As defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros 7 réus no processo sobre a tentativa de golpe de Estado apresentaram nesta quarta-feira (13) suas alegações finais ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O advogado do ex-ajudante de ordens Mauro Cid já havia protocolado o documento anteriormente, em razão do acordo de delação premiada firmado com a Justiça. A Procuradoria-Geral da República (PGR), responsável pela acusação, também já havia apresentado sua manifestação ao STF.
Finalizada esta etapa, a data do julgamento será marcada pelo ministro Cristiano Zanin, que preside a Primeira Turma da Corte. O agendamento, no entanto, depende da conclusão do relatório do ministro Alexandre de Moraes, que ainda pode solicitar novas provas antes de apresentar seu voto. A expectativa é que o julgamento do caso ocorra ainda neste semestre.
Jair Bolsonaro
Nas alegações final, os advogados de Bolsonaro qualificaram a acusação da PGR como “absurda” e negaram a existência de provas contra o ex-presidente. “Em momento algum Jair Bolsonaro praticou qualquer conduta que tivesse por finalidade impedir ou dificultar a posse do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Pelo contrário, sempre defendeu e reafirmou a democracia e o Estado de Direito”, afirma um trecho do documento.
“Os invasores de 08 de janeiro, por essa narrativa, precisam de um chefe. De um líder. Nem a parcial Polícia Federal enxergou essa liderança. Nenhum dos réus afirmou a existência da liderança do ora peticionário [Bolsonaro], mas a acusação está posta”, disseram os advogados.
Em outro trecho, porém, a defesa afirma que “mero ato preparatório” para uma tentativa de golpe de Estado “não pode ser tido como ato violento”. “Em poucas palavras, ainda que se aceite presumir a existência de uma minuta de decreto em estudo, sem assinatura, sem apresentação, sem sequer a conclusão do texto, nem saímos do âmbito da mera preparação, nem temos efetivo emprego de ato violento conforme exigido pelos tipos penais”, diz.
Os advogados também argumentam que a delação de Mauro Cid deve ser anulada por falta de “credibilidade”. Para isso, a defesa utilizou as críticas da PGR ao acordo firmado com o ex-ajudante de ordens. Paulo Gonet afirmou que Cid apresentou comportamento “contraditório, marcado por omissões e resistência ao cumprimento integral das obrigações pactuadas”. Por isso, Gonet pediu a manutenção da delação, mas com benefícios reduzidos, proporcionais à colaboração efetiva no processo.
A defesa de Bolsonaro, por sua vez, solicitou a “nulidade e imprestabilidade da delação premiada do corréu Mauro Cid, uma vez verificado o vício de vontade, bem como diante das 197 omissões, falhas, seleções ou ainda ambiguidades reconhecidas pela PGR, que impedem que suas declarações sejam confiáveis e usadas como provas”.
Braga Netto
A defesa do ex-ministro da Casa Civil Walter Braga Netto foi na mesma linha das alegações finais de Bolsonaro. Os advogados do general afirmaram que a acusação da PGR traz “provas ilícitas” e “ilações” e pedem a absolvição por todos os crimes.
“A PGR ainda quer que se enxergue uma grande coordenação de ataques em nada mais do que meia dúzia de mensagens, trocadas em poucos dias, com um único interlocutor, que, aliás, nem era pessoa capaz de viralizar conteúdo algum. Acusação baseada em prova ilegal e, ainda assim, desprovida de qualquer razoabilidade”, defenderam os advogados.
“Por mais graves que sejam as acusações objeto desta ação penal, nada justifica uma condenação baseada em deturpações e ilações infundadas que levaram erroneamente à acusação de que o general Braga Netto estaria de alguma forma envolvido com qualquer pretensão antidemocrática”, argumentou a defesa.

Os advogados também apontaram para incongruências na delação de Mauro Cid. “Além da absoluta imprecisão de seu relato, Mauro Cid admitiu que ‘a entrega não foi presenciada por mais ninguém e que não possui provas materiais do recebimento do dinheiro’. O general Braga Netto nunca entregou dinheiro para ninguém e condená-lo por isso, com base apenas na palavra confusa de um delator, é atentar contra o princípio fundamental da presunção de inocência”, disseram.
Mauro Cid
A defesa de Mauro Cid, por sua vez, pediu absolvição ou perdão judicial e argumentou que o tenente-coronel teria apenas cumprido ordens, sem a intenção de tentar um golpe de Estado.
Na delação, Cid afirmou que Bolsonaro, após a derrota em 2022, falou fraude nas urnas e discutiu com comandantes militares um decreto para uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ou estado de sítio, com prisão de autoridades e nova eleição. A defesa de Cid, porém, contesta a interpretação da PGR sobre sua participação nos fatos.

Nas alegações finais, os advogados argumentaram que “Mauro Cid em momento algum imputou crime ao ex-Presidente da República ou qualquer outra pessoa que compõe o rol de denunciados; até porque isso cumpre ao Procurador-Geral da República e não ao colaborador”.
Também disseram que o cliente “relatou, isso sim, e como não poderia ser diferente diante do acordo que celebrou e o compromisso que tem com a verdade, os fatos que presenciou ou soube em função de sua condição de ajudante de ordem da Presidência”, diz a defesa de Cid.
Alegações de outros réus
A defesa do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno sustenta que não há provas de que o general tenha participado ou incentivado atos contra a ordem institucional, argumentando que as acusações se baseiam apenas em presunções.
Os advogados também argumentam que não há provas de participações em reuniões para planejar os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Por outro lado, afirmou que qualquer participação foi “meramente acessória e periférica” sem influência decisiva para a trama golpista.
“Uma análise detida dos fatos narrados na denúncia revela que a conduta do General HELENO, então Ministro do GSI, foi meramente acessória e periférica em relação ao núcleo organizacional, não havendo elementos que indiquem relevância causal de sua atuação para o êxito da empreitada criminosa”, afirmam os advogados.
Em suas alegações finais, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira também negou que tenha participado da trama e pediu absolvição dos crimes pelos quais é acusado. Segundo seus advogados, ao contrário do que sustenta a PGR, ele atuou para convencer Bolsonaro a desistir do plano golpista.
A defesa diz que Nogueira foi “manifestamente contrário a qualquer medida de exceção”, já que temia “que grupos radicais levassem o Presidente a assinar uma ‘doideira’ e que alguma liderança militar ‘levantasse o braço’ e rompesse, o que poderia acarretar uma fissura nas Forças Armadas”.
O ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos também pediu absolvição. A defesa alega que o cliente nunca colocou as tropas à disposição de um plano golpista em reunião com Bolsonaro.
Nas alegações, a defesa destacou uma suposta contradição entre os depoimentos de Freire Gomes, comandante do Exército, e Baptista Júnior, da Aeronáutica, sobre a reunião em questão. Apenas Baptista Júnior afirmou que Garnier teria colocado tropas à disposição, enquanto Freire Gomes, apesar de ter mencionado isso à Polícia Federal, negou a informação ao ser questionado no STF.
“Perceba-se que apenas Baptista Júnior afirma que Garnier teria colocado tropas à disposição. Freire Gomes, que estava presente nas reuniões, afirmou apenas que ele teria se colocado “com o Presidente”, porém no sentido de respeito hierárquico. Há, portanto, contradição que, evidentemente, deve ser resolvida a favor do réu, sobretudo porque outros elementos produzidos durante a instrução corroboram o relato de Freire Gomes”, afirma a defesa.
Na mesma linha, o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres afirmou que não cometeu crime e pediu absolvição no processo.
A defesa sustenta que as acusações da PGR carecem de “lastro probatório mínimo” e se baseiam em “insinuações e narrativas artificiais”. Torres argumentou que não havia meios de depor o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que derrotou Jair Bolsonaro em 2022.
Também disse que os atos golpistas de 8 de janeiro não causaram impacto ao poder constituído. “A narrativa posta na denúncia, evidentemente, não teve potencial lesivo para depor o governo legitimamente constituído, que, em poucas horas e de forma articulada, expulsou os invasores”, escreveu.
Por sua vez, a defesa do deputado federal Alexandre Ramagem afirmou que o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) não estava mais no governo Bolsonaro quando houve o “recrudescimento” das ações golpistas. Ele pediu exoneração em março de 2022 para se candidatar ao cargo de deputado.
“Ocorre que a mesma acusação que narra esse recrudescimento a partir de julho de 2022, colocando Alexandre Ramagem como integrante de seu núcleo crucial, simplesmente esquece de mencionar que o réu se afastou do Governo Federal com um propósito muito claro, cuidar do planejamento de sua campanha eleitoral, da pré-campanha e da disputa em si”, disse a defesa do parlamentar.
Os advogados também afirmaram que Ramagem não tinha conhecimento da trama e pediu absolvição do cliente. “Com a vênia devida, cuida-se de atribuição de responsabilidade objetiva. Alexandre Ramagem não pode ser responsabilizado por cada ato praticado no âmbito da Abin durante sua gestão, com base no simples fato de que era o diretor-geral do órgão, salvo se se admitisse eventual responsabilização por culpa”, disse a defesa.
O que diz a PGR?
Segundo as alegações finais da Procuradoria-Geral da República (PGR), Jair Bolsonaro liderava a organização criminosa e seria o principal beneficiário dos atos golpistas. O procurador-geral Paulo Gonet afirmou que a atuação do ex-presidente foi “pautada pela afronta à legalidade constitucional e pela erosão dos pilares republicanos” e “teve por objetivo último sua continuação ilegítima no comando do país”.
Gonet também apontou que o ex-presidente teria utilizado deliberadamente o aparato estatal para atacar instituições e o processo eleitoral, com o apoio de setores estratégicos das Forças Armadas e do alto escalão do governo.
Além de Jair Bolsonaro e Mauro Cid, integram o núcleo duro da trama golpista Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; Walter Braga Netto, ex-chefe da Casa Civil; e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).
Todos são acusados pela Procuradoria pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, com considerável prejuízo para a vítima, e deterioração de patrimônio tombado. As penas podem chegar a 39 anos de prisão.