Ancestralidade, cultura afro-brasileira e empoderamento feminino foram os pilares do projeto “Raízes em Movimento”, realizado nas comunidades quilombolas de Arvinha e Mormaça, no município de Sertão, norte do Rio Grande do Sul. A iniciativa buscou fortalecer a identidade quilombola por meio da integração entre diálogos, memórias e novos saberes.
Financiado pela Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), do Ministério da Cultura e Governo Federal, com apoio do Pró-Cultura RS e da Secretaria Estadual de Cultura (Sedac-RS), o projeto teve como eixo central o diálogo com as mulheres quilombolas, que historicamente exercem papel de liderança na manutenção das tradições e da organização das comunidades contempladas.
Os dois quilombos foram fundados por mulheres e seguem sendo conduzidos por lideranças femininas. Criado por Cezarina Miranda, mulher escravizada, o Quilombo Arvinha surgiu no ano de 1889 e abriga atualmente 24 famílias em uma área de 10 hectares. Já o Quilombo Mormaça, fundado por Chica Mormaça e sua família, é considerado o mais antigo da região norte do Estado e conta com cerca de 30 famílias em 10 hectares.
A proponente e coordenadora do projeto, Sarah Ribeiro, destaca que o planejamento das oficinas partiu de um processo de escuta das lideranças locais, com atenção à história das comunidades. “As duas comunidades são lideradas por mulheres e as duas são fundadas por mulheres também. Então a gente tem um histórico aí de como se formaram essas comunidades, porque são elas, mulheres escravizadas, que fundaram esses dois núcleos. E a grande maior parte das pessoas que moram nessas comunidades são mulheres também”, relata.

O processo de aproximação com as comunidades se estendeu por cerca de um ano, em grande parte devido à dificuldade de acesso. Situadas no norte do Estado, as comunidades enfrentam uma infraestrutura precária, o que tornou o deslocamento até elas um dos principais desafios enfrentados pelo projeto.
Segundo relata Sarah, o projeto foi idealizado e conduzido majoritariamente por mulheres. Realizado ao longo de finais de semana nos meses de junho e julho, contou com três oficinas e a participação de cerca de 45 moradoras, além de 15 crianças e jovens das comunidades. A iniciativa possibilitou um espaço de encontro e integração entre mulheres de dois territórios distintos.
As atividades foram organizadas em três núcleos. A oficina “Dançando nossas origens”, ministrada por Viviane Soares, do Rio de Janeiro, abordou o samba no pé e a gafieira como expressões de identidade. Em “Trançando histórias”, Stéfanie e Larissa Machado trabalharam técnicas de trançamento, estética afro e aspectos de autocuidado, além de compartilharem suas experiências como empreendedoras do setor.
O projeto também incluiu a oficina “História e indumentária afro-brasileira”, ministrada por Tânia Mara Duda, que promoveu uma imersão no vestuário afro-brasileiro. A atividade contemplou o uso de tecidos e turbantes, as simbologias e influências dessa tradição na moda. Esse trabalho com a identidade quilombola por meio da indumentária teve como desfecho a produção de um editorial.

Sarah destaca que o projeto criou um espaço de diálogo entre as mulheres, onde puderam compartilhar vivências e explorar suas identidades culturais quilombolas. “Foi importante elas estarem naquele lugar de encontro, de escutas, de conversas. E entre as duas comunidades também, porque as duas comunidades elas são relativamente distantes. A gente conseguiu unir mulheres e crianças das duas comunidades, foi bem importante nessa questão da união”, relata.
O fortalecimento da identidade quilombola foi acompanhado da valorização do papel da mulher negra nas comunidades. “Eu tive um relato de uma das participantes que falou que se ela estivesse em casa, por exemplo, num sábado de tarde, provavelmente estaria trabalhando também, fazendo alguma coisa de casa, lavando louça”, conta Sarah. “O mais importante foi essa questão delas terem esse lugar. Entender um pouco mais sobre o significado de uma cultura quilombola, da mulher negra”, diz.
Segundo a coordenadora, o projeto também enfrentou obstáculos. Ela relata que a imprensa local não demonstrou interesse na pauta e, para contornar isso, o projeto contou com uma equipe de comunicação, com profissionais de relações-públicas, jornalismo e publicidade, na divulgação do trabalho. As atividades vêm sendo divulgadas principalmente por meio da conta no Instagram do projeto.
Apesar das dificuldades enfrentadas, o projeto prevê desdobramentos. Sarah destaca a expectativa de utilizar o editorial de moda desenvolvido como base para uma nova iniciativa, que aprofunde as histórias das mulheres e das comunidades. Ela também planeja uma segunda edição do projeto em um próximo edital, com a ampliação das atividades.
“É bem importante para criar esse vínculo. Porque a gente não estava levando, por exemplo, a cultura para um lugar que não existe a cultura. A gente tentou fortalecer ela, a identidade, a cultura dessas comunidades. Mas o primeiro passo acho que foi dado”, afirma Sarah.