O governador Romeu Zema (Novo) oficializou no dia 1º de agosto a nomeação de Rossieli Soares como novo secretário estadual de Educação. A posse aconteceu nesta quarta-feira (6). A nomeação, publicada no Diário Oficial de Minas Gerais, representa a entrada de um personagem ligado ao setor privado e amplamente rejeitado por educadores, estudantes e comunidades tradicionais em estados por onde passou.
Rossieli assume o comando da Secretaria de Estado da Educação (SEE-MG) em substituição a Igor de Alvarenga, que esteve à frente da pasta por três anos. A mudança foi articulada pelo vice-governador Mateus Simões (Novo), que prepara sua pré-candidatura ao Palácio Tiradentes em 2026.
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O governo Zema afirma que a chegada de Rossieli “dará continuidade às políticas bem-avaliadas” de sua gestão. No entanto, a trajetória do novo secretário é marcada por escândalos, favorecimento do setor privado, denúncias por improbidade administrativa e forte oposição por parte de movimentos sociais e educadores.
Queda no Pará após resistência de povos indígenas e quilombolas
Rossieli Soares deixou, em junho deste ano, o cargo de secretário estadual de Educação do Pará após sofrer uma derrota histórica. A sua gestão foi marcada pela tentativa de implementar a polêmica Lei 10.820/2024, que extinguia o ensino presencial nas comunidades indígenas e quilombolas do estado, substituindo-o por um sistema de aulas a distância, via televisão e internet, mesmo em regiões sem energia elétrica ou conectividade.
A resposta foi imediata. No dia 14 de janeiro deste ano, cerca de 300 indígenas de 22 etnias ocuparam a sede da Secretaria de Educação (Seduc) em Belém, em protesto contra o projeto. O movimento contou com o apoio de quilombolas, professores, estudantes e movimentos populares. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) acionou o Supremo Tribunal Federal (STF), alegando que a nova lei era inconstitucional.
Enquanto a ocupação acontecia, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará (Sintepp) deflagrou greve estadual, exigindo a revogação da medida e denunciando a tentativa de Rossieli de desmontar a educação pública e precarizar ainda mais o trabalho docente.
Mesmo com a tentativa do governador Helder Barbalho (MDB) e da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, de mediar o conflito, os manifestantes não recuaram. Após quase um mês de ocupação, a lei foi revogada por unanimidade pela Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), e a revogação foi publicada no Diário Oficial. Só então o movimento deixou o prédio da Seduc.
A revogação representou não apenas uma vitória dos povos tradicionais, mas também a queda de Rossieli, que perdeu apoio político e foi demitido logo após a crise.
Histórico de escândalos, favorecimento empresarial e retrocessos
Rossieli é um velho conhecido dos movimentos educacionais por sua atuação alinhada aos interesses do setor privado. Sua entrada no governo de Minas é vista como uma tentativa de aprofundar o projeto de privatização da educação, já sinalizado por Zema desde o início de seu mandato.
No governo Temer, Rossieli foi ministro da Educação e principal articulador da reforma do Novo Ensino Médio, considerado por especialistas como um modelo precarizante, que substitui conteúdos críticos e fundamentais por aulas de empreendedorismo e educação financeira. Em 2024, um estudo da Rede Escola Pública e Universidade (Repu) mostrou que Minas Gerais, sob o comando de Zema, descumpre as novas diretrizes nacionais para essa etapa escolar, aprofundando os retrocessos iniciados por Rossieli.
No Pará, indígenas ocuparam a secretaria de Educação por 30 dias
Em São Paulo, onde comandou a Educação entre 2019 e 2022 sob os governos João Doria (PSDB) e Rodrigo Garcia (PSDB), Rossieli foi protagonista da implementação do programa “Inova Educação”, em parceria com o Instituto Ayrton Senna. A proposta, criticada por professores e especialistas, prioriza conteúdos voltados ao mercado de trabalho, esvaziando o conteúdo crítico e plural da educação básica.
Durante a pandemia de covid-19, enfrentou greves de professores e foi denunciado por cortar salários dos grevistas. Posteriormente, promoveu a reforma da carreira docente, obrigando professores a realizar atividades de planejamento e correção exclusivamente dentro da escola, sem estrutura adequada e com ataque às gratificações.
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Rossieli também alterou o processo de atribuição de aulas, penalizando os chamados professores “categoria O”, que, em Minas, equivalem aos contratados. Muitos profissionais passaram a trabalhar em até seis escolas diferentes para garantir renda mínima.
Denúncias por improbidade e uso da máquina pública
A trajetória de Rossieli é repleta de denúncias e ações judiciais. Segundo investigação do site Intercept.
Em 2016, enquanto era secretário de Educação do Amazonas, foi condenado por improbidade administrativa por omitir documentos solicitados pelo Ministério Público sobre a contratação irregular de obras escolares. A multa, à época, foi de dez vezes o valor de seu salário, e outros servidores também foram punidos.
Em 2017, o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas determinou que Rossieli devolvesse R$ 2,2 milhões aos cofres públicos por pagamentos indevidos em obras não realizadas em escolas estaduais.
Já em 2022, enquanto tentava se eleger deputado federal por São Paulo com apoio do grupo SOMOS Educação, Rossieli foi denunciado ao Ministério Público Eleitoral por suposto abuso de poder político. Ele teria usado a estrutura da Secretaria de Educação para promover sua candidatura, participando de eventos oficiais com prefeitos, dirigentes e o então governador Rodrigo Garcia.
Relação com empresários e privatização da educação
Rossieli é co-presidente do Grupo de Lideranças Empresariais (Lide Educação), fundado por João Doria, e defensor da presença do setor privado na formulação de políticas públicas. Sua campanha de 2022 foi financiada pelo grupo SOMOS Educação, pertencente à Cogna (ex-Kroton-Anhanguera), o maior conglomerado educacional do mundo, ligado ao banco Itaú.
Quando era Secretário da Educação do Pará, o ex-ministro destinou cerca de R$ 500 milhões em contratos para a empresa Sudu Tecnologia Educacional, ligada ao mesmo grupo SOMOS. Foram comprados 1,43 milhão de kits de material didático para um estado com 600 mil estudantes, número que levantou suspeitas sobre superfaturamento e fraude em licitação, investigada pela Polícia Federal em contratos semelhantes no Amazonas e Porto Alegre.
Em SP, Rossieli cortou salário de professores durante a pandemia
Os kits incluíam ferramentas de inteligência artificial para correção de provas, o que, segundo sindicatos, visava reduzir o número de professores e precarizar o ensino.
Fracasso da militarização em Minas e nova ameaça à educação pública
A chegada de Rossieli a Minas ocorre no mesmo momento em que o governo Zema sofre derrota pública com o recuo na tentativa de implementar escolas cívico-militares no estado. Após forte mobilização de professores, estudantes e pais, diversas escolas rejeitaram a militarização.
A repercussão negativa levou o governo a suspender as assembleias escolares. O Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) ajuizou ação civil pública contra o projeto, denunciando seu caráter autoritário, eleitoreiro e contrário às diretrizes constitucionais.
Após a suspensão das consultas públicas sobre o projeto de militarização das escolas estaduais, o novo secretário estadual de Educação declarou durante sua posse, que o tema deve voltar à tona nas próximas semanas. Rossieli afirmou que pretende retomar a discussão sobre o modelo cívico-militar em até 15 dias.
“Fazer o processo de discussão durante as férias, obviamente, não deu certo. A gente precisa ter um processo muito mais cuidadoso, muito mais participativo e a gente vai conseguir construir”, afirmou o novo chefe da pasta, em declaração à imprensa.
Rossieli prometeu uma “discussão mais ampla” sobre o tema com professores, escolas e integrantes do governo estadual.
O retorno da pauta reacende o alerta entre educadores e estudantes da rede estadual, que denunciam o caráter autoritário do projeto e defendem uma escola pública democrática, plural e inclusiva.
Para o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE MG), a nomeação de Rossieli sinaliza a continuidade e aprofundamento do desmonte da educação pública em Minas Gerais. “Rossieli representa o setor empresarial, os grandes monopólios educacionais. Sua entrada reforça o projeto de Zema de transformar a escola pública em um braço da iniciativa privada”, afirmou a direção do Sind-UTE/MG em nota.
O outro lado
Procurada pelo Brasil de Fato MG para esclarecimentos em relação às denúncias apresentadas na reportagem, a secretaria de Educação não se posicionou até o fechamento da matéria. O espaço segue aberto para manifestações.