O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realizou em Correntina (BA), a Caravana em Defesa das Populações de Fundo e Fecho de Pasto e Atingidas por Barragens no Oeste da Bahia. A ação teve como objetivo denunciar a escalada de violência na região, escutar diretamente os relatos das comunidades e pressionar o poder público por ações concretas de regularização fundiária, proteção das lideranças e garantia de permanência nos territórios. Realizada nos dias 29 e 30 de julho, a atividade foi organizada em parceria com a Frente Parlamentar Ambientalista e o Coletivo de Fundo e Fecho de Pasto da Bacia do Rio Corrente, com apoio da Associação de Advogados(as) de Trabalhadores(as) Rurais (AATR).
A Caravana se insere em um contexto de graves violações de direitos humanos no Oeste da Bahia, impulsionadas pelo avanço do agronegócio, pela grilagem de terras e pela atuação de milícias privadas a serviço de latifundiários. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), Correntina é o município com maior número de conflitos fundiários na Bahia, com 132 registros entre 1985 e 2023. Um desses conflitos envolve a comunidade do Fecho de Pasto de Brejo Verde, onde o casal de militantes do MAB, Solange Moreira e Vanderlei Silva, foi preso de forma arbitrária em maio deste ano, após denúncias feitas por grileiros da região.
Para Temoteo Gomes, da coordenação nacional do MAB na Bahia, a caravana tem um papel estratégico na luta popular.
“Essa luta em defesa do território tradicional, do Cerrado, dos rios, é uma luta que a gente tem que assumir como uma luta pela soberania das comunidades tradicionais. O que nós estamos fazendo, enfrentando pistoleiros e o agronegócio, é uma luta por essa soberania”, destaca.
Escuta e articulação
A programação da atividade contou com visita ao território coletivo do Fecho de Pasto de Brejo Verde, seguida por uma Assembleia Geral com representantes de diferentes comunidades, organizações da sociedade civil e órgãos do Estado. Estiveram presentes representantes da Secretaria Geral da Presidência da República, Ministério Público da Bahia (MPBA), Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e lideranças políticas.

“Nossa presença aqui é exatamente pra simbolizar e trazer o apoio da Presidência da República, através da Secretaria Geral, mas principalmente a solidariedade a todo esse momento que essa comunidade, que esse território, que esse povo tá passando e está exercendo o seu direito legítimo e necessário de resistir”, salienta Paulo José de Oliveira, da Diretoria de Participação Social da Secretaria Geral da Presidência da República, durante a Assembleia.
A população também pôde compartilhar sua relação de identidade com o território e denunciar o processo de criminalização que tem vivido, como destaca Juscelino Brito, morador de Fecho de Pasto de Brejo Verde.
“A comunidade depende do Cerrado para sobreviver. Eu nasci e me criei nesse território, eu não tenho para onde ir. Se eu for ameaçado de sair daqui, eu tenho certeza que eu vou pra debaixo da ponte – ou o governo vai ter que dar um apoio pra gente”.
Diante desse cenário, lideranças políticas também cobraram ações do Estado. “O governo já passou da hora de tomar uma decisão e reestruturar a Secretaria de Desenvolvimento Agrário”, afirmou o deputado estadual Marcelino Galo (PT-BA).
Após os dois dias de mobilização, a organização da caravana elaborou um relatório que reúne as denúncias e os encaminhamentos apresentados pelas comunidades, além de um manifesto. O documento destaca as graves violações de direitos humanos registradas, como ameaças de morte, destruição de estruturas comunitárias, uso da força estatal para criminalizar lideranças e grilagem de terras. O relatório será encaminhado às autoridades competentes como instrumento de pressão para a adoção de medidas concretas e efetivas.
Décadas de violência
A região Oeste da Bahia vive uma intensificação dos conflitos agrários nas últimas décadas, especialmente em municípios como Correntina e Formosa do Rio Preto. De acordo com o MAB, o avanço do agronegócio e a grilagem de terras públicas impactam diretamente as comunidades tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto, que vivem há séculos nesses territórios e atuam na preservação do Cerrado e das águas.
Entre os casos mais emblemáticos está o de Solange e Vanderlei, presos de forma arbitrária em maio de 2025 após serem denunciados por fazendeiros interessados em área do Fecho de Pasto de Brejo Verde, onde vive o casal. A prisão foi considerada por organizações sociais como uma tentativa de desmobilizar a luta coletiva e criminalizar defensores de direitos humanos.
Para Juliana Fraga, membro da AATR que vem acompanhando o caso de criminalização dos fecheiros, “a questão é o domínio de um território tradicional. Essa é uma comunidade que há muito tempo usa, preserva e tem uma relação muito clara de pertencimento a esse território”.
Sob pressão das comunidades, o Estado da Bahia publicou no dia 31 de julho as portarias que autorizam o início das ações discriminatórias no Vale do Rio Arrojado, município de Correntina. As ações abrangem as comunidades tradicionais de Fecho de Pasto de Brejo Verde, Praia, Catolés, Melado, Tarto, Tigelas, Águas Claras, Caiçara, Capão, Malhadinha, Jatobá, Morrinhos, Entre Morros, Gado Bravo e Lodo.
Para o MAB, a medida marca o primeiro passo de um longo processo de regularização dos territórios tradicionais e representa uma conquista significativa para a luta das comunidades locais. No entanto, apesar das respostas do Estado, o movimento aponta que as comunidades seguem em luta e exigem “o arquivamento da denúncia contra Solange e Vanderlei, a proteção das lideranças ameaçadas e a garantia dos territórios tradicionais”.