A série documental Em Defesa do Meio Ambiente, dirigida por Guilherme Castro, nasce da percepção de que a crise climática que vivemos hoje não é uma surpresa. Com 13 episódios de 26 minutos pensados para a televisão, a produção analisa a emergência ambiental sob diferentes perspectivas e resgata a história do pensamento ecológico e do ativismo no Rio Grande do Sul.
As filmagens aconteceram entre março e maio deste ano, com patrocínio do Nubank, por meio do financiamento da Agência Nacional do Cinema (Ancine). A previsão de lançamento da série é para o primeiro semestre de 2027.
“A calamidade ambiental, a emergência climática que a gente está experimentando de maneira muito concreta, não é nada nova ou surpreendente. Ela já vem sendo avisada, anunciada, explicada por cientistas e ecologistas há algumas décadas”, afirma Castro. “Não tem nada que não esteja explicado no que está acontecendo.”

De décadas de acervos à urgência das enchentes
A ideia da série surgiu há alguns anos, mas é resultado de uma trajetória muito mais longa. “Venho trabalhando nesse projeto há décadas, por causa da minha proximidade com pessoas do movimento ambiental que são detentores de acervos e memórias muito interessantes. A gente já vinha há bastante tempo pensando em construir e veicular esse conteúdo, porque a questão ecológica aqui no estado sempre foi muito forte.”
O agravamento visível da crise climática motivou o início do projeto. “Comecei a trabalhar na série há uns quatro, cinco anos, quando já era muito clara a percepção de que a crise estava se agravando. E quando deu a enchente (de 2024), eu estava trabalhando na série. Parte dessa experiência entra muito clara na narrativa, porque essa alteração das condições de vida do planeta atinge a todos nós.”

Entrevistas, territórios e soluções possíveis
Com roteiro assinado por Castro e pelo ecojornalista João Batista Santa Fé Aguiar, fundador do site Agirazul e com mais de 40 anos de militância ecológica, a série reúne mais de 100 entrevistados, entre eles moradores locais, pesquisadores, ambientalistas, lideranças quilombolas, indígenas, movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e Amigas da Terra. A série traz entre os entrevistados a presidenta da Fundação Gaia, a bióloga Lara Lutzenberger, a moradora da cidade de Eldorado do Sul Janaina Lopes, a cacica Kaingang Iracema Nascimento, da Retomada Gãh Ré, o ambientalista Arno Kayser, o biólogo Francisco Milanez, a liderança do Quilombo dos Machado Rogério Machado (Jamaica), entre outros.
“Fomos elencando vários aspectos da questão ambiental que estão presentes hoje. Cada episódio trata de um tema: a defesa das florestas, a situação do Pampa, os oceanos, os efeitos da crise sobre a saúde, que é um tema novo, muito presente, que surgiu com força na pandemia da covid e na dengue.”
Para Castro, um dos aspectos mais impactantes da produção é a abordagem dos chamados pontos de não retorno. “São temas quentíssimos, verossímeis”, afirma. Ele lembra uma metáfora frequentemente utilizada pelo ambientalista José Lutzenberger para explicar a fragilidade do equilíbrio ecológico: “É como uma teia de aranha. Você vai cortando os fios e ela permanece. Mas chega um momento em que, ao cortar mais um, a teia se desestrutura, entra em colapso.”

Segundo o diretor, a natureza tem uma impressionante capacidade de regeneração, mas há um limite para isso. “Chega um ponto em que ela não consegue mais se regenerar.” Entre os principais problemas, ele aponta o aquecimento global, a crise alimentar que pode decorrer dele, a intensificação dos eventos extremos com o aquecimento dos oceanos, o derretimento das calotas polares e, sobretudo, os impactos profundos sobre a biodiversidade.
O objetivo é mostrar a gravidade do momento sem perder de vista iniciativas concretas de enfrentamento e adaptação. “A gente é, de certa maneira, portador de más notícias. A emergência é muito presente. Já não tem mais como evitar a crise. A questão agora é como se adaptar a ela. Mas, apesar disso, encontramos muitas ações, visões de solução. Existe ciência, existe tecnologia, existem muitos grupos realizando melhorias ambientais.”

A produção percorreu diferentes regiões do estado, retratando os biomas e experiências locais. “Teve coisas maravilhosas, belíssimas, que eu mesmo não conhecia em tantos anos de jornalismo e documentarismo. Por exemplo, a pecuária familiar no Pampa, que é uma cultura tradicional, profundamente ecológica, dedicada à atividade pecuária há 200, 300 anos. É uma cultura equiparada a um povo originário, e a gente mal ouve falar.”
Outro exemplo é a pesca colaborativa entre golfinhos e humanos. “Eu não sabia que isso existia. E acontece aqui, na barra do rio Tramandaí. Conhecemos lugares maravilhosos, como o Vale do Ligeiro, em Maquiné, que é belíssimo, interessantíssimo.”

Memória ecológica e novas cosmovisões
A série faz ainda um resgate histórico de personagens e pensamentos ecológicos gaúchos que marcaram época, como Henrique Luís Roessler, que foi um precursor no ambientalismo já desde a década de 1950, antes de José Lutzenberger, as Amigas da Terra Magda Renner e Giselda Castro, Hilda Zimmermann entre outros.
“Desde os anos 1970, muitos de nós fomos profundamente influenciados por Lutzenberger e pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan). Eles tinham muitas frentes de ação, muito engajamento, combatividade e um fundamento teórico, científico, muito convincente. Lutzenberger explicava a teoria de Gaia, que via o planeta como um ser vivo. Um planeta finito, materialmente finito. Como é que pode ter crescimento sem fim num planeta exaurido?”

Segundo Castro, a série também propõe uma reflexão mais ampla. “Fazemos uma reflexão sobre a cosmovisão. Como se entende a natureza, o universo, a posição do ser humano nisso tudo. A ecologia oferece uma filosofia de pensamento muito interessante. A gente buscou isso em diversos pensadores, experiências, inclusive nos povos originários e seus modos de ver o mundo.”
Entre ciclones, incertezas e escolhas narrativas
Ainda em fase de montagem, a equipe lida com um imenso volume de material audiovisual. “É muito trabalhoso. Estamos conseguindo estruturar e começando a confirmar as teses que a gente tinha. Começa a dar materialidade para as ideias que construímos. O trabalho é resultado de uma caminhada bem feita, de decisões bem tomadas.”

A equipe é composta por profissionais experientes e jovens, com forte base no cinema e no jornalismo. “A gente está construindo uma narrativa muito aprofundada, com uma linha argumentativa sólida, com zelo técnico e estético. Esperamos que o público receba bem.”
Mesmo com todo o cuidado, os riscos de uma produção independente são constantes. “No primeiro dia de gravação, a gente enfrentou um ciclone. Caiu árvore em cima dos carros da equipe. Toda produção tem um grau de risco, de descoberta, de incerteza. E esse trabalho tem tudo isso.”
Castro reforça que a proposta da série não é dar respostas definitivas, mas provocar reflexão. “A melhor coisa que pode acontecer é as pessoas assistirem e ficarem pensando sobre o que viram. Se isso acontecer, já vai ser demais.”
Para o diretor, o impacto da obra ainda é incerto, mas necessário. “A continuidade da vida humana no planeta está em risco, é disso que se trata. Mas também encontramos uma visão muito lutadora, de pessoas profundamente engajadas na preservação do planeta. Isso nos deu força.”

