Na noite da última terça-feira (29), um dos dez maiores terremotos já registrados ocorreu na costa da Rússia. O tremor atingiu magnitude de 8,8 pontos na escala Richter e disparou alerta de tsunami no extremo Oriente da Rússia e em diversos países da costa do oceano pacífico, incluindo Estados Unidos, México, Equador e Chile.
A tragédia, no entanto, não é um caso isolado. 2025 já registrou eventos climáticos extremos também na Argentina, Guatemala, Nigéria, Mianmar, Estados Unidos e na Europa. Neve e frio extremo, calor recorde, terremotos e inundações mataram milhares de pessoas nos países afetados e consolidaram uma onda de tragédias climáticas causadas ou aceleradas por ações humanas.
A constatação é dos institutos ingleses Imperial College e Escola de Londres de Higiene e Medicina Tropical. Após o mês de junho mais quente da história da Europa Ocidental — e o terceiro mais quente do planeta, perdendo apenas para as médias registradas em 2023 e 2024 —, 2,3 mil pessoas morreram em decorrência do calor extremo. Com base em modelos epidemiológicos e dados de mortalidade, os pesquisadores concluíram que 1,5 mil, do total de mortes, estão associadas a mudanças climáticas provocadas pela ação humana.
Os pesquisadores concluem que ações humanas, como a emissão de gases de efeito estufa e a queima de combustíveis fósseis, são responsáveis diretas por dois terços das mortes observadas no período.
“Sem as alterações climáticas induzidas pelo homem, as ondas de calor precoces com as temperaturas observadas teriam sido muito mais raras. Até que o mundo pare de queimar combustíveis fósseis, esses eventos se tornarão mais quentes, mais frequentes e mais duradouros, aumentando também o fardo sobre os serviços de saúde pública”, dizem os especialistas.
Eles também projetam um cenário de repetição. “No clima atual, que foi aquecido em 1,3 °C devido à queima de combustíveis fósseis e deflorestação, a onda de calor já não é um evento raro, esperado a ocorrer a cada dois a cinco verões”.
Enquanto a Europa enfrentava a sua pior onda de calor, a Argentina registrou neve em praias que não observavam o fenômeno desde 1991. No início de junho, Miramar, região costeira da província de Buenos Aires, amanheceu com temperaturas negativas, rios, fontes e cachoeiras congeladas e carros sob espessa camada de neve.
Na mesma semana, São Paulo registrava as temperaturas mais baixas da década para o mês.
Um estudo publicado na revista científica inglesa The Lancet, em março de 2025, estima que mais de 5 milhões de mortes anuais estão associadas a temperaturas extremas em todo o planeta. O frio é o maior responsável pelos óbitos, mas os dados analisados pelos pesquisadores indicam que ondas de calor estão aumentando seu impacto, que deve ser exacerbado pelas mudanças climáticas.
Para José Marengo, coordenador-geral de pesquisa e desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), o aumento da ocorrência de eventos climáticos extremos não é uma coincidência, mas uma correlação direta com o padrão de produção e consumo humano.
“Geralmente, consumo significa aumento na concentração de gases de efeito estufa, desperdício de energia e de recursos. Toda essa parte do aumento na liberação de gases de efeito estufa tem a ver com esse padrão de consumo e de desenvolvimento atual”, ele explica.
“Existem estudos em todo o mundo que mostram que eventos extremos — geralmente ondas de calor, ondas de frio, chuvas intensas e secas — podem ter um sinal humano. São fenômenos naturais, mas a naturalidade do fenômeno está sendo afetada pelas ações humanas. O fenômeno é normalmente forte, mas a ação humana, através do aquecimento global, pode tornar o evento ainda mais forte”.
Marengo aponta que o planeta ainda não atingiu um ponto de não-retorno, mas está próximo disso. “Não precisamos esperar meados do século, já está acontecendo agora. E se o aquecimento global continuar e ultrapassar 1,5 °C, a coisa vai piorar. Teríamos que mudar o padrão de desenvolvimento, nos tornar menos dependentes de combustíveis fósseis e usar mais energias limpas, como a solar e a eólica. Essa é, em resumo, a questão para podermos adiar o fim o máximo possível”.
Mortes evitáveis
As tragédias climáticas de 2025 deixam para trás um rastro de mortes. Além da onda de calor europeia, milhares de pessoas foram vitimadas em um terremoto que atingiu Mianmar em março deste ano.
De acordo com o governo local, foram mais de três mil mortes. Embora este tipo de fenômeno não guarde relação direta com ações humanas, sua ocorrência evidencia o preparo e estrutura governamental para lidar com impactos ambientais.
“A ocorrência de terremotos e tsunamis não é impactada por mudanças climáticas ou pelo aquecimento global, são fenômenos geológicos”, explica Marcelo Seluchi, coordenador-geral de operações e modelagem do Cemaden.
“O aquecimento global está causando o aumento no nível dos oceanos, então a consequência pode ser um pouco pior, mas esse é um fenômeno natural”, completa.
Isso não significa que a ocorrência não seja um desastre. “Essas ocorrências são um desastre quando atingem pessoas vulneráveis, que são aquelas que não estão preparadas para este tipo de fenômeno. O problema que estamos tendo no mundo todo é um aumento da população em regiões vulneráveis, como nas costas, sem um planejamento das áreas a serem ocupadas. Há uma questão de aumento da população mundial e uma carência de cuidados com o planejamento urbano”, analisa Seluchi.
A mesma situação se reflete em inundações, como as ocorridas em maio, junho e julho na Nigéria. Chuvas torrenciais, as piores dos últimos 60 anos no estado de Níger, na Nigéria, de acordo com as autoridades, começaram no fim de maio e inundaram regiões inteiras. O balanço oficial de mortes é de 207, mas mais de 700 pessoas seguem desaparecidas.
Ações humanas podem não ser as responsáveis diretas pelo volume de chuva, mas o desenho de cidades e a exploração comercial desenfreada sobre o desenvolvimento sustentável ajudam a agravar os impactos ambientais.
O mesmo fenômeno foi observado na região central do Texas, nos Estados Unidos, durante o feriado nacional de 4 de julho. Fortes chuvas elevaram o nível de um rio da região, causando um alagamento que vitimou ao menos 136 pessoas.
Cabe lembrar que o governo Donald Trump retirou os Estados Unidos do Acordo Climático de Paris no início de 2025, e revogou suas políticas climáticas de regulação de emissão de gases do efeito estufa duas semanas após as inundações.
Movimentos de desregulação também estão presentes no Brasil. Em 2024, alagamentos históricos no Rio Grande do Sul deixaram 184 mortos e mais de 800 feridos, além de quase meio milhão de pessoas desalojadas.
Em 2025, chuvas fortes voltaram a atingir a região e desalojar famílias e 19 municípios do estado decretaram situação de emergência ou calamidade pública.
Cinco anos antes das inundações no estado, o governo de Eduardo Leite (PSDB) havia flexibilizado o código ambiental do estado, cortando ou alterando quase 500 pontos da lei para beneficiar empresários locais e a exploração ambiental. O mesmo movimento, que prega flexibilidade ambiental sobre regulações de proteção, foi observado este ano com a aprovação do PL da Devastação na Câmara dos Deputados.
Em fevereiro de 2023, na costa Norte do litoral paulista, chuvas sem precedentes nas cidades de São Sebastião e Ubatuba causaram deslizamentos de terra e deixaram 65 mortos. A região é marcada pela desigualdade social, impulsionada pela especulação imobiliária, que colocou a população pobre nos morros e deixou o espaço nobre, perto da praia, para os ricos.
Nove anos antes da tragédia, um projeto de regularização fundiária da administração municipal já admitia a “necessidade de remoção das moradias e seus ocupantes, que se encontram na área de risco físico alta, por conta da declividade e solo e processo erosivo avançado”.