Durante mais de 12 anos trabalhando com comércio exterior, a analista de comércio exterior Janaína Batista Silva se acostumou a ser a única mulher nas mesas de negociações internacionais. Em 2021, Batista passou a ser servidora pública no Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), onde teve a oportunidade de colocar em prática toda a experiência adquirida em diferentes eventos e fóruns da área com pouca presença feminina. Dois anos depois, a servidora assumiu o cargo de diretora do departamento de Promoção das Exportações e Facilitação do Comércio (DPFAC) da Secretaria de Comércio Exterior, quando criou o programa Elas Exportam.
A iniciativa integra o Programa Mulheres e Negócios Internacionais (MNI), da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), que busca enfrentar um cenário de desigualdade de gênero na área de comércio exterior. Em 2024, o Brasil exportou quase 337 bilhões de dólares, segundo o MDIC. Entretanto, apenas 2% do total exportado corresponde a empresas com maioria feminina na estrutura societária, segundo um relatório divulgado pelo governo federal em março de 2025.
Segundo Ana Paula Repezza, diretora de Negócios da ApexBrasil, “a inclusão de mulheres no comércio internacional não é apenas uma questão de equidade, mas uma estratégia inteligente para o desenvolvimento econômico.”
“Cada empresa liderada por mulheres que chega ao mercado global representa inovação, diversidade e impacto social positivo. O Programa Mulheres e Negócios Internacionais reafirma o compromisso da ApexBrasil com essa transformação”, afirma Repezza.
Silva conta que um dos marcos do Elas Exportam foi a missão Jornada Exportadora, realizada em agosto de 2024, no Chile. A iniciativa foi a primeira composta exclusivamente por empreendedoras brasileiras.
Das 11 empresas que participaram da jornada, sete eram do setor de cosméticos e quatro de moda. A ação foi organizada pela ApexBrasil, em parceria com o MDIC, o Itamaraty, a Direção Geral de Promoção de Exportações do Ministério das Relações Exteriores do Chile no Brasil (ProChile) e a Subsecretaria de Relações Econômicas Internacionais do país chileno.
“Participei, no passado, de missões comerciais nas quais, de 100 empresários, uma era mulher. Isso, para quem participa de mesas de negociações internacionais, é um cenário muito recorrente: num salão gigante, você vê uma ou duas mulheres. Então foi muito reconfortante fazer essa missão exclusiva de mulheres e ver o retorno e as mulheres engajadas”, relata a criadora do programa Elas Exportam.
Mentoria e rede de apoio
O Elas Exportam é estruturado em duplas de mentoras e mentoradas. O programa já atendeu 315 mulheres nas quatro edições realizadas desde 2023, quando o programa foi lançado. Além de conteúdo técnico sobre exportação, o programa aposta no fortalecimento emocional e na troca de experiências entre essas mulheres.
“O principal obstáculo não é a técnica, mas o emocional. Muitas mulheres são mais qualificadas do que muitos homens no mercado, mas não se sentem confiantes. É a famosa ‘síndrome de impostora’: a mulher não se arrisca e não se sente empoderada para estar em uma mesa de negociação, para falar inglês com seu comprador, vender e valorizar o seu produto”, diz Silva.
Dentro da iniciativa, uma das histórias que mais marcaram a diretora foi a de uma empreendedora de biojoias, mentorada por uma colega do mesmo setor. “A mentora foi uma espécie de madrinha, se colocou à disposição para ajudar em qualquer momento. Elas são concorrentes, mas não são competidoras, e sim parceiras. Isso mostra o espírito do programa: mulheres ajudando mulheres, entendendo que há espaço para todas”, afirma Silva.
Neste ano aconteceu a quinta edição do Elas Exportam, com a participação de 50 duplas de mentoras e mentoradas. Empreendedoras e empresárias de todo o Brasil puderam participar de maneira gratuita. Quem tiver interesse em acessar mais informações, pode consultar o site da iniciativa.
O programa MNI, do qual o Elas Exportam faz parte, completou dois anos com 138 ações realizadas, sendo 17 específicas para empresas lideradas por mulheres e 121 com critérios de seleção que garantem maior participação de mulheres. Nestes dois anos, foram realizados mais de 4.000 atendimentos e 2.132 empresas diretamente impactadas pelo programa, sendo 60,2% delas de micro e pequeno porte. Atualmente, o programa conta com mais de 80 instituições parceiras.
Desigualdade nos dados e na vida real
Em 2024, segundo dados do MDIC, de um total de 28.847 empresas exportadoras no Brasil, apenas 4.170 eram lideradas por mulheres. Segundo a ApexBrasil, essas empresas eram predominantemente pequenas, o que significa que a participação feminina em empresas exportadoras no Brasil ainda é baixa, especialmente entre as pequenas empresas.
A lacuna de dados também é um obstáculo, indica Silva. Segundo a diretora, ainda não há estatísticas específicas sobre exportações indiretas e de serviços, modalidades em que muitas mulheres atuam. Atualmente, o MDIC desenvolve um protótipo de sistema para suprir essa falta de informação, mas enfrenta o desafio de garantir o sigilo fiscal ao mesmo tempo em que gostaria de gerar informações mais precisas sobre os tipos de exportação. “É um problema para a formulação de políticas públicas. Mas acredito que em breve vamos superar isso”, pontua a servidora pública.
Financiamento e capacitação
O acesso ao crédito é outro entrave para as mulheres exportadoras. Para enfrentá-lo, o Banco do Brasil criou, em março de 2025, a linha BB Crédito Mulher Exportadora, voltada para empresas com ao menos 40% de participação feminina no quadro societário.
A iniciativa financia os custos de produção dos produtos e as despesas relacionadas à promoção internacional, como participação em feiras e ações no exterior, com prazo de até 24 meses para pagamento. A operação é feita em reais, sem risco cambial, ou seja, a empresa paga o empréstimo em reais, sem precisar se preocupar se o valor do dólar vai subir e aumentar a dívida.
A instituição também apoia o Programa Mulheres e Negócios Internacionais da ApexBrasil. Em parceria com a agência, o BB desenvolveu o Programa Primeira Exportação – Edição Mulheres no Mundo, que oferece capacitação por meio de aulas e consultoria particular para mulheres que desejam começar a exportar. Segundo a instituição financeira, a orientação mais buscada pelas empreendedoras é o “passo a passo da exportação”, que contempla planejamento financeiro, câmbio e logística.
Em nota enviada ao Brasil de Fato, a Unidade de Negócios Internacionais do BB afirmou que “o que tem feito a diferença na inclusão dessas mulheres é justamente a combinação de acesso facilitado a crédito com capacitação direcionada”. De acordo com o banco, mais de 550 empresas lideradas por mulheres foram capacitadas desde 2024.
O programa da ApexBrasil e as iniciativas que o compõem, como o Elas Exportam e o Programa Primeira Exportação, foram reconhecidos pelo International Trade Centre (ITC) e, mais recentemente, pela Organização Mundial do Comércio (OMC), por promoverem a inclusão de gênero no comércio internacional.
Descentralização e impacto social
Um dos objetivos do Elas Exportam é alcançar mulheres negras das regiões Norte e Nordeste, hoje sub-representadas no comércio exterior, de acordo com a coordenadora do programa. Por isso, critérios como raça e localização geográfica são usados para o desempate nos editais. Na primeira edição do programa, 15 das 20 mentoradas eram mulheres pretas e pardas dessas regiões. No entanto, a maior parte das mentoras ainda são do Sul e do Sudeste, pondera Silva.
A construção de uma “rede orgânica entre empreendedoras” é vista pela diretora como um dos principais legados do programa. “Isso superou as nossas expectativas. Elas trocam informações, ajudam umas às outras e compartilham dificuldades e soluções. A rede segue viva mesmo depois da edição acabar. É emocionante”, conta Silva.
Embora o impacto social ainda não seja mensurado diretamente, o MDIC firmou uma parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para avaliar os resultados do programa.
“Não temos dúvida de que o impacto social é muito positivo. As mulheres tendem a dar um retorno maior para a sociedade em que elas vivem quando elas prosperam economicamente”, destaca a diretora.
Acabar com leis e práticas discriminatórias que impedem mulheres de trabalhar ou abrir negócios poderia aumentar o PIB global em mais de 20%, dobrando a taxa de crescimento econômico mundial na próxima década, aponta o 10º relatório anual Women, Business and the Law, publicado pelo Banco Mundial em 2024. O estudo analisou 190 países, incluindo o Brasil.
Perspectivas futuras
Com quatro edições concluídas, o Elas Exportam planeja formar, nas próximas edições, ao menos 100 duplas por ano, número considerado piso pelo ministério. A equipe do projeto também articula novas parcerias e projetos-piloto, como um acordo realizado com o estado do Rio Grande do Sul.
“Parcerias são muito bem-vindas. É importante que empresas estejam comprometidas com a causa”, destaca Silva.
Para a diretora, o futuro é de continuidade e expansão. “Acredito que o Programa veio para ficar. Ele está mostrando impacto positivo, foi reconhecido internacionalmente. No âmbito do comércio internacional, o Brasil está muito à frente de vários países.”
O Banco do Brasil também indica que as perspectivas são de continuidade. De acordo com a nota, sua unidade internacional planeja “aprofundar e ampliar o apoio às mulheres exportadoras, avaliando continuamente os resultados para refinar nossas iniciativas.”
Ainda segundo a nota enviada pela Unidade de Negócios Internacionais do BB, “o compromisso da instituição é seguir construindo um ambiente de comércio mais inclusivo, pois empoderar as mulheres no comércio exterior não é apenas a decisão certa, mas também a mais inteligente para o desenvolvimento do país”.
[Conteúdo patrocinado pela ApexBrasil.]