A abertura da Festa Literária Pirata das Editoras Independentes (Flipei), nesta quarta-feira (6), foi marcada por um chamado à solidariedade internacional com o povo palestino. A mesa Genocídio sionista e resistência na Palestina, realizada no Galpão Elza Soares, reuniu o historiador israelense Ilan Pappé, o ativista brasileiro Thiago Ávila e a jornalista Soraya Misleh para denunciar o papel das elites e das potências ocidentais no apoio ao massacre em curso na Faixa de Gaza.
Pappé, um dos principais intelectuais antissionistas do mundo, afirmou que a continuidade do genocídio palestino depende da sustentação política e financeira de uma minoria poderosa. “As pessoas que apoiam o genocídio não são muitas, mas são poderosas porque são parte da elite”, afirmou. “Temos que nos perguntar: podemos fazer mais para mostrar que nossa voz é mais importante do que a voz da elite pró-sionista?”
A mesa foi a primeira da Flipei 2025, que teve sua realização na Praça das Artes censurada pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), sob a justificativa de “viés político-ideológico”. Segundo os organizadores, a repressão ao evento e o incômodo com o debate sobre a Palestina estão diretamente conectados e foram tema de negociação durante as tratativas com a prefeitura para manter o evento.
“Eles nos atacam porque sabem que um evento como a Flipei ajuda a construir solidariedade com a luta anticolonial”, afirmou Soraya Misleh, que mediou o encontro.
A programação da Flipei segue até domingo (10), espalhada por diversos espaços de resistência da cidade, com dezenas de mesas, shows, lançamentos de livros e atividades voltadas à cultura crítica e popular.
“Palestina é um território colonizado”
Falando para uma plateia lotada, o historiador Ilan Pappé relembrou que a luta palestina deve ser compreendida como uma resistência anticolonial. “Palestina é um território colonizado, e o movimento palestino é um movimento anticolonial. Nós dizemos isso não como ativistas, mas como acadêmicos”, reforçou, pedindo que professores e universidades da América Latina se comprometam com a verdade histórica.
Pappé também destacou a importância da pressão sobre o governo brasileiro. “É muito importante para cada pessoa em Gaza, na Cisjordânia e na Palestina histórica saber que as pessoas em São Paulo não se esquecerão delas”, disse. “O governo do Brasil não é tão ruim quanto muitos outros, e pode fazer muito mais em termos de pressão e sanções.”
Aos 70 anos, o historiador afirmou ainda ter esperança de ver a libertação da Palestina em vida. “Eu acredito que estamos no fim de um capítulo triste. E, com sua ajuda, mesmo na minha vida, vamos ver o começo da libertação da Palestina – do rio ao mar.”

Flotilha humanitária e imperialismo
Thiago Ávila, integrante da missão Flotilha da Liberdade, que tenta romper o bloqueio israelense em Gaza por via marítima, compartilhou experiências de bordo e denunciou os ataques sofridos por missões anteriores. “Já houve interceptações com tortura, privação de água e comida, e até assassinatos. Há três meses, bombardearam nosso barco da consciência.”
Para o ativista, a violência contra a população palestina só é possível graças ao apoio direto dos Estados Unidos. “Israel não agiria como age sem os Estados Unidos. Eles são coautores do genocídio”, afirmou. Ele também alertou para os riscos da militarização global. “As mesmas armas testadas nos corpos palestinos são usadas pelas polícias estaduais aqui. Os drones, os softwares de espionagem, os blindados – tudo isso circula entre as potências e os governos locais.”
Ávila convocou o público a se engajar. “Não precisamos esperar que as bombas caiam aqui para agir. A luta contra o sionismo é também a luta contra o imperialismo. E a forma de enfrentá-lo começa com organização e ação coletiva.”
Genocídio em curso e silêncio internacional
O debate ocorre em um momento de agravamento da crise humanitária em Gaza. Desde o início da ofensiva israelense, em 7 de outubro de 2023, ao menos 61.158 palestinos foram mortos e mais de 151 mil ficaram feridos, segundo o Ministério da Saúde do enclave. De acordo com a ONU, 1.560 palestinos foram mortos enquanto tentavam acessar ajuda humanitária. Só nesta terça-feira (5), 58 pessoas foram executadas por soldados israelenses ao se aproximarem de centros de distribuição de alimentos.
Organismos internacionais denunciam o bloqueio sistemático à entrada de comida e atendimento médico. A Organização Mundial da Saúde (OMS) relatou que, desde março, o número de equipes médicas impedidas de atuar em Gaza aumentou em quase 50%.