Na noite desta terça-feira (5) o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin determinou a “imediata suspensão da ordem de desocupação” da Fazenda Antinha de Baixo até o julgamento de um agravo regimental protocolado contra a decisão da Justiça Estadual do Goiás. A comunidade é localizada em Santo Antônio do Descoberto (GO), região do Entorno do Distrito Federal e sofreu um processo de desocupação forçada na segunda-feira (4).
Antes da decisão do ministro, a 1ª Vara Cível de Santo Antônio do Descoberto (GO) enviou à Justiça Federal o processo de reintegração de posse que incide sobre a comunidade, tendo em vista o reconhecimento como território quilombola pela Fundação Cultural Palmares. A decisão ocorreu após a formalização de interesse jurídico por parte do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), autarquia federal responsável pela regularização de territórios quilombolas.
“Sobreveio aos autos a recente informação de que a área objeto da presente demanda seria ocupada por comunidade tradicional quilombola, havendo alegação de autoidentificação. Em um primeiro momento entendi que tal fato, por si só, não seria suficiente para atrair competência da Justiça Federal, ocorre entretanto que houve recentemente intervenção do Incra”, diz a juíza Ailime Virgínia Martins no cumprimento da sentença.
A manifestação do Incra foi registrada nos autos do processo, em trâmite há mais de 30 anos, motivando o reconhecimento de que a possível existência de processo administrativo em curso justifica a remessa dos autos à Justiça Federal. A magistrada baseou sua decisão no artigo 109 da Constituição Federal e na Súmula 150 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que determinam que cabe ao juízo federal analisar a existência de interesse jurídico da União ou de suas autarquias.
“Atuamos para assegurar os direitos constitucionais das famílias ali presentes. Por meio da nossa Procuradoria Federal Especializada, ingressamos no processo judicial como assistentes da comunidade quilombola e solicitamos a imediata suspensão da liminar de reintegração de posse, além da remessa do caso à Justiça Federal, por se tratar de território tradicional quilombola em processo de regularização fundiária”, informou Claudia Farinha, Superintendente Regional do Incra no DF e Entorno.
Com a decisão, as famílias permanecem no território. “Nossa Divisão Quilombola já está mobilizada para atuar no território, com o compromisso de garantir a regularização fundiária e assegurar o respeito à história, à cultura e à identidade da comunidade”, destaca Farinha.
Entenda o caso
A determinação ocorreu um dia após a ação de despejo forçado que retirou mais de 400 famílias — cerca de 1,6 mil pessoas — do território tradicionalmente ocupado pela comunidade quilombola. Executada na manhã de segunda-feira (4), por volta das 6h, a operação contou com o uso de tratores e forte presença da Polícia Militar de Goiás (PMGO). Apenas 16 famílias, identificadas como em situação de vulnerabilidade, não tiveram suas casas demolidas. Também participaram da ação o Corpo de Bombeiros (CBMGO) e a Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO).
A decisão que autorizou o despejo, proferida em 28 de julho pela mesma vara cível de Santo Antônio do Descoberto, beneficiou o desembargador Breno Caiado, primo do governador Ronaldo Caiado (União Brasil). O magistrado já atuou como advogado de Maria Paulina Caiado de Castro, Murillo Caiado de Castro e Marcelo Caiado de Castro, autores da ação judicial, todos parentes do governador.
Articulação política
Na véspera do despejo, movimentos da sociedade civil, parlamentares, como o deputado estadual Mauro Rubem (PT-GO) e a deputada federal Erika Kokay (PT-DF), atual vice-presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, denunciaram a ação de despejo do território quilombola aos órgãos federais, como o Supremo Tribunal da Justiça (STF) e o próprio Incra com objetivo de denunciar a ação e conseguir uma intervenção federal no caso.
Na última segunda-feira (4), o Incra encaminhou pedido formal à Advocacia-Geral da União (AGU) para que atuasse como assistente da comunidade quilombola no processo, com o objetivo de suspender imediatamente a reintegração de posse. O pedido, assinado pela Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra (PFE/Incra), também solicitava a transferência da competência do caso para a Justiça Federal, dado que a área está em processo de regularização fundiária como território quilombola.
O processo agora seguirá para a Justiça Federal, que deverá decidir se há de fato interesse jurídico que justifique a permanência da autarquia no caso. Caso contrário, os autos poderão retornar à Justiça Estadual.