O sul de Minas Gerais pode virar zona de sacrifício ambiental para alimentar a indústria da guerra. Mineradoras estrangeiras aguardam por licenças ambientais para a extração de terras raras em áreas de Mata Atlântica em Caldas e Poços de Caldas, municípios da região, preocupando ambientalistas e moradores.
O conjunto de 17 elementos químicos chamados de terras raras é cobiçado pela indústria tecnológica, principalmente depois da popularização de Inteligências Artificiais. No entanto, o uso das terras raras vai além da tecnologia utilizada no cotidiano e abrange a indústria armamentista.
“Por causa da resistência ao calor, as terras raras são essenciais para o funcionamento de drones, mísseis balísticos e bombas inteligentes. São materiais estratégicos também para a indústria militar”, explica o físico e ambientalista Daniel Tygel.
Conforme Tygel, as terras raras têm características que permitem a miniaturização de produtos eletrônicos, tornando possível, por exemplo, a produção de capacitores menores.
“As terras raras são elementos com uma capacidade única de magnetização. Isso permite a construção de ímãs permanentes extremamente potentes, mesmo em pequenas dimensões, e que mantêm essa propriedade em altas temperaturas”, explica.
Ambientalistas e moradores da região têm alertado para a falta de participação popular nas decisões que envolvem os licenciamentos. Além disso, apontam consequências irreversíveis de uma mineração predatória no sul de Minas.
“A hora de lutar contra isso é agora. Não tem como ser depois. Será muito difícil parar depois que isso for aprovado, porque não vai parar aqui. É o começo de um grande complexo de projetos que vão modificar totalmente não só a nossa sociedade como a nossa região”, alerta a cientista política Nara Gomes, que vive em Poços de Caldas.
Duas empresas australianas aguardam pela aprovação de um licenciamento pela Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) para a exploração em Caldas e Poços de Caldas. Além disso, 223 empresas brasileiras e de fora do país estão autorizadas a pesquisar a viabilidade dessa atividade no local.
Risco de dano irreversível
Chamada de Planalto Vulcânico, a cratera localizada no sul de Minas é uma das maiores do Hemisfério sul e surgiu a partir de um conjunto de vulcões que sucumbiram. O território abrange municípios como Andradas, Caldas, Ibitiúra de Minas, Santa Rita de Caldas e o paulista Águas da Prata.
A região de Mata Atlântica tem espécies endêmicas de fauna e de flora e características aquíferas únicas. Além da presença de águas medicinais, a região abastece toda a bacia do Rio Grande, passando por municípios de Minas Gerais e São Paulo, encontrando o Rio Paraná e desaguando na Argentina.
“A gente é a caixa d’água que alimenta cidades envolvendo milhões de pessoas. É uma área de extrema relevância e importância ambiental”, explica o ambientalista Daniel Tygel.
As mineradoras interessadas no Planalto Vulcânico do sul de Minas pretendem explorar terras raras por meio do método de lixiviação, que pode ser feita de duas maneiras: in situ e por ciclo fechado.
Segundo o físico, a lixiviação in situ perfura o solo e injeta ácido para extrair a argila iônica. Esse método foi abandonado na China — maior referência mundial em extração de terras raras — devido aos impactos ambientais agressivos provocados no país.
Já o método de lixiviação por ciclo fechado não deixa de ser perigoso, uma vez que a tecnologia não está consolidada. Além disso, o ambientalista alerta para a grande quantidade de terra que precisaria ser extraída.
“É uma coisa alucinante: você tira a argila, leva para um local fechado e, nesse local fechado, faz a lixiviação. É preciso grandes volumes para poder explorar, porque, para cada tonelada que você lixiviou, você só consegue tirar 1,5 kg ou 2 kg no máximo de carbonato de terras raras”, explica Tygel.
Resistência cresce
Em resposta ao avanço da mineração predatória no sul de Minas, surgiram movimentos locais como a Aliança em Prol da APA da Pedra Branca e o grupo Terra Viva. A militância exige debates públicos, estudos ambientais independentes e soberania popular.
Além da audiência pública realizada em fevereiro em Caldas, ativistas divulgam um abaixo-assinado em Poços de Caldas. Para Nara Gomes, essa é uma oportunidade de pressionar a prefeitura poços-caldense e também de informar a população.
“Não estamos tendo nenhuma dificuldade em convencer as pessoas de que isso é um problema. É muito escancaradamente ruim para a população”, finaliza.
Também em Poços de Caldas, a Justiça Federal suspendeu a cessão de uma área do campus da Universidade Federal de Alfenas (Unifal) para uso de uma das mineradoras. A decisão foi fruto de uma Ação Civil Pública movida pela Aliança em Prol da APA da Pedra Branca e reconheceu irregularidades no projeto.