Entregadores de aplicativo fizeram um protesto nesta terça-feira (5) na porta do iFood Move, um megaevento da plataforma de delivery no São Paulo Expo, na zona sul da capital paulista. Voltado para empresas e com celebridades como Usain Bolt entre palestrantes, o evento de dois dias esgotou seus 12 mil ingressos, com valor de aproximadamente R$ 1,3 mil por dia no último lote. Os entregadores afirmam que não foram convidados para a festa.
No estacionamento do Plaza Sul Shopping, ainda distante do iFood Move e onde os manifestantes se concentraram, organizadores do ato foram abordados por seguranças privados que se apresentaram como funcionários do iFood, questionando o que pretendiam. No aplicativo, pipocaram ofertas de promoções de mais R$ 5 para pegarem pedidos. Ainda assim, eles seguiram em motociata até a porta do evento com faixas que diziam “iFood Move escravidão” e “Conexão Motoboy todas as quebradas”.
Além da capital paulista, participaram trabalhadores de Campinas, Mogi Guaçu, Sorocaba, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Santa Catarina. Com uma vaquinha, organizaram um churrasco a poucos metros da entrada do iFood Move.
“O que realmente estão comemorando nesse evento é a escravidão moderna daquilo que eles chamam de ’empreendedorismo’. Enquanto eles brindam com ministro do STF, tomam champanhe e o caramba a quatro, a gente, entregador, está aqui na rua tomando sol na cara, tomando chuva, sem ter onde usar o banheiro e às vezes até correndo risco de vida”, afirma João Viktor, um dos manifestantes.
“A gente não quer acabar com o aplicativo, a gente quer a melhoria. Sem entregador não tem delivery e nem espetáculo”, resume João Viktor. Esta é a segunda edição do que é propagandeado pelo iFood como o maior encontro de restaurantes da América Latina, com seis palcos simultâneos e mais de 100 palestrantes.
Lucro bilionário e expansão
De acordo com a própria empresa, as atividades do iFood representam 0,64% do PIB nacional, movimentando R$ 140 bilhões na economia. No iFood Move, painéis abordam temas como “acelerar performance”, “tendências do food service”, “transforme promoções em lucro” e “cases” de sucesso de inovação e empreendedorismo, como do ex-atleta jamaicano, que abriu uma rede de restaurantes.
Na palestra da manhã, o CEO do iFood, Diego Barreto, anunciou a “Cris”, uma inteligência artificial voltada para restaurantes e o investimento de R$ 17 bilhões para “aumentar o ecossistema” da empresa, focando, entre outras, em áreas de “tecnologia e inovação”.
“Por trás dessa estética publicitária com verniz de modernização, o que eles escondem, de fato, é a expressão mais acabada do capital. O que acontece aqui é um espetáculo de autopromoção que é financiado pela brutal exploração cotidiana da força de trabalho da nossa categoria”, avalia Renato Assad, outro entregador que participou da organização do ato.
Para Assad, o valor dos ingressos do iFood Move “traduz bem o paradoxo”: “enquanto a plataforma brinda seu lucro bilionário, nós, que somos quem move o iFood, estamos morrendo nas ruas”.

“O evento vende [do iFood] como uma comemoração de sucesso e inovação no setor de delivery um modelo que fala de empreendedorismo e autonomia para disfarçar uma escravidão moderna. Essa expressão, escravidão moderna, esteve muito presente no último breque”, lembra Assad, se referindo a uma paralisação nacional feita por entregadores nos dias 31 de março e 1 de abril deste ano.
Reivindicações
Além do constrangimento público ao evento do iFood, os entregadores fizeram a manifestação para reivindicar a aprovação do projeto de lei 2479/2025. Escrito por entregadores do comando nacional do breque dos apps, o texto foi apresentado pelo deputado federal Guilherme Boulos (Psol) e traz pautas da paralisação. Entre elas, a taxa mínima de R$ 10 por entrega até 3 km para bicicleta e 4 km para moto; R$ 2,50 por km adicional; fim do agrupamento de pedidos e pontos obrigatórios com água potável, banheiros e tomadas em regiões de alta demanda.
Com a repercussão do último breque, que aconteceu em ao menos 70 cidades, o iFood aumentou a taxa mínima por entrega de R$ 6,50 para R$ 7 no caso de bicicleta e R$ 7,50 para moto. A demanda dos trabalhadores para que seja de R$ 10 é pauta principal das mobilizações há anos.
Agora, a plataforma implementou em cidades como Curitiba (PR), Recife (PE) e Campinas (SP) a modalidade de subpraças. Trata-se de um modelo em que o entregador agenda o horário em que vai trabalhar, recebe um valor fixo por hora e outro por entrega. Ambos os valores são variáveis. Em adesivos e cartazes no protesto, os trabalhadores pedem o fim deste modelo, ao argumentar que pedidos deixam de tocar para os que não aderem ao agendamento, e a remuneração por entrega como subpraça chega a R$ 3,50, quase metade da taxa mínima.
Resposta do CEO do iFood
Em coletiva de imprensa no iFood Move, o CEO Diego Barreto afirmou ao Brasil de Fato que considera a manifestação “natural”: “Estão no direito deles de questionar”. O presidente da empresa discordou que os entregadores não tenham sido convidados. “Tem vários entregadores presentes no evento”, disse, completando que “o evento é aberto, não diz ‘você pode, você não pode’”.
Questionado se o investimento de R$ 17 bilhões até março de 2026 será voltado para a melhoria das condições de trabalho dos entregadores, Diego Barreto informou que parte da verba será para “proteção e infraestrutura”, como a expansão de pontos de apoio. Atualmente, existem 400 no país. A respeito do chamado “PL do Breque”, o CEO do iFood disse que o texto precisa ainda ser discutido.