espero, tragam mudanças. O trabalhador merece um espaço digno para descansar após jornadas de 8, 10 ou até 11 horas de trabalho intenso. Infelizmente, é raro encontrar condições adequadas. Espero que essa realidade mude, que haja uma nova postura do empresariado e que possamos, em breve, relatar melhorias. Porque isso que está acontecendo não é bom para João Pessoa, não é bom para a sociedade. Quando se anuncia a presença de trabalho escravo em uma cidade, toda a comunidade se preocupa. E é por isso que precisamos mudar, e mudar rápido, para evitar que isso comprometa o próprio desenvolvimento do setor”, ressalta ele.
Dados nacionais reforçam urgência do enfrentamento
Segundo dados oficiais do Ministério do Trabalho e Emprego, o Brasil resgatou 2.575 trabalhadores em situação análoga à escravidão em 2023. Este foi o maior número de resgates dos últimos 14 anos. Entre 2019 e 2023, mais de 10 mil trabalhadores foram resgatados em todo o país. A maior parte das vítimas está concentrada nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, mas o Nordeste tem apresentado crescimento nos últimos anos.
Campanha Denuncie: ‘Não feche os olhos para esse crime!’
Denúncias de trabalho escravo podem ser feitas pelos seguintes canais:
-Site do MPT-PB
-Portal nacional do MPT
-Site do MTE
-Aplicativo MPT Pardal
-Disque 100
-WhatsApp do MPT na Paraíba: (83) 3612-3128