A bancada do PT/PCdoB na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul quer sustar quatro decretos assinados pelo governador Eduardo Leite (PSD) que autorizam a concessão de folgas mensais a integrantes da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e da Secretaria da Fazenda. As medidas, publicadas em 17 de julho, durante o recesso parlamentar, permitem a concessão de até dez dias de folga ao mês para servidores que desempenhem funções extraordinárias e que, por isso, ultrapassem o teto salarial do funcionalismo.

Para a oposição, os decretos são um “penduricalho” e representam uma manobra para burlar o teto constitucional, hoje fixado em R$ 46,3 mil para procuradores e R$ 41,8 mil para auditores. Na prática, a regra permite reduzir a jornada sem cortar a remuneração. A bancada protocolou nesta sexta-feira (1º) quatro Projetos de Decreto Legislativo (PDLs) que visam suspender os atos do Executivo.
Segundo os parlamentares, não há respaldo legal para criar esse tipo de benefício por meio de decreto. “A PGE e a Fazenda têm excelentes profissionais, que merecem ser bem remunerados. Mas, para a bancada, teto é teto”, afirmou o deputado Miguel Rossetto (PT), líder do bloco. Ele critica a medida favorece carreiras do alto escalão e contrasta com o discurso de austeridade do governo.
A medida altera normas anteriores — de 2010 e 2014 — e se aplica a quatro categorias: procuradores do Estado, auditores do Estado, auditores de Finanças e auditores-fiscais da Receita Estadual. Atualmente, esses servidores já têm direito a gratificações por substituição. O novo modelo prevê que, quando esses valores atingirem o teto constitucional, o pagamento seja convertido em folgas.
Governo defende medida
Em nota enviada ao Brasil de Fato RS, o governo do estado defende que a medida está prevista na Lei Complementar nº 10.098/94, “que permite ao servidor ser recompensado seja com gratificação ou com folga” e só pode ser aplicada em casos excepcionais, quando não é possível pagar a gratificação correspondente. Acrescenta que não se trata de “penduricalho” ou privilégio, mas de uma forma de compensar, por meio de folgas, o trabalho extraordinário realizado, sem impacto financeiro aos cofres públicos.
A nota, assinada pela Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul (PGE-RS) e pela Secretaria da Fazenda (Sefaz), afirma que a medida responde a demandas emergenciais. Argumenta que na PGE-RS “estão em andamento rodadas de acordos diretos para o pagamento de precatórios, o que exigirá esforço significativo”. Na Sefaz, a destaca que “o recente acordo para auxiliar centenas de empresas interessadas em sair da lista de devedores e voltar à regularidade fiscal exigirá um mutirão técnico de grande porte” e lembra ainda que a reforma tributária nacional, prevista para 2026, exigirá trabalho paralelo nos sistemas.
Bônus para alguns, corte para outros
O benefício se tornou pauta de reivindicação das categorias, após a concessão de licença compensatória a membros do Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Contas, que também têm direito a até dez dias de folga mensais. A diferença, segundo o governo, é que, no caso dos procuradores e auditores, não há possibilidade de converter as folgas em dinheiro, o que evitaria impacto financeiro.

Ainda assim, a oposição argumenta que os maiores beneficiados serão justamente os servidores que já recebem salários próximos ao teto e que continuarem prestando serviços extraordinários. Para esses, as folgas entram como forma indireta de remuneração. A bancada entende que a iniciativa rompe com a isonomia no serviço público.
Rossetto lembra que outras categorias seguem enfrentando cortes e restrições. “Enquanto o governo nega recursos para professores, servidores da saúde e segurança, garante regalias para os que já ganham mais. É inaceitável.”
Além dos PDLs, a bancada protocolou duas propostas de emenda à Constituição que buscam conter os chamados “supersalários” no estado. As PECs ainda precisam de apoio de pelo menos 19 parlamentares para começar a tramitar.
Tramitação de um PDL
Os Projetos de Decreto Legislativo seguem para apreciação da Mesa Diretora, que elabora a redação formal e remete à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A comissão analisa a legalidade da proposta e abre um prazo de até dez dias para que o governador apresente sua defesa.
Se a CCJ aprovar o texto, ele segue para apreciação em plenário. Caso contrário, os autores ainda podem apresentar recurso solicitando que a decisão da comissão seja revista. O recurso, se aceito, também é encaminhado ao plenário, onde precisa de maioria simples para ser aprovado.
Nota da PGE-RS e da Sefaz
As novas medidas seguem o que a legislação estabelece, possibilitando a compensação com folgas, em vez de pagamento em dinheiro, para procuradores e auditores fiscais que realizarem trabalho extraordinário — quando assumem responsabilidades além das suas funções normais.
A Lei Complementar 10.098/94, com a redação dada pela Lei Complementar 15.450/20, permite ao servidor ser recompensado seja com gratificação ou com folga. A regra é clara e restrita: a folga só pode ser concedida quando não é possível pagar a gratificação correspondente.
Não é “penduricalho” ou privilégio, pois a folga está vinculada diretamente a um trabalho efetivo, realizado em situações excepcionais. Assim como um trabalhador da iniciativa privada que faz horas extras e às vezes recebe em folgas, o servidor público também pode, de forma controlada e dentro da lei, ser compensado pelo esforço adicional. Ignorar isso seria desvalorizar quem se dedica além do seu dever habitual, garantindo o funcionamento da máquina pública mesmo com equipes reduzidas.
É preciso destacar que o momento atual do Estado exige justamente esse tipo de dedicação extra por parte de servidores experientes. Na Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RS), por exemplo, estão em andamento rodadas de acordos diretos para o pagamento de precatórios, o que exigirá esforço significativo para análise, negociação e homologação desses processos. Especialmente neste ano, que já registra o maior volume de pagamento de precatórios da história.
Na Secretaria da Fazenda (Sefaz), o recente acordo para auxiliar centenas de empresas interessadas em sair da lista de devedores e voltar à regularidade fiscal exigirá um mutirão técnico de grande porte. E, com a reforma tributária nacional começando em 2026, os servidores da Sefaz terão de trabalhar paralelamente em dois sistemas: o novo modelo e os regimes atuais de ICMS e ISS, que continuarão valendo por vários anos. Tudo isso exige não apenas presença, mas atuação técnica intensiva além do habitual — e, diante da impossibilidade de pagamento, o mínimo que se propõe é que o servidor possa, eventualmente, compensar esse esforço com folga.