Eu disse para ele: “então o Brasil tem que ser uma cadelinha dos EUA?” Era uma noite de Grêmio e Fortaleza no bar. Digo isso para explicar a linguagem diplomaticamente adequada para o recinto. Não sei se o prélio que eclodiu no intervalo da pelada, palavra meio imprópria já que o frio estava cínico naquela noite, foi devido à tensão gerada pelo agente laranja da gringolândia ou se pelo meu boné azul com a despudorada frase: “O Brasil é dos brasileiros”.
Ao que ele me respondeu: “vocês querem acabar com o dólar e vender o país para a China…” “Pra China não pode, mas para os Estados Unidos tá liberado?” Retruquei. “Vender o país para os comunistas”, revidou. “Que comunismo coisa nenhuma, faz mais de 30 anos que já acabou o comunismo…” Não sei bem por que disse isso. Depois escrutinei comigo mesmo e cheguei a conclusão que eu estava falando da URRS, até mesmo porque tenho um pouco de dificuldade de achar comunismo nessa China recheada de bilionários. Surpreendentemente o dono do bar saiu em defesa da tese soberana. O senhorzinho, um trabalhador aparentemente pobre, se sentiu acuado e saiu porta a fora como se sua mente fosse residência de espíritos malignos fugindo do exorcismo. Perdi mais de quinze minutos do (péssimo) jogo conversando com o dono do bar e, obviamente, falando à audiência…
O Lula deve ligar para o Trump ou não? Oh, dúvida cruel! Lá na Globo News, porque para mim está claro, se Lula for ligar sem ser chamado teria que começar a ligação por: “Bom dia, meu sinhozinho, que o Deus grande proteja vosmecê!” Tenho certeza que nosso potentado prefere pedir retruco e esperar chupando uma jabuticaba.
O autor mais lembrado nesse momento é, sem dúvidas, Nelson Rodrigues. Mesmo aqueles jornalistas que não leram nem se quer uma orelha do sardônico pó-de-arroz mandam em suas rechiteguês um abaixo a síndrome de vira-latas. Esse brocardo que, se literalmente entendido, ofende essas excelentes criaturas, eu mesmo tive um que se comparado a Eduardo Bolsonaro era um Ph.D em física quântica. O axioma, em verdade, se refere não a cães e sim a humanos que não se respeitam como povo. É aquele um que sente prazer em servir seu dono para qualquer mister desde que o pote de comida permaneça cheio, é aquele que vende a mãe (bem baratinho) e entrega, no caso a Mãe Gentil.

É impressionante como o comportamento da extrema-direita é padrão! Você coloca meia dúzia de “qualidades” numa lista e ele, o fascista, mesmo que fale em inglês, português ou uchinaaguchi, vai ticar todas. Falastrão, ameaçador, desonesto, bandido, hipócrita, preconceituoso, mentiroso… e arregão. Veja o caso daquele que foi eleito, quando deveria estar preso, e tem pretensões a realeza, e é conhecido por seus compatriotas como TACO, que a sigla para algo como do tipo “Trump sempre arrega”. Ele, como até os contadores sabem, postou uma carta/ameaça para o Brasil na sua Truth Social, que significa, em uma tradução livre, minha latrina. O texto, que era tão desqualificado quanto o meio, exigia o fim do julgamento do Coiso, como diz Luís Inácio, imediatamente, assim mesmo em caixa alta. Nessa carta, expressão mais acabada do extremismo de direita, como acompanhamento da ameaça, as mentiras. Disse que Xandão “emitiu centenas de ordens de censura secretas e ilegais a plataformas de mídia social dos EUA”. “Secreta e ilegais” são termos que rescende a Bolsonarismo, deve ter pego essa mentira emprestada aos seus vassalos, segue: “Além disso, tivemos anos para discutir nosso relacionamento comercial com o Brasil e concluímos que precisamos nos afastar da longa e muito injusta relação comercial gerada pelas tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil.” Sério que ele levou tanto tempo considerando para chegar à conclusão errada? “Nosso relacionamento, infelizmente, tem estado longe de ser recíproco.” É verdade eles tiveram mais de 400 bilhões de dólares de vantagem em negócios com o Brasil nos últimos 15 anos. E vimos, nos últimos dias, que faltou um Post Scriptum acrescentando: queremos o fim do seu PIX e o domínio de suas terras raras e metais críticos. Já sabemos que a lista do Buzz Lightyear amarelão deve crescer – ao infinito e além.
O que nos leva ao começo: a Luta pelo Popular. Vi que, segundo o L. F Veríssimo, a luta não é pelo popular e sim pelo transeunte, porque segundo ele o popular não se mete em nada. Será que ele é o similar do isentão, aquele que se julga superior a todos, mas sempre acaba votando na direita? Entretanto o transeunte também é um tipo insipido e incauto, a luta deve ser pela construção da cidadania e de seu personagem central: o cidadão. Falo daquele que é sujeito as leis que a ordem social determina, com direitos e com deveres. Essa frase, extremamente conservadora, está nas nossas bocas porque assim o momento determina. É nossa tarefa a construção de uma cidadania que vá além do voto, que seja por emprego, por saúde, por moradia, pelo controle dos algoritmos e principalmente pelo direito de ser feliz.

O senhorzinho, aquele lá do bar, o do espírito aprisionado, conseguiu entrever, mirando do mundo de véus e sombras, o que está em jogo: a luta das classes transfigurada e luta das nações. E ele estava enrolado na bandeira do país que lhe é símbolo de justiça e liberdade. Mas não era o lindo pendão da esperança o símbolo augusto da paz… Bizarro paradoxo, patriotas de uma pátria exógena. Cada era tem a sua própria marca de insanidade, mas atualmente essas marcas são muitas… Como se fosse pouco, os EUA dizem que estamos lhe afrontando militarmente porque vendemos à China as terras raras e os tais metais críticos. É necessário anotar que a empresa que explora esses recursos aqui é estadunidense e seu principal cliente é a China, então é o Brasil que vende para a China? Seguindo essa lógica, se vendemos a carne que alimenta os soldados do Exército Vermelho Chinês também estamos dando ajuda militar para o Império do Centro? Esse papo todo me lembra da fábula do Lobo e do Cordeiro, do Jean de La Fontaine. Nela o lobo acusa o cordeiro, que estava saciando sua sede no mesmo rio, de estar sujando a sua água e por isso ele o devoraria. Em defesa de sua vida o cordeiro diz: “como posso estar sujando sua água se você está bebendo num ponto acima na correnteza? Mas, no ano passado você a sujou!” Contra-argumenta o lobo. “Mas no ano passado eu não tinha nascido ainda.” Sem argumentos o lobo sentencia: “não importa, eu vou comê-lo mesmo assim…”
A pouco correu a notícia que o amarelão vai tirar 700 itens da pauta do tarifaço, fazendo murchar de maneira significativa sua pressão, um tarifinho… E Lula não precisou dar um telefonema… não cedeu às exigências de cair nos pés do vencedor para ser um serviçal, como muitos analistas “sérios” do Mercado exigiam. Imagino como foram os seus comentários “O Lula teria que kneel down para o Presidente”, eles sempre usam o inglês quando querem camuflar algo e sempre se referem ao donatário dos EUA como Presidente, como se fosse o deles… será que não é…?
O que se pode fazer quando se entra em campo contra um time que é mais forte? Deve-se jogar na retranca, esperar o momento correto para o contra-ataque. Lembrem, temos o melhor atacante do campeonato, o Ronaldinho, o nosso, da política. Para que ele se mantenha o Lula do Antigo Testamento é necessário que nós povo saíamos as ruas, pois ele precisa do nosso apoio para abrir as águas do Lago Paranoá, aquele onde se oculta alguns porta-aviões.
*Giovanni Mesquita é historiador.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.