As ‘terras raras’ ganharam o noticiário internacional com a manifestação de interesse do governo norte-americano nas reservas do Brasil, da China e da Ucrânia e da Groenlândia. O motivo se dá pela importância econômica de substâncias que podem ser usadas em ligas metálicas para produção de chips de celulares, motores elétricos, turbinas eólicas, satélites e mísseis. Esses materiais não são raros, mas dificilmente são encontrados de forma concentrada em um único lugar.
Apesar de o Brasil ter a segunda maior reserva mundial de terras raras, estimada em 21 milhões de toneladas, o equivalente a 23%, o país ainda não produz e nem refina – a China detém 44 milhões de toneladas, cerca de 49%, e se destaca como o maior produtor, maior responsável pelo refino e pela fabricação de ímãs, conforme dados da Mineral Commodity Summaries de 2025.
As reservas brasileiras estão presentes nas cinco regiões. No Sul, a região de Caçapava do Sul se destaca pela alta concentração de terras raras em rochas de carbonatito. Essa é uma das descobertas de pesquisa, liderada pelo professor Marcelo Barcellos da Rosa, do Departamento de Química da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e realizada em conjunto com o Departamento de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e curso de Geologia da Universidade do Pampa (Unipampa – Campus Caçapava). O estudo é financiado pelo edital Mineral Estratégicos do Conselho Nacional de Desenvolvimento e Pesquisa (CNPq) e seguirá até dezembro de 2026.
Para discutir o tema, a Agência de Notícias da UFSM conversou com o químico Lucas Mironuk Frescura, do Laboratório de Pesquisas Químicas e Farmacêuticas da UFSM. Lucas é doutor em Ciências com ênfase em Química pela UFSM e direciona seus estudos aos elementos de terras raras no Centro do Rio Grande do Sul.
Você considera a expressão ‘terra rara’ imprecisa, já que alguns dos elementos são abundantes na crosta terrestre?
Lucas Mironuk Frescura: Sim, o termo ‘terras raras’ sugere que esses elementos sejam escassos, quando na verdade são relativamente abundantes na crosta terrestre. A origem do nome vem dos séculos XVIII e XIX, quando os cientistas começaram a isolar esses elementos na forma de óxidos, substâncias que, naquela época, eram chamadas genericamente de ‘terras’, como nos casos das ‘terras alcalinas’ ou dos ‘metais alcalino-terrosos’. Já o adjetivo ‘raras’ surgiu porque, no início, esses elementos foram descobertos em poucos minerais, localizados em áreas específicas, com primeiros relatos em depósitos próximos a Ytterby, na Suécia. Além disso, a separação entre eles era e ainda é difícil devido às suas propriedades químicas muito semelhantes. Com o passar do tempo, essa raridade ficou apenas no nome. Muitos elementos como cério, lantânio e neodímio são mais abundantes que metais conhecidos, como o cobalto, o níquel ou o chumbo. Até mesmo os elementos terras raras menos abundantes, como túlio e lutécio, são encontrados em maior quantidade na crosta terrestre do que a prata ou os metais do grupo da platina.
Por que os chamados elementos de terras raras (ETRs) são difíceis de serem encontrados de forma concentrada?
Embora os elementos de terras raras sejam relativamente abundantes na crosta terrestre, dificilmente eles são encontrados de forma concentrada em um único local. Isso ocorre porque eles apresentam propriedades químicas muito semelhantes entre si, o que faz com que se distribuam de maneira dispersa em diversos minerais, em vez de se acumularem isoladamente. Além disso, são elementos considerados incompatíveis durante a formação de rochas, ou seja, tendem a se concentrar apenas nos estágios finais da cristalização magmática, em ambientes geológicos menos comuns, como os carbonatitos (objetos do nosso projeto). Como resultado, poucos depósitos naturais apresentam concentrações suficientemente altas para viabilizar a extração econômica desses metais, o que torna sua produção um desafio técnico e estratégico.
O que falta para o Brasil produzir e refinar ETR?
Apesar do Brasil possuir a segunda maior reserva de terras raras, perdendo apenas para a China, o país ainda enfrenta obstáculos para transformar esse potencial em produção e refino em escala industrial. O principal desafio está na falta de uma cadeia integrada, que inclui desde a mineração e o beneficiamento até o refino químico e a separação individual dos elementos, etapas que exigem tecnologia avançada, investimentos robustos e domínio de processos complexos. É por esse motivo que não seria incorreta a expressão ‘terras caras’ para esses elementos. Além disso, há entraves regulatórios, ambientais e logísticos, além da ausência de políticas industriais de longo prazo que incentivem a verticalização e agregação de valor no território nacional. Hoje, o Brasil exporta parte desses minerais em estado bruto ou parcialmente beneficiado, mas ainda depende de países como a China para as etapas finais de purificação. Apesar disso, desde 2010 esses elementos ganharam destaque no governo brasileiro. Aqui na UFSM, estamos no segundo projeto envolvendo os elementos terras raras, resultado desse maior interesse. O primeiro foi aprovado em 2013 e, assim como o atual, também foi coordenado pelo professor Marcelo Barcellos da Rosa.


Qual a importância da região de Caçapava do Sul para o estudo dos ETR?
A região de Caçapava do Sul, no Rio Grande do Sul, é um local de ocorrência de minerais estratégicos e críticos para o Brasil, pois apresenta ocorrências de rochas com elevados teores de Elementos Terras Raras, Nióbio e Tântalo, entre outros elementos de interesse. A concentração desses elementos ocorreu devido aos processos geológicos que ocorreram na região, em especial devido à presença de rochas denominadas carbonatitos, uma das muitas rochas formadas na evolução geológica do Escudo Sul-riograndense. Essa rocha, rara em termos de ocorrência no mundo, é a principal portadora desses elementos estratégicos e críticos que podem trazer o desenvolvimento para a indústria brasileira de alta tecnologia, como por exemplo, para a produção de ímãs de neodímio para motores elétricos de carros.
Que evidências já se tem das ETR na região de Caçapava do Sul? Foram encontrados minerais que contém ETR lá? Pode citar alguns?
Os carbonatitos são rochas ígneas que ocorrem em menos de 1% da superfície terrestre, com predominância de minerais carbonáticos. Em Caçapava do Sul, estudos têm identificado a presença de corpos carbonatíticos, como o Passo Feio e Picadas dos Tocos. Esses carbonatitos são compostos primariamente por calcita e/ou dolomita e contêm uma variedade de minerais acessórios que atuam como importantes portadores de ETRs, Nióbio e Tântalo. Entre eles, destacam-se a apatita, minerais do grupo do pirocloro e, minerais de ETRs como monazita-(Ce) e aeschynita-(Ce). A ocorrência desses minerais, por vezes em concentrações significativas, aponta para o potencial econômico da região, dado o papel vital desses elementos no uso em tecnologias modernas.
Qual objetivo principal do projeto da UFSM com a Ufrgs e a Unipampa?
Este projeto possui caráter interinstitucional e multidisciplinar, reunindo pesquisadores das áreas de Geologia, Química e Biologia das universidades UFSM, Ufrgs e Unipampa – Campus Caçapava do Sul. O principal objetivo é identificar áreas com potencial enriquecimento geológico de elementos terras raras (ETRs) e avaliar o ambiente como um todo, considerando diferentes matrizes ambientais. A UFSM é responsável pela coordenação do projeto, realizada pelo professor Marcelo Barcellos da Rosa, do Departamento de Química, com auxílio do pesquisador Lucas Mironuk Frescura.
Qual o papel de cada instituição?
A UFSM realiza a coleta e a análise de amostras de solo, vegetação nativa e águas superficiais, com o intuito de determinar a presença e o comportamento geoquímico dos ETRs nessas matrizes. Atualmente, a equipe da UFSM conta com três bolsistas de desenvolvimento tecnológico e um bolsista de iniciação científica (CNPq).
A Ufrgs, por meio de seu Departamento de Geociências, contribui com a identificação e caracterização das rochas carbonáticas, com participação direta do professor Ednei Koester e do geólogo Daniel Triboli Vieira, além de outros docentes colaboradores. As atividades da Ufrgs incluem o preparo e análise de amostras de rochas, identificação mineralógica, quantificação de terras raras e a realização de estudos isotópicos e datações geológicas. A equipe conta com um bolsista de desenvolvimento tecnológico e quatro bolsistas de iniciação científica.
A Unipampa, devido à atuação regional por meio do curso de Geologia, contribui na identificação de áreas e minerais de interesse e também participa na caracterização da fauna local para fins de coleta e análise ambiental. Atualmente, a Unipampa conta com dois bolsistas de iniciação científica dedicados ao projeto, que são orientados pelas professoras Luciana Arnt Abichequer e Caroline Wagner.
É importante destacar que, embora as funções estejam organizadas por instituição, o projeto se desenvolve de forma colaborativa, com integração constante entre os pesquisadores nas diferentes etapas.
Até agora qual seria o principal resultado da pesquisa sobre terras raras na região de Caçapava do Sul?
Atualmente já determinamos a concentração desses elementos em amostras de rocha, solo e vegetação nativa, a carqueja, e já temos resultados que mostram uma importante concentração de elementos terras raras nas rochas de carbonatitos, e concentração considerável nas amostras de solo, com valores de concentração 9 vezes maiores que outras regiões do Brasil, 12 vezes maior que solos de Cuba e 6 vezes maior que solos da China.