Em 2024, no ano em que se comemorou os 200 anos da imigração alemã no Rio Grande do Sul, o Goethe-Institut, junto ao historiador Frederico Bartz, promoveu uma caminhada por Porto Alegre para conhecer um outro lado dessa história: a classe operária alemã da Capital.
O evento rendeu um documentário, publicado no início de julho pelo Goethe, chamado “Operários Alemães em Porto Alegre – Um percurso histórico pelos bairros Floresta e São Geraldo”. “A caminhada foi para jogar luz em uma história praticamente desconhecida”, comenta Frederico Bartz. Antes do passeio temático, ele já coordenava o projeto Caminhos Operários em Porto Alegre, criado para resgatar a memória da classe trabalhadora.
O evento, que ocorreu no dia 2 de dezembro de 2024, levou cerca de 30 pessoas por locais históricos do movimento operário alemão na região do Quatro Distrito, durando três horas. Durante o trajeto, foram visitados oito locais que representam a vivência dessa comunidade. “Eu propus uma caminhada por esses bairros operários perspectivando uma visão alternativa dessa história”, diz.
Segundo ele, os bairros Floresta e São Geraldo, entre as zonas central e norte da cidade, eram polo da classe operário sindical, onde foram formados grupos sociais, partidos e sindicatos. “Tu não encontra muito debate sobre a presença da classe trabalhadora e da classe trabalhadora organizada principalmente”, detalha Frederico. “A proposta era mostrar esses alemães não só como alemães, mas como operários. E também como sujeitos que se organizavam e que estavam em contato com o restante da sociedade”.
Em meio à produção industrial, muitos imigrantes se reuniram em pontos de resistência ao nazismo e ao fascismo. Entre os principais locais de destaque, está a antiga Livraria Internacional, um centro antinazista organizado por um casal alemão de anarquistas, Frederico Kniestedt e Elisa Augusta Hedwig, na rua Voluntários da Pátria.
Parte dessa história, como indica o historiador, foi esquecida com o tempo e com as mudanças em Porto Alegre e na região. Muitos dos prédios históricos visitados não tem mais qualquer indicação do que um dia já foi e seu significado para a comunidade. “Eu pesquiso história do movimento operário já tem alguns anos. Por conta dessa preocupação da memória da classe trabalhadora, encontrei muita coisa sobre pessoas de “língua alemã”, digamos assim, e uma presença que eu percebi que não tinha expressão no debate dos 200 anos da imigração”, aponta Bartz.
Preservação da memória
“A ideia partiu do Frederico. Ele trouxe pra nós a sugestão de uma caminhada falando do movimento operário. Não para comemorar as pessoas famosas, mas as pessoas menos conhecidas, que participaram de movimentos políticos”, destaca Augusto Paim, um dos responsáveis pela programação cultural do Goethe-Institut, entidade que promove a cultura e a língua alemã em Porto Alegre e em outras cidades. “A gente pegou a ideia dele, que era muito interessante, e incrementou o projeto com o documentário”, comenta. “E a caminhada faz parte de observar a cidade, desacelerar”.
Entre os motivos da realização do documentário, está o registro e a valorização dos espaços de memória, assim como valorizar o próprio patrimônio. Os locais foram duramente atingidos durante a enchente de maio de 2024 e, com a destruição e falta de recuperação dos espaços, se tornaram alvo de especulação imobiliária.
“Eu acho que o documentário tem um objetivo de compartilhar essas ideias e tornar elas cada vez mais públicas. O que não é conhecido pode ser mais facilmente destruído”, diz Bartz.
Paim concorda. “O principal é que agora se tem um registro disso. Independente do que acontecer com os locais, tem um registro do que acontecia ali”, aponta.
O Goethe acolheu a proposta de Frederico também por oferecer outra perspectiva sobre a comunidade teuto-brasileira (descendentes de imigrantes alemães) e como a Alemanha é representada no Brasil. “Quando se pensa em Alemanha, se pensa em imigrantes alemães de dois séculos atrás, do sul da Alemanha. O que não representa a sociedade hoje”, afirma Paim. “Pra nós é bem importante que a revisão da história aconteça em diálogo com o que acontece hoje”, conclui.
Artista retrata prédios históricos visitados pela caminhada

Como parte do projeto do documentário e da caminhada, o artista Bruno Lorenz foi chamado para retratar os prédios históricos visitados durante o trajeto em desenhos, que foram colocados no vídeo. Ele publica suas artes no perfil do seu projeto, chamado Uns Predinhos.
“Eu tenho esse projeto chamado ‘Uns Predinhos’, que hoje é meu trabalho, mas que eu comecei como hobby. Eu tenho um ateliê onde eu faço isso no Vila Flores e o pessoal do Goethe tem uma parceria com o Vila, então foi um convite natural”, comenta Bruno Lorenz.
“Eu curti justamente porque se conecta muito com o que já faço: conhecer os lugares que eu desenho”, destaca. Segundo Bruno, ele gosta de “caminhar e ficar imaginando o que se passava” nas casas que desenha.
“Eu sempre levo para a ideia da gente entender que esses locais tem uma história e devemos nos conectar com esses prédios, conhecer as histórias”, analisa o artista. “Querendo ou não, essas histórias nos levaram até o que a gente é como cidade, como a cidade se formou, por que que a gente tá aqui. A gente começa a entender um pouco a origem das coisas”, complementa.
“É não apenas a história de imigração dos grandes feitos, mas uma história que se aproxima dos operários, da classe operária. É perceber uma história diferente”, finaliza o historiador Frederico Bartz.