Desde o fim de março, temos presenciado um fato no mínimo inusitado: um banqueiro que não tem medido esforços, financeiros e políticos, para vender metade de seu banco, Banco Master, para um banco público, o BRB.
Em tempos de valorização do mercado e da esfera privada e de demonização do estado, esta transação soa e cheira estranho, até porque um outro banco privado, o BTG Pactual, numa operação “mercado raiz” teria oferecido R$ 1,00 (um real!) por tal instituição.
Por que o BRB teria avaliado então pagar R$ 2 bilhões por 58% do capital total e 49% das ações ordinárias do Banco Master? Tal decisão do seu acionista controlador, o Governo do Distrito Federal (GDF), se levada a cabo atenderia a quais interesses? Ou estaríamos assistindo mais uma vez a socialização de prejuízos privados com utilização de recursos de instituições públicas?
Observe-se. O BRB foi constituído mediante autorização concedida para a então Prefeitura do Distrito Federal, nos termos da Lei Federal nº 4.545/1964, com vistas ao fomento do desenvolvimento econômico do nascente ente federativo.
A Lei Orgânica do Distrito Federal em seu artigo 144, § 1º também confere ao BRB papel de destaque como organismo de fomento do desenvolvimento econômico, social e ambiental da região, bem como lhe assegura a função de agente financeiro do Tesouro do DF, reforçando assim fecunda e perene fonte de recursos.
Logo, sua condição de sociedade de economia mista impõe a atenção precípua e permanente ao interesse coletivo – aqui entendido como interesse público primário, o interesse da sociedade e não os de seus governantes de ocasião – como disposto, inclusive, no artigo 173 da Constituição Federal de 1988, aqui transcrito:
“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.” (grifamos)
Assim, constata-se que tanto a Lei 4545/1964, que autorizou a constituição do banco, quanto a Lei Orgânica do DF, que dispõe sobre estrutura e competências dos poderes e órgãos públicos do DF, apresentam dispositivos que deixam explícitos que o BRB é uma instituição de fomento com competência de implementar e operacionalizar políticas públicas, projetos e programas do Distrito Federal e ações de desenvolvimento econômico, social e ambiental da região.
E disso decorre como inevitável refletir: onde e de que forma resta demonstrado que essa pretendida transação assegura o respeito e a atenção devida ao interesse coletivo da sociedade do DF?
Como essa transação poderia ampliar e aprimorar o exercício da função social do BRB?
Ao ser anunciada no final de março com toda a pompa pelo governador do Distrito Federal e pelo Presidente do BRB, a operação envolvia originalmente a aquisição de cerca de R$ 50 bilhões em ativos — já desconsiderando R$ 23 bilhões classificados como problemáticos e de baixa liquidez. Pois bem, passados 4 meses daquele anúncio, e após os escrutínios de analistas do Banco Central, o montante de ativos do good bank alcança R$ 25 bilhões – agora excluindo R$ 48 bilhões em ativos do bad bank.
Ausência de transparência e interesse coletivo
E, segundo anunciado àquela data, o BRB havia contratado consultorias jurídica e financeira especializadas para elaborar o valuation e avaliar os riscos operacionais, financeiros e reputacionais da operação. O que dizer dessa inversão do tamanho do perímetro da operação “nas barbas” das consultorias e dos órgãos estatutários do BRB e de controle interno do GDF? Se houve tamanha redução no volume de tamanho de ativos a adquirir, qual seria o novo valor da participação acionária?
Até agora nenhum administrador do BRB e do GDF se pronunciou sobre o assunto, o que indica a ausência de transparência e o desrespeito ao interesse coletivo por parte desses gestores públicos.
Ademais, desde a divulgação da transação, veio a público o desenho da estratégia de mercado do Banco Master: instituição que alavancou captações com compromisso de elevada remuneração – CDB pagando 140% do CDI, ancorado na garantia do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) – para aplicar em ativos problemáticos e pouco líquidos. Qual sinergia esse modelo traria para o BRB, além de deterioração da qualidade da carteira de crédito e do aumento do custo de captação do pretendido conglomerado prudencial a ser instituído após a transação?
E como se não bastasse, a imprensa tem destacado fatos que depõem contra a reputação do Banco Master, algo essencial para instituições financeiras, dos quais citamos alguns dessas últimas semanas: irregularidades em venda de ativos ao próprio BRB; superavaliação do valor de ativos imobiliários; calote em prestadores de serviços; e fraudes em crédito consignado.
Nesse caso, fica a questão: as diligências prévias feitas pelas consultorias especializadas contratadas não enxergaram esses fatos e/ou os administradores que integram os órgãos estatutários o BRB e os gestores do GDF também não acompanham o noticiário, ou não se importam em firmar parceria societária com instituição com os divulgados riscos reputacionais?
Quem ganha?
Enfim, se o modelo de negócios do Banco Master pouco acrescentaria ao papel de instituição de fomento do BRB, quem ganharia com tal transação, além dos atuais acionistas daquele banco que encontrariam um porto seguro para equacionar suas dificuldades de administrar uma instável estrutura patrimonial, e de outros atores à espreita de oportunidades de negócios com ativos de difícil realização e de baixa liquidez?
Por fim, duas observações. A primeira relativa à supervisão e fiscalização do BC, que parece ter fechado os olhos e deixado correr solta, nos últimos anos, a estratégia de mercado de instituições que colocam em risco o patrimônio do FGC – situação essa retificada por Resolução recente do Conselho Monetário Nacional.
A segunda observação, refere-se ao papel central que a Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) pode desempenhar nesse momento. Se, inicialmente, a CLDF havia acompanhado a posição do GDF da não necessidade de autorização legislativa prévia para a efetivação dessa pretendida transação, a decisão recente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), recoloca nas mãos e consciências dos deputados distritais tal responsabilidade de decidir.
Nós, cidadãos do quadradinho, que reconhecemos e defendemos a importância de bancos e/ou estruturas e arranjos institucionais públicos especializados e direcionados ao financiamento de atividades e/ou setores que se deparam com restrições nos mercados privados — seja pelo elevado volume de recursos demandados, seja pelo seu alto risco inerente, seja pelo baixo retorno, ou seja pelo longo prazo de maturação do investimento, condições essas que não atraem as instituições privadas – esperamos, sinceramente, que a CLDF decida pela não autorização da realização dessa transação, e assim preserve o BRB focado na atuação como instituição de fomento do DF e na atenção ao interesse coletivo de nossa sociedade, e protegido de contágios financeiros e de reputação de outros interesses.
*Eduardo Araújo é presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato – DF.