A Justiça mineira suspendeu o despejo do morador quilombola João Batista de Paula, da comunidade Santa Quitéria, em Congonhas (MG), no dia 21 de julho, após mobilização da comunidade e articulação de órgãos federais e de parlamentares.
A ordem havia sido requerida pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), com base em um decreto do governador Romeu Zema (Novo), que autorizava a desapropriação de cerca de 262 hectares para a expansão da Mina Casa de Pedra, a maior barragem de rejeitos da América Latina.
Com isso, no dia 15 de julho, o Sr. João, como é conhecido, de 74 anos, recebeu um mandado de imissão na posse com prazo de apenas 20 dias para desocupar o Sítio São Geraldo, uma área de 7,3 hectares onde sua família vive há mais de 90 anos. A propriedade seria o primeiro ponto atingido pela instalação da pilha de rejeito filtrado Sul Maranhão 1, estrutura da CSN que sequer possui licença ambiental.
Após a notificação, a comunidade se organizou imediatamente em vigília no território. “Quando ameaçam uma pessoa, ameaçam também a vida, a ancestralidade e a coletividade”, afirmou a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), em entrevista ao Brasil de Fato MG.
Comunidade reconhecida e despejo suspenso
No dia 18 de julho, a Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura do governo, publicou a portaria que reconhece oficialmente Santa Quitéria como comunidade remanescente de quilombo. Mesmo assim, o território continua sob ameaça da mineradora.
“Esses territórios não são apenas morada de povos; são guardiões da água, da floresta, dos ciclos naturais; são eles que mantêm o planeta vivo. Defender esses territórios é defender o futuro”, afirmou a deputada
Logo após o despejo ser anunciado, representantes de órgãos federais e os mandatos da deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), do deputado federal Padre João (PT) e da deputada federal Célia Xakriabá (Psol) estiveram no Quilombo. Os órgãos se comprometeram a atuar na proteção do território.
Finalmente, no dia 21 deste mês, o caso chegou ao presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que acolheu a demanda da comunidade e reconheceu o caráter coletivo do conflito, contrariando a tentativa da CSN de individualizar o processo. O caso foi encaminhado à Comissão de Solução de Conflitos Fundiários, que determinou a suspensão do despejo.
Zema
O pedido de desapropriação em Santa Quitéria foi assinado em julho do ano passado pelo governador Romeu Zema (Novo), sendo este o decreto nº 496/2024, que autorizou a CSN a desapropriar 261 hectares para a implementação das pilhas de rejeitos de minério de ferro, mesmo sem licenciamento ambiental.
“O Decreto do governo Zema representa grave violação de direitos. O que está em curso é uma tentativa de apagar um território tradicional inteiro, para atender aos interesses da mineração”, afirmou a deputada Beatriz Cerqueira.
Em entrevista ao Brasil de Fato MG, Célia Xakriabá afirmou que “o governador tem mostrado que sua prioridade é minerar a qualquer custo, mesmo que isso signifique atropelar direitos constitucionais e desrespeitar comunidades inteiras”, denuncia.
Segundo a deputada, o relatório apresentado pela CSN possui diversas inconsistências. Entre elas a alegação de que o solo não é fértil, contrariando o que diz a comunidade e a presença de nascentes e práticas agrícolas mantidas pela população local.
PL da Devastação
Enquanto comunidades como Santa Quitéria resistem à mineração predatória, avança no Congresso Nacional o chamado PL da Devastação, projeto que flexibiliza regras ambientais e ameaça territórios de povos tradicionais.
“O PL da Devastação é um reflexo dessa mesma política que tenta empurrar pilhas de rejeitos para cima dos quilombos. A luta pelo território é uma só, e seguiremos mobilizados em cada espaço de decisão”, afirmou Xakriabá.