Uma força-tarefa de diversos órgãos resgatou 563 trabalhadores em condições análogas à escravidão em uma obra da TAO Construtora no município de Porto Alegre do Norte, no Mato Grosso. Os resgatados trabalhavam na construção de uma usina de etanol da 3tentos. As investigações no local foram intensificadas após um incêndio que destruiu alojamentos no dia 20 de julho de 2025 e revelou um cenário de violações de direitos trabalhistas.
Durante as inspeções, realizadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego e Polícia Federal, foram identificadas condições degradantes de moradia e trabalho, incluindo falta de água potável, alimentação estragada, jornadas exaustivas, lesões não registradas e casos de doenças de pele causadas pelo manuseio de produtos.
A fiscalização aponta que os trabalhadores dormiam em quartos superlotados e sem ventilação, dividindo um ventilador entre quatro pessoas e colchões finos sem lençóis, travesseiros ou fronhas. Muitos chegaram a dormir no chão, debaixo de mesas. A situação se agravou nas semanas anteriores ao incêndio, quando a interrupção no fornecimento de energia impediu o bombeamento de água para os banheiros e bebedouros.
Na tentativa de contornar a falta d’água, segundo o MPT, a empresa passou a fornecer água turva retirada do Rio Tapirapé, transportada por caminhões-pipa. Trabalhadores relataram ainda que eram obrigados a tomar banho com canecas e enfrentavam longas filas para usar banheiros sujos.
Comida estragada e violação de direitos trabalhistas
Conforme os depoimentos coletados, a alimentação era precária e frequentemente apresentava moscas, larvas e sinais de deterioração. Os refeitórios eram quentes e sem ventilação adequada. Segundo os relatos, a comida era requentada, repetitiva e, em alguns casos, imprópria para consumo.
A inspeção também confirmou irregularidades relacionadas às jornadas de trabalho, que chegavam a ultrapassar 22 horas diárias, incluindo domingos. Os fiscais constataram o uso de um sistema informal conhecido como “cartão 2”, em que as horas extras eram registradas em planilhas paralelas e pagas por fora da folha, em cheques ou dinheiro, configurando sonegação fiscal. Também houve denúncias de aliciamento, com trabalhadores vindos principalmente do Maranhão, Pará e Piauí. Eles relataram ter pago do próprio bolso a viagem até o Mato Grosso, com os valores posteriormente descontados nos salários.
Após o incêndio, foram registradas 18 demissões por justa causa e mais de 200 pediram o encerramento antecipado do contrato ou demissão. Cerca de 60 pessoas perderam todos os seus pertences no fogo.
O MPT informou que negocia um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com a empresa responsável para garantir indenizações e correções das irregularidades.
A reportagem entrou em contato com a 3tentos que disse ter adotado “uma série de ações para apurar os fatos e avaliar medidas cabíveis”.
“Prezamos pela dignidade de todas as pessoas envolvidas em nossas operações, sejam elas diretas ou indiretas. Práticas que violem os direitos humanos e trabalhistas são incompatíveis com os valores da companhia. Reafirmamos nosso compromisso com a transparência, a segurança e o respeito às pessoas em todas as nossas operações”, diz o comunicado.
O espaço segue aberto para o posicionamento da TAO Construtora. Se houver retorno, o texto será atualizado.
O que diz a lei?
O Código Penal brasileiro, em seu artigo 149, prevê pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa para quem submeta pessoas a condições análogas à escravidão, “submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador”. O crime pode ser agravado se cometido contra crianças e adolescentes “ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem”.