As manifestações do último domingo (3), que pediram anistia aos golpistas do 8 de janeiro e atacaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, mostraram um movimento bolsonarista em tentativa de reorganização, mas também revelaram um processo de esvaziamento político com a ausência do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). É o que avalia o professor Paulo Roberto de Souza, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato.
“A primeira [questão] diz respeito ao próprio bolsonarismo no seu núcleo duro e essa preocupação e insistência de transformar o caso do Jair Bolsonaro, se é possível, em algo como uma perseguição política, até violação dos direitos humanos. Veja só, [o deputado] Nikolas Ferreira (PL-MG) e o bolsonarismo defendendo os direitos humanos”, ironiza o professor. Para ele, a estratégia visa manter viva a imagem do ex-presidente, mesmo diante da iminente condenação por sua participação na tentativa de golpe.
O segundo elemento apontado por Souza é o afastamento calculado de possíveis sucessores no campo da direita, como os governadores Romeu Zema (MG), Ronaldo Caiado (GO), Ratinho Jr. (PR) e Tarcísio de Freitas (SP). “A cada dia mais fica claro, por causa de toda essa atrapalhada em relação ao tarifaço do [presidente dos EUA, Donald] Trump, que não saiu tão ‘aço’ assim […], que eles estão preparando um cenário de autonomia em relação à figura de Jair Bolsonaro”, aponta.
Sobre a tentativa de deputados como Nikolas Ferreira e Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) de pautar a anistia aos golpistas no Congresso, o sociólogo considera que o tema tende a perder força. “A anistia está cada vez menos provável”, diz. “Mas por parte de Sóstenes e Nikolas […] faz até mais sentido continuar insistindo se isso não for colocado em pauta. Porque eles mantêm essa posição de radical, de defensores extremos dos direitos humanos, ao contrário”, analisa.
Nova fase do PT e disputa hegemônica
Durante o 17º Encontro Nacional do PT, Lula reafirmou pautas como a defesa do meio ambiente, a taxação dos super-ricos e o fim da jornada 6×1. Na avaliação de Paulo Roberto de Souza, o novo presidente do partido, Edinho Silva, sinaliza uma atuação mais enfática e menos institucional. “Edinho se apresenta como alguém que vai buscar trazer o partido para essa disputa, que não é qualquer disputa, é uma disputa de caráter hegemônico sobre pensamentos”, afirma.
Para o sociólogo, o campo progressista deve reforçar a disputa nas eleições legislativas de 2026. “Há uma expectativa de melhora dos serviços públicos […] e há uma expectativa também em relação à distribuição de renda, porque a maior parte das pessoas no Brasil apoiam a taxação das grandes fortunas.”
Popularidade de Lula cresce e comunicação melhora
Souza também comentou os resultados recentes do Datafolha, que mostram Lula como favorito para 2026. Ele acredita que o governo colhe os frutos de uma melhora de desempenho, somada à reação contra a retórica da extrema direita. “O tarifaço e essa disputa colocada pela extrema direita […] acelerou esse processo [de melhora de avaliação do governo], na minha leitura”, indica.
Ele também destaca a evolução na estratégia de comunicação do governo. “É notório que a comunicação do governo melhorou, e muito. […] Não só de comunicação institucional se faz política”, defende.
Sucessão pós-Lula: quem desponta no horizonte?
Pensando em um cenário de sucessão dentro do campo progressista, o professor aponta a dificuldade de surgirem nomes de fora de uma aliança mais ao centro. Para ele, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é o nome mais evidente até o momento, mas há espaço para renovação. “Alguns dos nomes já começam a aparecer”, diz, indicando os nomes do deputado Guilherme Boulos (PSL-SP); do prefeito do Recife, João Campos (PSB); e da deputada Tabata Amaral (PSB-SP).
Segundo Souza, essas figuras podem representar disputas futuras dentro da própria esquerda. “Vai disputar internamente no campo progressista com sociais liberais proeminentes para o futuro”, fala.
Para ouvir e assistir
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