O Distrito Federal iniciou em 31 de julho a revalidação das inscrições para as creches públicas, uma ação organizada pela Secretaria de Educação (SEEDF), com o objetivo de atualizar os cadastros de crianças na fila de espera. No entanto, a medida gerou controvérsias quando foi descoberto que, para a validação, as famílias precisavam comprovar que não recebem auxílio-creche, um benefício temporário para trabalhadores enquanto não conseguem vaga na rede pública.
A exigência, que consta no Manual de Procedimentos para Atendimento à Educação Infantil – Creche, gerou uma mobilização de mães e movimentos sociais que consideram a medida injusta e inconstitucional.
Segundo o documento da Secretaria, a declaração de não recebimento de auxílio-creche deveria ser apresentada pelas famílias durante o processo de revalidação. A ausência de tal declaração, ou documentação comprobatória, resulta na exclusão das famílias da lista de espera. O auxílio-creche, concedido por empresas ou órgãos públicos, visa amparar temporariamente as famílias que não têm acesso imediato à vaga em uma creche pública. No entanto, muitas mães denunciaram que essa exigência estava impedindo o acesso ao direito de educação infantil, já garantido pela Constituição Federal.
Representante do Movimento Autônomo de Mães (Mama) Rosilene Costa afirmou que essa medida era “um ataque ao direito fundamental da criança à educação” e que cria “uma barreira artificial” que impede que mães que dependem do auxílio-creche tenham acesso à revalidação de suas inscrições.
“O direito à educação infantil é garantido pela Constituição, e não pode ser condicionado ao recebimento de um benefício temporário”, declarou Costa, criticando a forma como as políticas públicas estão sendo implementadas no DF.
O Mama organizou uma série de ações para denunciar a exclusão das famílias afetadas, incluindo reuniões com a Secretaria de Educação e com a Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (Proeduc) do Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT). Em uma dessas reuniões, de acordo com o movimento de mães, a SEE-DF reconheceu que o trecho do manual estava em desacordo com a legislação vigente e se comprometeu a corrigir o erro. No entanto, a pasta não aceitou a proposta de suspender as revalidações ou prorrogar os prazos durante o processo de revisão.
“Fomos ouvidas, mas a nossa luta não termina aqui. A correção do manual é uma vitória parcial, pois as famílias ainda estão sendo prejudicadas pela aplicação equivocada dessa norma.”, destaca Costa.
Direito garantido
A educação infantil é um direito garantido na constituição brasileira e embora a creche especificamente não seja uma garantia efetiva, o Supremo Tribunal Federal (STF) atribui como um direito subjetivo, por ser a fase de iniciação da educação, garantida constitucionalmente.
A revalidação das inscrições para as creches no DF ocorre de forma presencial nas 14 regionais de ensino, com o apoio de servidores, estagiários e programas de inclusão. As famílias são convocadas por meio de mensagens de WhatsApp, ligações telefônicas ou redes sociais para comparecerem aos atendimentos, que ocorrem entre 8h e 17h. O processo inclui a apresentação de uma série de documentos, como certidão de nascimento da criança, comprovante de residência e comprovante de renda dos membros da família, entre outros.
De acordo com a Secretaria de Educação, o processo de revalidação das inscrições é uma ação decorrente da atualização do Manual de Procedimentos para Atendimento à Educação Infantil – Creche, realizada no contexto da Mediação Judicial conduzida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT), com participação do Ministério Público (MPDFT), Defensoria Pública, Procuradoria Geral do DF e a própria pasta, “visando à universalização da oferta de vagas em creche”.
“Temos uma demanda reprimida, e as mães já enfrentam dificuldades estruturais para acessar a rede pública de educação infantil. Exigir mais documentação e criar entraves administrativos só piora essa situação”, comenta Rosilene Costa.
“Em um contexto social em que a educação infantil é essencial para que as mulheres possam trabalhar e garantir o sustento de suas famílias, a exclusão dessas mães da fila por questões burocráticas é um retrocesso no reconhecimento dos direitos das mulheres e das crianças.”, argumenta a representante do Movimento de Mães.
Em uma carta pública em que apontam a gravidade do problema, o Mama reivindica a ampliação urgente da oferta de vagas em creche pública no DF; a correção imediata do manual, com ampla divulgação; a revalidação de todas as inscrições indeferidas injustamente e a garantia de que nenhuma mãe será prejudicada pela má interpretação da norma.
Para Rosilene Costa a situação no DF é mais um exemplo de um sistema educacional que não está funcionando plenamente. “O que vemos no DF é uma falha no sistema de educação que não garante o acesso igualitário de todas as crianças, e isso precisa ser corrigido com urgência.”, pontua.
Ela ainda observa que o direito à Educação não pode ser visto como um favor. “Ele é uma obrigação do Estado. Precisamos garantir que todas as crianças, independente da classe social, tenham acesso à creche pública, e isso só será possível quando o sistema for realmente acessível e justo” finaliza.
Até a publicação desta reportagem ainda constava no site da Secretaria de Educação o Manual com a exigência de não recebimento do auxílio-creche para validação da inscrição.

De acordo com a Secretaria de Educação, a alteração do Manual de Procedimentos “está condicionada à análise e aprovação do Grupo de Trabalho responsável pela sua elaboração, composto por representantes do TJDFT, MPDFT, DPDF, PGDF e SEE-DF. Após a anuência dos partícipes, será realizada a publicação da retificação no Diário Oficial do Distrito Federal. Ressalta-se que as ações para esse ajuste já foram iniciadas”.
O órgão informou que ” realizará a divulgação das orientações por meio de seu site institucional” para as famílias que não conseguiram concluir a revalidação da inscrição em razão da norma.
O Brasil de Fato DF também questionou a Secretaria de Educação sobre a quantidade de crianças que aguardavam por uma vaga em creches da Rede Pública e qual a média de espera por uma vaga, antes do processo de revalidação, mas a pasta se limitou a dizer que os dados “serão divulgados oportunamente, após a conclusão das análises técnicas e extração das informações do sistema”.