O II Encontro Nacional do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM) começa neste domingo (24), em Fortaleza, no Ceará, e promete reunir mais de duas mil pessoas de todas as regiões do país para debater um novo modelo de uso dos recursos naturais. Ao Brasil de Fato MG, integrantes da delegação mineira ressaltaram os temas que devem ocupar centralidade nos debates, que ocorrem até a quinta-feira (28), na Universidade Federal do Ceará (UFC).
No intervalo entre o primeiro encontro nacional, que aconteceu em 2018, e o segundo, a ser realizado este ano, um crime, cometido pela mineradora Vale, marcou a história do Brasil. O rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, portanto, será uma pauta importante levada às reuniões, segundo Marcelo Barbosa, da coordenação estadual do MAM em Minas.
“Ainda é muito caro em Minas Gerais esse debate sobre a questão da segurança na mineração, tanto dos trabalhadores, quanto das comunidades, mas que, na nossa visão, está longe de ser um uma coisa técnica, está muito mais relacionado com a lógica de produção. Esse é um debate fundamental”, lembra.
Outro tema importante, de acordo com ele, é a transição energética, em especial relacionada aos minerais críticos como lítio, no Vale do Jequitinhonha, e as terras raras, em Poços de Caldas.
“Basicamente, todos esses estão hoje concentrados e sendo explorados em alguma medida aqui em Minas Gerais, então coloca o estado na centralidade desse debate que está relacionado não só com o Brasil, mas com a geopolítica de forma geral”, sinaliza.
Em que pese haver uma narrativa que utilize esse debate como recurso para saída da crise ambiental e climática, segundo Luiz Paulo Siqueira, biólogo e coordenador nacional do MAM, essa é uma estratégia para continuidade de uma exploração desenfreada sem espaço para diálogo.
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“Há uma tentativa do capital de sufocar qualquer outro debate, qualquer questionamento sobre a exploração dos minerais ditos críticos e estratégicos. É necessário a gente levar como que as comunidades estão sendo sufocadas, destruídas, com a sistemática violação de direitos, perdendo sua água, deteriorando a saúde”, alerta.
“É necessária uma resistência coesa, unitária a nível nacional, mas principalmente a construção de uma política de mineração que se atente a esses minerais de críticos e estratégicos, rompendo com esse projeto do capital que só quer expandir a exploração destinada a exportação, aprofundando um projeto de subdesenvolvimento para o Brasil, especialmente para Minas Gerais”, continua.
Saberes internacionais compartilhados
No encontro, estarão presentes também representantes de populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas, assentamentos rurais, famílias camponesas e de ambientes urbanos afetados. Além disso, o encontro contará com a presença de trabalhadores e trabalhadoras do setor mineral.
Organizações internacionais de países que também convivem com fortes impactos da atividade mineradora também vão participar. Na lista estão nações como Peru, Bolívia, Chile, Cuba, Guatemala, México, África do Sul e Moçambique. Esse intercâmbio de saberes, ideias e vivências de diferentes localidades será importante para estabelecer um debate ainda mais profundo sobre a mineração, como afirma Barbosa.
“Se for olhar, por exemplo, o que está acontecendo em Moçambique, com a Vale, a gente vê muitas semelhanças com o Quadrilátero Ferrífero. Essa lógica da superexploração do trabalho é a lógica da impunidade frente às violações. Acho que a gente tem muito o que acumular com esses países. Se for falar, por exemplo, da Bolívia, que vai ter representação no encontro, o debate sobre a transição energética é fundamental. As maiores reservas de lítio do mundo estão na Bolívia hoje”, explica.
Importância dos diálogos
Para Siqueira, em todas as frentes é possível construir diálogo, alianças e formas de enfrentamento.
“O modelo de mineração, que é internacional, é controlado e operado pelos bancos internacionais, pelo grande capital financeiro e são as mesmas multinacionais que atuam em vários países, especialmente no sul global. Então nós precisamos ampliar nossas alianças com um conjunto de organizações desses outros países para construirmos uma solidariedade a nível internacional, mas uma aliança de luta, de resistência contra esse projeto que atenta contra nossos territórios”, realça.
O biólogo ressalta, ainda, a importância da realização do evento em Fortaleza, uma vez que o Nordeste brasileiro tem se tornado foco de intensas disputas pelo subsolo, posicionando-se no centro de um debate nacional sobre soberania e o modelo de mineração.
“É uma aposta da construção do encontro no Ceará para que a gente consiga sair com a região Nordeste ainda mais fortalecida. Um segundo ponto são todas as atrocidades que também tem acontecido na região, com o caso da Braskem, em Maceió, com o caso da tentativa de abertura de mina de urânio em Santa Quitéria, no Ceará, e outros. Ceará é o segundo estado também com maior número de pesquisas de lítio avançando. A Bahia já se tornou o terceiro estado a nível nacional que mais minera no Brasil”, complementa.
Encontro também fortalece a cultura
Paralelamente aos debates, as noites do encontro serão palco para primeira Feira Cultural da Agrobiodiversidade. A iniciativa evidencia a força produtiva e cultural dos territórios que se encontram sob ameaça ou já foram afetados pela mineração e abre espaço para exposição e comercialização de produtos da agricultura familiar e agroecologia.
A programação cultural da feira complementa a pauta política, com apresentações de artistas locais e nacionais de diversos gêneros, a exemplo do rap, forró, reggae e samba. Muitos deles vêm de regiões diretamente atingidas pela mineração e usam a arte para expressar resistência, identidade e denúncia.