Uma trabalhadora de São Paulo (SP) conquistou na Justiça uma indenização de R$ 30 mil após ser demitida da empresa de tecnologia Minders, sediada na avenida Paulista. O motivo apontado pela chefia foram postagens feitas por ela em seu perfil pessoal no Instagram criticando os ataques do governo de Israel contra a população palestina.
A decisão da 15ª Vara do Trabalho de São Paulo reconheceu que A.L.S. sofreu discriminação por orientação política. O processo transitou em julgado em 2 de julho. Para a trabalhadora, que pediu para ser identificada apenas pelas iniciais para preservar sua privacidade, entrar com a ação foi um “ato político”.
“Eu tinha medo, mas também queria fazer justiça, não só por mim, mas por todas as pessoas que são silenciadas por se posicionarem”, conta ao Brasil de Fato.
A demissão ocorreu no dia 16 de novembro de 2023, pouco mais de um mês após o ataque do Hamas a Israel e os sucessivos bombardeios de Israel em Gaza. Ela relata que o genocídio do povo palestino já fazia parte de seu repertório político, mas que as postagens se intensificaram com a escalada da violência na Faixa de Gaza.
“As críticas que fiz foram sempre ao governo e à política de Israel. Nunca contra pessoas ou religiões. Era uma crítica a um projeto extremista”, relembra a trabalhadora, que completa: “Sempre critiquei as políticas de Estado, não um povo, não uma religião. E foi isso que a Justiça reconheceu. Isso foi um grande alívio.”

Segundo a profissional, a demissão ocorreu durante uma reunião com sua chefa, quando foi informada que uma pessoa da empresa teria se sentido “agredida” e “insegura” com suas postagens sobre tema. “Fui pega totalmente de surpresa”, relata. “Nunca houve nenhum aviso anterior, nenhuma advertência, nenhuma política interna sobre postagens em redes sociais.”
A.L.S também nega ter feito qualquer menção à empresa nas redes. “Era meu perfil pessoal, minhas opiniões pessoais”, destaca. No processo judicial, a empresa alegou que o desligamento se deu por “perda de confiança”, após “comentários considerados inadequados”. Também afirmou que, mesmo sem política escrita, “esperava conduta compatível” de quem trabalhava no RH.
De acordo com a trabalhadora, porém, seu caso contrastou com a reação da empresa a postagens favoráveis a Israel. “Logo após o ataque do Hamas, muitos colegas postaram mensagens de apoio a Israel e ninguém foi repreendido. Teve até gente pedindo orações no Slack da empresa. Quando se posicionaram sobre o outro lado, estava tudo ok. Mas quando eu me posicionei contra os ataques de Israel à Palestina, de repente meus posts se tornaram agressivos.”
Na decisão, a juíza Claudia Tejeda Costa não considerou os argumentos da Minders suficientes para justificar a demissão nem para afastar a configuração de discriminação política. Ela também ressaltou que não havia qualquer política formal na empresa que orientasse sobre o uso de redes sociais pessoais.
“Me senti muito aliviada quando o juiz entendeu que eu estava me posicionando politicamente e não promovendo discurso de ódio.” Para A.L.S., confundir críticas a Israel com antissemitismo é uma forma de silenciar vozes dissonantes. “É a instrumentalização do antissemitismo para blindar Netanyahu de críticas.”

Desde o período em que A.L.S foi demitida, mais de 60 mil pessoas foram mortas em Gaza em virtude dos ataques de Israel.
Criada na Argentina em 2020, a Minders chegou ao Brasil com o nome Product Minds em 2022, e é representante de plataformas de engajamento de consumidores e dados de produtos.
À reportagem, a empresa, cujo nome registrado em seu CNPJ é Endelary Brasil Tecnologia LTDA, afirmou, em nota, que “mantém uma política ativa de estímulo à convivência democrática” e que preza por um ambiente de trabalho “baseado na tolerância, no respeito à diversidade de ideias, pensamentos, crenças e culturas, e na liberdade de expressão.”
Entretanto, por “proteção à privacidade e sigilo profissional”, a Minders optou por não comentar o caso de A.L.S.
“Não deixem de se posicionar”
A.L.S. é formada em psicologia e teatro, e cresceu em Mauá, na região Metropolitana de São Paulo. Desde a adolescência, militou em coletivos culturais e se engajou em temas como racismo, feminismo, xenofobia e processos de colonização. “Sempre fui muito política, pelo ambiente em que cresci. Na periferia, no teatro, na faculdade. Sempre fiz muitas publicações sobre as coisas em que acredito.”
Nas redes sociais, conta que sempre procurou compartilhar conteúdos com base didática: links, artigos, vídeos e análises com fontes confiáveis. “Não sou influente, mas tenho amigos e conhecidos que acompanham o que eu posto. Então sempre tive esse cuidado de explicar, para que as pessoas compreendessem melhor. É um esforço de consciência.”
Após a demissão, A.L.S. levou cerca de três meses para conseguir um novo trabalho. Hoje está empregada e continua se posicionando nas redes sociais, mas com mais cautela. “Não adiciono mais colegas de trabalho. Só pessoas de confiança”, revela.
“Se posicionar contra a ideologia dominante sempre vai incomodar. Mas a gente tem que lutar por equidade, por justiça. Não deixem de se posicionar, mas façam isso com estudo, com responsabilidade. O que a gente diz tem impacto.”
Ela conta que o apoio de colegas e o respaldo jurídico ajudaram a sustentar a decisão. “Meus advogados analisaram os posts e disseram: não tem discurso de ódio aqui. Mas no fim das contas, dependia da interpretação do juiz. E, felizmente, ele entendeu.”
A sentença favorável teve impacto pessoal e político. “Eu sinto que fui absolvida pela história. Na época, muita gente não queria usar a palavra genocídio. Hoje isso está evidente no mundo todo. Por isso, eu repito: Palestina livre, do rio ao mar!”

Contexto: do 7 de outubro à devastação de Gaza
A demissão de A.L.S. ocorreu em meio a uma das fases mais violentas da histórica ocupação israelense nos territórios palestinos. Em 7 de outubro de 2023, o Hamas atacou o território de Israel, matando 1.200 pessoas e sequestrando cerca de 240. Horas depois, o governo de Benjamin Netanyahu declarou guerra e deu início a uma ofensiva em larga escala.
No dia 13 de outubro, Israel emitiu um ultimato para que os moradores da cidade de Gaza – cerca de 1 milhão de pessoas – deixassem suas casas. Desde então, o genocídio se intensificou. Mais de 60 mil pessoas foram mortas e outras 146 mil ficaram feridas, segundo o Ministério da Saúde local. A infraestrutura de água foi destruída em mais de 80% do território
A situação humanitária é crítica: pelo menos 154 pessoas, entre elas 89 crianças, já morreram de desnutrição, e o cenário de fome em massa foi reconhecido por monitores internacionais. Nesta guerra, 158 jornalistas já morreram.
Para A.L.S., o genocídio praticado contra os palestinos não começou em 2023. “É um processo histórico e contínuo”, afirma. Ela se refere ao processo iniciado com deslocamento forçado da população palestina desde a criação do Estado de Israel, em 1948, precedido pelo Plano de Partilha da ONU em 1947. “É uma violência de décadas, sustentada por uma lógica colonial.”