As tarifas de 50% sobre produtos brasileiros anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acabaram gerando mais barulho do que efeito prático, segundo o economista Paulo Kliass. Na quarta-feira (30), Trump assinou a ordem para iniciar a cobrança com dezenas de exceções.
Entrevistado no Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, Kliass afirma que o tarifaço virou “tarifacinho”, já que diversos produtos brasileiros foram retirados da lista de sobretaxação. “A montanha pariu um rato”, ironiza.
Conforme anunciado no início do mês, a medida inclui uma taxa de 50% sobre os produtos brasileiros. Mas o que chamou atenção foi a quantidade de exceções divulgadas pelo governo dos EUA.
De última hora, 694 itens como suco de laranja, aviões e celulose, que representavam grande parte da exportação brasileira impactada, foram excluídos da medida. A tarifa entra em vigor na próxima quarta-feira (6), cinco dias após a data prevista inicialmente.
Ainda assim, as tarifas sobre produtos como o café, a carne e o pescado foram mantidas. Kliass prevê, no entanto, que eles ainda podem ser retirados da lista, diante da dependência dos EUA em relação a esses itens e da pressão de setores internos.
“Os Estados Unidos não têm produção de café e não existe outro parceiro internacional para suprimir o mercado interno deles com o café, na condição que o Brasil faz”, explica.
Se as tarifas atuais forem mantidas, o economista acredita que “a tendência seria manter essa produção no mercado interno, e isso poderia eventualmente levar a uma redução do preço [dos produtos]” no Brasil.
Kliass avalia que a reação do governo Lula (PT) foi fundamental para o recuo parcial dos EUA. “O Brasil deixou claro o tempo todo que estava buscando negociar, e que a intransigência estava do lado estadunidense”, diz. Ele lembra que o desfecho envolveu a ação diplomática de ministros, senadores e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).
Dependência de commodities e desindustrialização
Apesar do alívio para parte do setor exportador, o episódio escancarou a fragilidade da pauta comercial brasileira, na visão do economista. “O Brasil está virando um grande fazendão”, critica Kliass. “Exportamos bens de baixo valor agregado e importamos os de alto valor. Estamos transferindo renda brasileira para o exterior, isso há décadas”, lamenta.
Segundo ele, o país vive um processo de desindustrialização desde os anos 1980 e precisa repensar sua política de desenvolvimento. “O Brasil não está bem do ponto de vista da sua pauta exportadora. O agronegócio não é o salvador da nossa pátria”, protesta.
Para Kliass, a crise provocada pelo tarifaço deve ser vista como oportunidade para fortalecer o setor industrial. “Esse momento é um momento de virada de chave. Precisamos de um país menos desigual, com empregos de maior sofisticação tecnológica. E estamos exatamente no oposto”, aponta.
Motivações políticas e isolamento do bolsonarismo
Na avaliação de Kliass, o “tarifacinho” também representa uma derrota política para Donald Trump e para o bolsonarismo. “Foi uma profunda derrota política do presidente Trump, por um lado, mas também do bolsonarismo, haja vista a garantia que davam [o deputado federal] Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o pai dele, [o ex-presidente] Jair Bolsonaro (PL), defendendo inclusive as medidas do presidente dos Estados Unidos contra o interesse nacional”, avalia.
“Isso é crime de lesa-pátria”, afirma. Segundo ele, o governo Lula (PT) conseguiu virar o jogo político, identificando adversários internos e externos. “As pesquisas de opinião mostram isso: um isolamento político do traidor, dos entreguistas, que com um discurso hipócrita e falso, diziam que eram os defensores da pátria”, declara. “Um golaço do presidente Lula”, conclui.
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