Os acontecimentos guerreiros atuais na Palestina, na Ucrânia e a violência dos ataques do presidente norte-americano contra o Brasil trouxeram à minha memória o Por que a guerra? de Sigmund Freud e o meu trabalho, O Édipo entre o duelo e a guerra. Nele, mostro as contradições do poder político, mas em especial, como o Direito não consegue deter a violência subjacente ao seu exercício.
Essa incapacidade é em grande parte devida à perversão da chamada sociedade democrática que cria mecanismo de exceção para manter os privilégios do capitalismo imperial. O poder soberano, como já disse em outro lugar, decreta a excepcionalidade transfigurando a gramática que subentende a palavra democracia. Isso se encontra maravilhosamente exposto no livro de Alain Badiou, Em Busca do Real Perdido.
É necessário fazer uma leitura conceitual abrangente para compreender que o capitalismo imperial, certamente, atacaria o Brasil depois da constituição dos Brics. O mascaramento que o deep state encontrou para justificar sua virulência contra o Brasil foi a defesa de uma família de idiotas fascistas, cujo chefe é um paspalho que a subversão democrática tornou presidente e agora é réu sob a acusação de chefiar uma trama golpista.
O despotismo de Donald Trump não bloqueou sua esperteza para usar a máscara conveniente da defesa da extrema direita brasileira. Portanto, o dirigente americano não hesitou em interferir na ordem estatal da soberania brasileira com suas taxações absurdas e o emprego da lei Magnitsky contra o judiciário brasileiro como se fosse um monarca planetário.
Evidentemente, é sabido que todo império decadente apela para a guerra em grande escala, tentando manter, pelas armas ou violência política, seu poder mundial. Neste momento de deflagração da guerra subjacente à política planetária, o líder surge como expressão do poder coletivo, seja na sua expropriação capitalista ou na forma da resistência daqueles que o poder despótico pretende dominar.
Quando Freud escreveu Por que a guerra?, em 1932, respondendo a Albert Einstein, mostrou a impossibilidade de um domínio, pela Lei, da pulsão de morte, mas é necessário trazer para nossa reflexão o sistema nocional de Carl von Clausewitz que utilizei no meu texto ora citado. O general intelectual Clausewitz do exército prussiano de Frederico II na Alemanha, já mostrava implicitamente em seu livro Da guerra, o encontro entre Karl Marx e Freud, mas principalmente evidenciava como a política era o modus operandi da guerra. Certamente, Clausewitz não tinha conhecimento do complexo de Édipo, mas o seu sistema conceitual é notavelmente calcado no Édipo e isso, naturalmente, é inconsciente.
A leitura desse livro inevitavelmente conduz ao duelo edipiano, no qual a criança enfrenta o “despotismo do pai”, ou seja, do monismo desse enfrentamento para o que chama “a trindade da guerra”, isto é, aquilo que corresponde, na perspectiva psicanalítica, ao Complexo de Édipo. Clausewitz chama a guerra declarada de “estranha trindade” e esse componente trinitário estará dialeticamente presente no duelo entre os estrategistas da guerra. A guerra, portanto, está em curso no planeta embutida no jogo de xadrez da política internacional.
O imaginário coletivo turbinado pelas big techs, propriedade de mega empresários, não imaginava que ao enfrentar o Brasil encontraria a liderança monumental de Lula. Eis o erro político dos estrategistas da Casa Branca!
O poder coletivo emanado do povo foi extremamente aviltado nas chamadas democracias ocidentais quando as pessoas perderam sua condição de sujeitos históricos e passaram a ser instrumentos do imaginário capitalista. Essa condição de consciência reificada que Georg Lukács tematizou em História e consciência de classe, Marx já havia antecipado em O capital, no âmbito do fetichismo da mercadoria. Entretanto, desde o seu texto Grundisse e na sua Crítica da economia política, o autor de O capital já previa a transformação fetichista do próprio homem. Assim, o trabalho que fabricava o homem se tornava a feitiçaria que o escravizava.
O valor trabalho nivelou todas as mercadorias, incluindo a força de trabalho humana. O homem, que desde tempos imemoriais era vítima de suas próprias ilusões – e Platão mostrou isso magistralmente na sua Alegoria da caverna, quando as pessoas confundem sua sombra com a realidade – com o advento do capitalismo imperialista, a ilusão alegórica foi instrumentalizada. O fetiche é a própria divisão da personalidade humana e sua presença no indivíduo corresponde à perversão e, na sociedade, à alienação, pois tudo é mercadoria no capitalismo imperialista. O imaginário individual dentro do império capitalista vai se combinar com o imaginário coletivo, e dessa conjunção o fetichismo será a mais legítima expressão.
A consciência reificada, ou seja, a do homem tornado mercadoria, servirá de abrigo ao fetiche, tanto na forma individual quanto social. O poder coletivo do trabalhador é anulado pelo entretenimento, situação que Guy Debord chamou sociedade do espetáculo. O imaginário social utiliza a máscara democrática que esconde o real inatingível. Isso permite ao déspota levar adiante seu despotismo em nome da defesa da liberdade. A gramática é subvertida para que as palavras democracia e liberdade possam ser utilizadas pela tirania do fetichismo da mercadoria dinheiro. O exemplo mais notável na atualidade é o genocídio em curso na Palestina, recebendo inclusive a aprovação da maioria das populações de Israel e EUA e a indiferença silenciosa da Europa civilizada.
Esse mascaramento do real encoberto pelo imaginário é impenetrável ao argumento da razão, sendo o seu nutriente mais importante as chamadas big techs controladas pelo fetichismo do dinheiro. Tal irracionalidade torna o povo judeu, que no passado recente foi vítima do mais diabólico planejamento de assassinato em massa, defensor em grande medida do holocausto palestino. Certamente, que isso também é possível devido ao processo de fanatização religiosa promovida pelo sionismo, tal como acontece com a extrema direita mundial que recebe o apoio da teologia pentecostal. É essa a maquinaria diabólica que Donald Trump maneja, tal como um Nero contemporâneo.
*Valton de Miranda Leitão é médico, psicanalista didata da Sociedade Psicanalítica de Fortaleza (SPFOR)
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.