Nesta quinta-feira (7), a Lei Maria da Penha completa 19 anos. Reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência doméstica, a norma é considerada um marco na proteção dos direitos das mulheres no Brasil. Mas, apesar dos avanços, o machismo estrutural ainda impede que a lei alcance todo o seu potencial.
“Estamos há 19 anos com uma lei que mudou completamente a história que era contada sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher”, afirma Érica Canuto, promotora do Ministério Público do Rio Grande do Norte (MP-RN), em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato. “Tínhamos um paradigma anterior, que era o da proteção insuficiente, que o homem pagava pelo crime com uma cesta básica, não tinha medida protetiva, proteção, rede…”, lembra.
Segundo a promotora, a chegada da lei transformou esse cenário. “Agora, estamos vivendo a proteção integral da Lei Maria da Penha. Muitas pessoas dizem que a medida protetiva é um papel na mão, mas a medida protetiva não é só um papel na mão, a medida protetiva é o coração da Lei Maria da Penha”, pontua.
O número de medidas protetivas de urgência no Brasil cresceu 151,7% em quatro anos, passando de 338 mil em 2020 para 851 mil em 2024, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça em junho deste ano.
Medidas protetivas salvam vidas, diz promotora
“A medida protetiva é uma ordem judicial, uma decisão [na qual] o juiz diz: ‘Fique longe, não se aproxime, não vá no trabalho dela. Deixe essa mulher em paz, deixe ela trabalhar, estudar, viver a vida dela. Não a persiga, não a ameace’”, explica. “Essa ordem tem que ser obedecida, e se não for obedecida, ela tem força, através de tornozeleira eletrônica, de botão do pânico, de patrulha Maria da Penha, em alguns lugares guardiã Maria da Penha, casa-abrigo e, por último, a prisão”, complementa.
Canuto destaca a importância da denúncia para garantir a proteção efetiva. “A medida protetiva é importante, temos que comemorar a existência de uma lei como essa, protetiva, a Lei Maria da Penha. A cada 100 feminicídios que acontecem no país, em 95 deles, a mulher não tinha medida protetiva e a mulher nunca registrou boletim de ocorrência”, indica.
“Não é inseguro denunciar, pedir medida protetiva. A mulher não corre mais risco, é o contrário: ela está mais protegida se ela pedir a medida protetiva e se ela denunciar”, reforça. “Mulher com medida protetiva não morre. Não é comum, ela não está dentro da estatística dominante”, diz.
Desafio cultural e prevenção nas escolas
Para a promotora, o principal obstáculo está na raiz da sociedade. “Temos um descompasso com a cultura. Nossa cultura ainda é machista, muito desigual em relação à mulher”, lamenta. Ela exemplifica que “os homens são socializados com máximas como ‘homem não chora’, ‘não deixe mulher mandar em você’” e que isso leva a padrões de comportamento violentos.
Por isso, ela acredita que a mudança deve partir da educação de crianças e adolescentes, para que não repitam comportamentos machistas. “Precisamos investir ainda mais na prevenção primária nas escolas, com adolescentes começando o namoro, mas já estão com senha de um estragando o outro, proibindo roupa, falar com alguém, empurrando.”
De acordo com um estudo da Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE), de 2023, 71,04% das 518 mulheres vítimas de violência doméstica entrevistadas têm filhos com o agressor e 61% delas revelaram que os filhos presenciaram as cenas violentas.
“Precisamos quebrar esse ciclo e investir em prevenção, campanhas educativas, disseminação no rádio, na TV, em festas, em músicas, nas escolas, com debates, trabalhos, leituras, para que essa cultura vá modificando. Não é fácil mudar a cultura. Cultura é algo que se muda de maneira muito lenta”, defende Canuto.
Para ouvir e assistir
O jornal Conexão BdF vai ao ar em duas edições, de segunda a sexta-feira, uma às 9h e outra às 17h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea também pelo YouTube do Brasil de Fato.