A cientista política Priscila Lapa analisa que a prisão da deputada Carla Zambelli (PL-SP) na Itália, a pedido da Justiça brasileira, reacende debates centrais da política nacional, como o funcionamento das instituições e a crise de legitimidade na Câmara dos Deputados. Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, ela avalia que o caso evidencia a importância da cooperação internacional e coloca em xeque o histórico de impunidade de atores políticos no país.
“Sabemos da complexidade quando envolve a prisão fora da fronteira nacional, justamente porque tem que haver a cooperação institucional entre os dois países para que todo o devido processo legal do Brasil seja cumprido, mas sem desrespeitar alguns princípios da legislação do país que está nesse processo”, explica.
Condenada a mais de dez anos de prisão por invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Zambelli deve retornar ao Brasil para cumprir pena.
Para Lapa, a situação também pressiona a Câmara, que até agora não decidiu sobre a cassação do mandato da parlamentar. “Cria-se um debate sobre a legitimidade, o quanto é compatível alguém que tem uma condenação na Justiça manter o seu cargo parlamentar”, aponta.
Ela compara o caso ao do ex-deputado Daniel Silveira, preso por estímulo a atos antidemocráticos, e critica a lentidão na análise de punições a bolsonaristas, em contraste com a velocidade do processo de cassação contra Glauber Braga (Psol-RJ) na Comissão de Ética.
A cientista política também considera que o Supremo Tribunal Federal (STF) se vê hoje numa “encruzilhada”. Ela aponta que decisões como a devolução do passaporte de Zambelli em 2023 são vistas como erros estratégicos, por abrirem margem para fugas.
“A dose disso precisa ser muito bem calculada, porque também na história recente vimos a anulação completa do processo por erros processuais”, explica, relembrando a Operação Lava Jato.
Segundo Lapa, o Judiciário precisa responder à altura para manter a confiança da sociedade. “O 8 de janeiro foi muito emblemático nesse sentido. Olhando retrospectivamente, vemos que tinham pessoas financiando, estruturando aquela ação política. Até que ponto as autoridades brasileiras não ‘cochilaram’?”, questiona, indicando uma possível leniência na ação das instituições.
Racha evidencia crise no bolsonarismo
Durante a entrevista, a especialista também comentou o atrito entre o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG). Para ela, a briga evidencia fissuras no bolsonarismo.
“No radicalismo não tem espaço para muitas lideranças se colocarem como a principal. Há um processo de desgaste desse material político, e aí muita gente começa a fazer esse processo de descolamento, mas que é natural”, analisa.
O racha entre Eduardo e Nikolas se intensificou após o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) cobrar mais engajamento do colega mineiro na defesa do bolsonarismo em meio à crise gerada pelas tarifas anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o Brasil.
Eduardo se irritou com uma menção de Nikolas a uma influenciadora crítica a Bolsonaro e, nas redes sociais, escreveu: “é triste ver a que ponto o Nikolas chegou”.
Ao criticar a atuação de Eduardo Bolsonaro no exterior, que articulou com Trump a imposição das taxas, Lapa avalia que o deputado pode enfrentar dificuldades jurídicas e eleitorais. “Ele vive uma situação que possivelmente vão encontrar elementos para que ele seja encontrado em algum movimento que leve a uma condenação. Ele tem um caminho político muito árduo”, avalia.
Ainda assim, ela acredita que o núcleo bolsonarista mais radical pode manter seu apoio. “Essa narrativa [de vitimismo, heroísmo] pode prevalecer ainda fortemente e acentuar esse núcleo radical, mas isso para um nicho muito específico do eleitorado”, pondera.
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