Com a promessa de alfabetizar, ainda em 2025, pelo menos 3,5 mil pessoas em Minas Gerais, o projeto Mãos Solidárias, organizado pelo Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em parceria com outras organizações sociais, realizou, na última semana, mais uma etapa da Jornada de Alfabetização de Jovens e Adultos nas Periferias. A atividade aconteceu em Sarzedo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), e formou mais de 250 educadores para atuar na proposta.
Baseado no estudo e apropriação do método “sim, eu posso” — metodologia de alfabetização de adultos desenvolvida em Cuba e utilizada em diversos países —, o encontro se concentrou no debate sobre a realidade das periferias e no compartilhamento das experiências de trabalho de base e mobilização das comunidades atendidas pelo projeto.
A formação aconteceu entre os dias 1º e 4 de agosto e contou com a presença dos responsáveis pelas 175 turmas de alfabetização previstas para acontecer em Minas Gerais. Segundo Maria José Santos, da coordenação política e pedagógica da jornada no estado, a ação teve como objetivo possibilitar às educadoras e aos educadores a apropriação sobre o método cubano, para que, a partir das realidades concretas dos territórios periféricos mineiros, eles possam ensinar a ler e a escrever, em apenas 5 meses.
“O encontro foi uma síntese do que estamos realizando dentro da jornada ao longo deste ano, inspirados na pedagogia de Paulo Freire, nos princípios da solidariedade e no método cubano ‘sim, eu posso’”, explicou.
Ela reforça que a iniciativa cumpre papel estratégico, ao desenvolver um processo político e educativo vinculado ao trabalho de base. Assim, na avaliação de Santos, a partir de ações de solidariedade, é possível o fortalecimento das organizações populares e da luta pelo fim do analfabetismo.
Pollyana Dias, educadora popular, militante do MST e integrante do Mãos Solidárias, concorda com a importância da proposta e relembra que as jornadas de alfabetização, que antes aconteciam apenas dentro dos acampamentos e assentamentos, estão se espalhando nas periferias das grandes cidades.
“Para o MST, essa iniciativa é parte de uma luta histórica por direito à educação para todos, especificamente para aqueles que historicamente foram excluídos do acesso à alfabetização. Isso se conecta com o próprio projeto político e pedagógico do movimento, como instrumento de emancipação na transformação social dos sujeitos”, reforça Dias.
Um diferencial da iniciativa está justamente no perfil dos educadores, que são pessoas engajadas e comprometidas com a transformação de suas comunidades por meio da educação popular e conhecedoras da realidade dos territórios.
As turmas de alfabetização irão acontecer em Ribeirão das Neves, Santa Luzia, Vespasiano, Lagoa Santa e Belo Horizonte, além das regiões do Médio Paraopeba e do Vale do Jequitinhonha e Mucuri.
O encontro
Polyana Dias ainda destaca que o encontro de formação com os educadores populares foi um momento rico, que gera ainda mais expectativas com o início das turmas.
“Foi muito rico e cheio de troca de experiência entre os educadores, coordenadores de turma estaduais e parceiros da jornada. Durante esses quatro dias, tivemos rodas de conversa, apresentações culturais, e muito mais”, ressaltou.
O encontro também foi uma possibilidade de fortalecimento dessa rede de atuação, possibilitando avaliar os avanços alcançados com a jornada até aqui e planejar os próximos passos coletivamente.
Dias enfatiza que, embora existam desafios a serem superados, principalmente em relação à infraestrutura, o projeto tem contado com o envolvimento ativo de lideranças populares locais.
“Nas diferentes regiões do estado, tem sido uma recepção bastante positiva. Em muitos territórios, essa jornada representa a primeira oportunidade concreta de aprender a ler e escrever. As famílias têm reconhecido o valor do trabalho dos educadores e dessa frente de mobilização que a gente tem feito”, explica.
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Processos formativos
De acordo com Santos, os processos formativos envolvem, além do estudo, a solidariedade ativa, o cuidado mútuo e a busca ativa de quem ainda não teve a oportunidade de se alfabetizar. Ambas as coordenadoras da jornada pontuam que o encontro gerou relatos tocantes.
“Estávamos, por exemplo, com uma educadora que tinha a demanda de um local com acessibilidade, já que a sua mãe seria uma das alfabetizadas em sua turma. Esse é um dos relatos que mais mexeu comigo, porque é uma filha que está aprendendo um método para alfabetizar a sua mãe”, relatou Dias.
Durante o encontro, o educador e alfabetizador da jornada Iury Gabriel de Jesus Cassiano, de Betim, destacou o contato com a comunidade cigana, com visitas e um diálogo no qual participou a ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo.
“A comunidade cigana tem a sua etnia própria, tem que ser respeitada e tem valor, como cada pessoa. O educador tem o risco de querer ensinar e de não estar aberto a aprender. E eu tive que aprender isso, porque, quando conheci a comunidade cigana de fato, percebi como outras realidades são diferentes. Eles têm muito a ensinar e o nosso método de alfabetização está aberto a isso, a aprender com as realidade de cada comunidade”, contou Cassiano, durante uma das rodas de conversa promovidas durante o encontro em Sarzedo.
Já a vereadora Marcela Menezes (PT), de Ribeirão das Neves, destacou a parceria firmada entre o MST e outras entidades que atuam nos territórios, de forma a criar uma rede fundamental, como é o caso do coletivo Balaio, o qual ela é fundadora.
“O trabalho de base começa com o reconhecimento do território. No ano passado, o MST entrou em diálogo com o coletivo em um movimento de pensar com quem era possível firmar parceria em Neves. Ao olhar para o território de Neves, o Balaio fez a mesma coisa. Identificamos as comunidades e lideranças que tínhamos relação, os movimentos e outros parceiros. Assim, se formou um grupo muito representativo na cidade e consolidamos mais de 30 turmas lá”, relatou a parlamentar.
A metodologia
No Brasil, milhões de pessoas ainda enfrentam o analfabetismo e esse desafio é resultado das desigualdades históricas e estruturais da sociedade. Para o MST, a erradicação dessa lacuna é essencial para garantir a inclusão social, promover o desenvolvimento sustentável e fortalecer a democracia.
Nesse, sentido a jornada nacional, fruto de uma articulação entre Ministério da Educação (MEC), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Mãos Solidárias e organizações locais e regionais de Minas Gerais, se apropria do método cubano “sim, eu posso”, que já foi aplicado com sucesso em diversos países como Cuba, Nicarágua e Venezuela, além de experiências anteriores no Brasil.
Reconhecido por sua eficácia, ao alfabetizar jovens e adultos em um período entre quatro e cinco meses, a metodologia propõe autonomia para educadores e educandos. Desenvolvido pelo Instituto Pedagógico Latino-Americano e Caribenho (Iplac), o método foi inspirado na Campanha de Alfabetização de 1961 em Cuba, que eliminou o analfabetismo no país naquele ano, envolvendo massivamente a sociedade.
As aulas têm duas horas e meia de duração, em um modelo de aula em telenovela, que foi pensado para se aproximar de uma linguagem já bastante conhecida pelo povo brasileiro.
“Falar do método é falar de uma potente ferramenta de formação e emancipação, principalmente nas periferias. O método tem sua eficácia porque respeita o tempo do aprendizado e constrói com quem teve seus direitos negados”, contextualiza Pollyana Dias.
Mãos Solidárias
A jornada de alfabetização é uma das frentes do Projeto Mãos Solidárias, que atua ainda com as cozinhas solidárias e a realização de plantios solidários para abastecê-las. Em todas essas frentes de trabalho, é possível se envolver enquanto voluntário, como explica Dias.
“Tem várias formas de se envolver, contamos agora com o fortalecimento da formação desses educadores. Durante os quatro meses da jornada, é possível apoiar a mobilização das turmas nos territórios ou ainda com a doação de materiais”, destaca.
O foco daqui em diante é consolidar as turmas e garantir que o processo permaneça de forma contínua.
“Em cada sala de aula, com 15 a 20 alunos, temos uma conquista, não só do direito à leitura e à escrita, mas também do fortalecimento de sua autonomia, assim como fala Paulo Freire. Um novo modo de enxergar, de ler o mundo com outros olhos, e assim formar sujeitos criticamente pensantes”, conclui a educadora.
“Retornamos para os nossos territórios com a missão de alfabetizar, a partir de uma construção coletiva e solidária. Ainda há muitos passos e desafios a enfrentar, mas contamos com a solidariedade dos sujeitos nos territórios e, ao fim deste ano de 2025, ainda esperamos realizar as formaturas, de forma a comemorar juntos a alegria de milhares de pessoas poderem ler e escrever”, complementa Maria José Santos.
Para obter mais informações, entre em contato pelo telefone (31) 98021-5934 ou pelo perfil no Instagram @maos_solidariasmg.