Servidores públicos municipais, estaduais e federais participaram, na tarde desta quarta-feira (30), de um ato unificado na Esquina Democrática, em Porto Alegre, para manifestar repúdio à proposta de reforma administrativa em tramitação no Congresso Nacional. A mobilização foi convocada por uma articulação de sindicatos e entidades de classe, que alertam para os impactos da proposta sobre os direitos dos trabalhadores e a qualidade dos serviços públicos ofertados à população.

A mobilização teve caráter nacional e contou com a presença de representantes de diversas categorias, como educação, saúde, assistência social, Judiciário e saneamento. Um dos pontos centrais do protesto foi a crítica ao texto-base discutido no Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados, que prevê a ampliação de vínculos precários, contratação sem concurso público, flexibilização da estabilidade e expansão das terceirizações.

As atividades iniciaram pela manhã na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faced/Ufrgs), com coleta de votos para o plebiscito popular e atividades culturais. A iniciativa buscou ampliar o diálogo sobre a redução da jornada de trabalho, o fim da escala 6×1, a taxação dos super-ricos e denunciar processos de privatização em curso, como o do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), em Porto Alegre. A mobilização na universidade antecedeu o ato unificado realizado à tarde na Esquina Democrática.

Serviço público em risco
“Esse ato é um importante movimento de construção da unidade das entidades para barrar a reforma administrativa. O primeiro ato até barrar a reforma administrativa”, afirmou Maristela Piedade, coordenadora administrativa e de finanças do Sindicato dos Servidores Técnico-Administrativos em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (Ufcspa) e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (Ifrs) (Assufrgs).
Para André Telles, coordenador jurídico da Assufrgs, a proposta é um risco para o servidor público e para a população, pois pretende acabar com o concurso público e aumentar as terceirizações. “Esse ato representa uma união importante de diferentes categorias do serviço público para dar início às manifestações para denunciar à população o que está em tramitação no Congresso Nacional.”
Para o diretor do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – seção Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Andes/Ufrgs) Guilherme Dornelas a proposta coloca em risco o acesso universal a direitos fundamentais. “Nós, do Sindicato Nacional, da seção sindical do Andes na Ufrgs, estamos juntos nesse ato com todas as categorias do serviço público para dizer não à reforma administrativa, dizer não a essa tentativa de destruir os serviços públicos, de acabar com a escola, de acabar com a faculdade, de acabar com o Instituto Federal, de acabar com a saúde”, afirmou.
Ainda, segundo ele, “nós queremos que o governo garanta que educação pública e saúde pública são direitos de todos. Nós não podemos aceitar a reforma administrativa que ameaça a qualidade do serviço público, que ameaça diminuir as oportunidades de estudo, de saúde”.
A mobilização também ressaltou a defesa da estabilidade como um mecanismo de proteção ao interesse público. Francilon Lima Simões, do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica – Instituto Federal Sul-rio-grandense (Sinasefe IF Sul), destacou “que a estabilidade, que é tanto atacada, é o que garante que servidores, como no caso da saúde, vão lá e denunciam quando está sendo comprada vacina superfaturada, como no caso da Covaxin, ou joias são recebidas por fora”.

Neiva Lazarotto, diretora do 39º Núcleo do Centro dos Professores do Estado do RS (Cpers Sindicato), enfatizou que o chamado para o ato partiu da Ufrgs, mas que a mensagem era voltada à população de Porto Alegre. “Sabem por que nós estamos aqui, trabalhadoras e trabalhadores de Porto Alegre? É para defender que vocês tenham direito a ter atendimento no posto de saúde pelo SUS com qualidade, porque todos trabalham, pagam imposto e merecem”, disse. Ela completou: “Porque vocês, como cidadãos que pagam impostos, que trabalham, vocês merecem ter atendimento digno no INSS, no Judiciário, em todo o serviço público”.
Durante o ato, representantes também denunciaram o avanço da privatização em áreas essenciais, como saúde, educação e saneamento. João Ezequiel, da direção do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), relacionou o projeto nacional à realidade local. “Nós queremos denunciar aqui também que a saúde em Porto Alegre está privatizada. 96% da rede de atenção primária em saúde no município já está entregue à iniciativa privada, e eles estão avançando nos hospitais municipais, nos setores da educação”, afirmou. Ele também alertou para a tentativa de privatização do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae): “Nós não aceitaremos que o Dmae seja entregue à iniciativa privada”.

O diretor do Sindicato dos Servidores e Empregados Públicos Federais do RS (Sindiserf/RS) Jorge Ildo da Motta criticou a desigualdade tributária no país e destacou que a proposta de reforma não atinge os setores mais privilegiados. “Uruguai, que é menor que o Rio Grande do Sul, arrecada mais imposto sobre terra do que o Brasil inteiro. Todo um ano de contribuição do ITR no Brasil é igual a um dia de ICMS de São Paulo. E aí eles vêm dizer que a estabilidade do servidor público é que é privilégio.”
Ele também alertou para os efeitos da privatização do Dmae sobre a saúde da população: “Se privatizar, uma das primeiras coisas que vão tirar é essa obrigação do flúor na água, e vai todo mundo que é pobre voltar a ficar banguela nesse país”.
Entre os manifestantes esteve também o diretor do Sindicato dos Servidores da Justiça do RS (Sindjus/RS) Giovanni Ferraz. “O Tribunal de Justiça também está fazendo isso aqui no Rio Grande do Sul, quer trocar 100 cargos estatutários por 809 CCs. 809 pessoas sem concurso público entrando pela porta dos fundos do Tribunal de Justiça”, declarou.
A presidenta do Sindicato dos Servidores Públicos do Estado do RS (Sindsepe-RS), Diva Luciana Flores da Costa, abordou a precarização salarial e das condições de trabalho dos servidores estaduais. “Estamos sem aumento há 11 anos, sem reposição de 100%. Estamos adoecidos. Nossa base trabalha a maioria no SUS. Como vamos atender a população se estamos mais doentes que eles próprios?”

Além das denúncias, os participantes destacaram a necessidade de mobilização popular e unidade entre os trabalhadores. “A dita economia por si só é uma falácia”, apontou Francilon Simões, do Sinasefe. “O que está em jogo é a qualidade do serviço público que prestamos como servidores e servidoras para a população.”
O coordenador-geral do Sindicato dos Oficiais de Controle Externo do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul (Sindtce/RS), Reinaldo Charão, contextualizou a disputa por soberania e a relação com interesses externos: “Não existe serviço público sem servidores. Não existe soberania sem o Estado que se afirma, que representa o seu povo e que vai à luta”.

Por fim, o ato também incluiu manifestações de solidariedade internacional. O coordenador-geral do Sindjus/RS, Osvaldir Rodrigues da Silva, afirmou: “Eu não posso também, como disse a Neiva Lazarotto, esquecer de mencionar o que está acontecendo em Gaza neste momento. O mundo não pode ficar silente a tudo que está acontecendo na Palestina, a esse verdadeiro genocídio”.
Os organizadores reforçaram o chamado à população para que acompanhe as pautas do serviço público e participe das próximas mobilizações.