O MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) autuou a Norte Energia e a WGA Bio — empresa contratada para fornecer mão de obra — por irregularidades nas condições de trabalho em bases de proteção territorial indígena no Pará. As estruturas foram construídas como parte da compensação socioambiental exigida pelo licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Os trabalhadores são responsáveis por proteger terras indígenas do Médio Xingu contra invasores na área de influência direta da usina.
Segundo o auditor-fiscal do trabalho Magno Riga, coordenador da operação, a fiscalização constatou que os trabalhadores não tinham acesso a água potável e precisavam buscá-la em fazendas vizinhas. “A empresa prestadora [WGA Bio] nos informou que não tem laudo de potabilidade [da água disponibilizada nas bases]. Os filtros nunca passaram por manutenção”, afirmou.
Em um ambiente de muito calor no bioma amazônico, eles atuavam em instalações sem ar-condicionado e tinham que trazer ventiladores de casa, de acordo com Riga. Camas foram substituídas por redes, o que contraria normas de segurança e conforto exigidas por lei.
O auditor explica que a Norte Energia também foi autuada por ser a signatária do compromisso para criar as bases de proteção. “Portanto, ela é a tomadora do serviço que é prestado por esses trabalhadores através de uma empresa terceirizada [WGA Bio]”, afirmou o auditor à Repórter Brasil.
Questionada sobre as autuações, a Norte Energia afirmou em nota “que os trabalhadores tinham acesso a água própria para consumo” e “que a manutenção das unidades, assim como prevê o termo de compromisso, deveria ser realizada pelo poder público, que assumiu a operação das unidades em 2016, numa função que compete ao Estado Brasileiro.” Também afirmou que a empresa “cumpriu” a obrigação estabelecida no termo. A manifestação completa pode ser lida aqui.

O diretor da WGA Bio, Wagner Xavier, afirmou no dia 4 de agosto que não tinha conhecimento das autuações. Segundo ele, a empresa havia sido notificada a apresentar documentação ao MTE e estava colaborando. Procurada novamente na última quinta-feira (7), a WGA não respondeu aos questionamentos da Repórter Brasil.
Uso da água e problemas de saúde
A água usada para tomar banho e lavar roupa vinha de caixas d’água sem limpeza periódica. “[O uso dessa água] causou problemas de pele [em trabalhadores de] uma das bases”, afirmou o coordenador da fiscalização.
As denúncias que motivaram a operação foram registradas no Sistema Ipê, plataforma do MTE para recebimento de comunicações sobre irregularidades trabalhistas. O alerta partiu do movimento Xingu Vivo para Sempre, com base em relatos de trabalhadores que atuam nas bases.
Outro aspecto apontado pelo MTE é o tempo de deslocamento dos trabalhadores até as bases de apoio. Em alguns casos, a viagem leva até dois dias de carro com o deslocamento de ida e volta. Segundo Riga, esses dias não são contabilizados na jornada de trabalho, o que amplia a carga laboral sem remuneração correspondente. “Eles sentem que perdem dois dias de folga. Isso é extremamente injusto”, diz ele.
O auditor-fiscal contou que um acidente durante o transporte de combustível causou queimaduras graves em um trabalhador. O combustível era levado na mesma lancha que transportava os funcionários, procedimento considerado de alto risco. O acidente ocorreu no ano passado, em uma das bases não vistoriadas pelo MTE.
As vistorias foram feitas pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel na primeira quinzena de julho. Ao todo, duas bases foram fiscalizadas: uma na Terra Indígena Trincheira Bacajá, em São Félix do Xingu, e outra na Terra Indígena Arara, em Uruará. A WGA Bio responde por 36 autos de infração e a Norte Energia, por 21.

Para Xingu Vivo, Funai deveria assumir as bases
A Norte Energia se comprometeu judicialmente a erguer onze estruturas nas terras indígenas impactadas pela construção da Usina de Belo Monte. Dessas, seis possuem trabalhadores alocados atualmente, segundo Riga.
Em nota enviada à Repórter Brasil, a Funai afirmou que a Norte Energia ainda não entregou três das onze Unidades de Proteção Territorial previstas como compensação pela Usina de Belo Monte. São elas: o Posto de Vigilância Rio das Pedras, a Base Operacional Transiriri e o Posto de Vigilância Ituna/Itatá. O órgão diz que tentou, sem sucesso, três vezes agendar vistoria conjunta para receber provisoriamente a unidade de Ituna/Itatá.
O órgão indigenista disse ainda que as oito bases já recebidas provisoriamente apresentam problemas estruturais apontados desde 2016, que seguem sem correção pela empresa. A Funai afirma que só poderá incorporar as estruturas à sua gestão após a Norte Energia cumprir todos os requisitos técnicos e legais. Enquanto isso, segue realizando vistorias e cobrando reparos para garantir condições adequadas de trabalho e segurança nas áreas indígenas do Médio Xingu. Em uma nota técnica elaborada em 2024 pela Coordenação-Geral de Monitoramento Territorial da Funai, o órgão já apresentava problemas estruturais, como falhas no fornecimento de água e energia e dificuldades de infraestrutura e logística nas bases já em uso.
Para o movimento Xingu Vivo, a manutenção dessas bases é essencial para evitar invasões e proteger as florestas. “Eles [trabalhadores das bases] são ameaçados pelos fazendeiros e pelos invasores das terras indígenas. A precarização desse trabalho compromete a proteção dessas áreas”, disse a organização em declaração à Repórter Brasil.
O Xingu Vivo reúne organizações locais e internacionais com o objetivo de defender o rio Xingu e suas comunidades, e defende que a Funai assuma integralmente a gestão das bases, com participação dos povos indígenas. Segundo eles, a terceirização cria lacunas de responsabilidade que deixam os trabalhadores vulneráveis. “Aqueles trabalhadores são comandados pela Norte Energia, pela WGA e pela Funai. Quando eles vão buscar os direitos deles, não sabem a quem recorrer”.
A Norte Energia é uma empresa que detém a concessão de operação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu. Povos indígenas, ribeirinhos e organizações sociais, como o Xingu Vivo, alertam para os impactos da obra.
Belo Monte desviou parte do curso natural do Xingu, reduziu drasticamente a vazão em um trecho do rio conhecido como Volta Grande e afetou diretamente a pesca, a segurança alimentar e a mobilidade das populações locais.
Os impactos foram constatados por técnicos do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) em uma vistoria feita em 2023 e divulgada pela Rede Xingu+, organização que reúne sociedade civil, indígenas e ribeirinhos.
Segundo o relatório do Ibama, a obra também contribuiu para o aumento do desmatamento e das pressões sobre as terras indígenas da região. A concessão da Norte Energia para operar a usina vai até 2046.
Em nota enviada à Repórter Brasil após a publicação desta reportagem, a Norte Energia afirma que impacto hidrológico foi “estudado” e “estabelecido pelo Estado Brasileiro no âmbito do leilão de concessão” da usina. Ela também que não há cenário de insegurança alimentar. A manifestação completa pode ser lida aqui.
Este texto foi atualizado em 11 de agosto para incluir os posicionamentos da Funai e da Norte Energia.