O panorama do anúncio já adiantava: entre cinco filmes concorrentes, apenas uma criação totalmente ficcional. A Mostra Sedac Iecine de Longas Gaúchos deste 53º Festival de Cinema de Gramado, nas tardes do Palácio dos Festivais, tem recebido mais público neste ano tanto dentro do cinema quanto em seus debates, na sequência, na Sociedade Recreio Gramadense.
E a safra é das boas: não são poucos os comentários emocionados após as sessões. Ainda há parte da imprensa especializada que repita, mais uma vez, que alguns dos títulos selecionados vistos valeram mais a vinda à Serra do que as atrações noturnas.
O último concorrente é Passaporte Memória, de Décio Antunes, produção da Atama, que vem de Pelotas – o terceiro filme consecutivo com fotografia do premiado caxiense Bruno Polidoro. Na obra, um emigrante brasileiro que vive em Paris retorna à sua cidade natal e se defronta com lembranças da infância durante a ditadura militar.

Na tarde de quinta-feira (21), a projeção de Rua do Pescador, nº 6, documentário de Bárbara Paz na Ilha da Pintada no calor do momento do resgate dos moradores logo após a enchente de 2024, atraiu mais integrantes da imprensa nacional.
Chamado de obra-registro pelos seus realizadores, o longa estreou no É Tudo Verdade deste ano e foi vencedor da Mostra Nacional no Festival de Bonito, mas o nome de projeção até internacional da atriz gaúcha de Campo Bom como diretora também atrai muitos olhares.

Depois de uma série de off das entrevistas dos moradores atingidos, enquanto sobem os créditos da produção, o menino Renan encerra o longa, enfrentando a câmera. “Obrigada, Renan”, diz Bárbara. Ele responde: “De nada”.
Para os gaúchos, quem viveu e esteve bem do lado da catástrofe, não é fácil “encarar” este filme. Ainda é muito cedo. Precisamos de mais tempo para encarar como “História”. Para os espectadores de fora do Rio Grande do Sul, a produção é uma contribuição importante.
As marcas narrativas dos selecionados da 53ª edição

Sensibilidade e cuidado são palavras associadas aos longas brasileiros dirigidos por mulheres nesta edição: porém, as mesmas características valem para os títulos gaúchos e ainda para os curtas brasileiros em competição. Outro fato a ser observado é um número grande de curta-metragistas e montadores estreando na direção de longas.
São protagonistas infantojuvenis, figuras animais como metáforas e inspirações, temáticas sociais, resgate da memória, atitude feminina e personagens trans em evidência. Todos esses elementos destacados na tela formaram uma cartografia territorial interessante para os privilegiados espectadores que puderam acompanhar todas as mostras na Serra.

E os primeiros vencedores já serão conhecidos na noite desta sexta-feira (22). Após a estreia de Cinco Tipos de Medo, de Bruno Bini, que movimentou a Mostra Competitiva de Longas Brasileiros na noite anterior, a penúltima noite do evento terá a cerimônia de premiação de Longas-metragens Gaúchos e de Curtas-metragens Brasileiros, no Palácio dos Festivais, às 20h.
Antes, às 18h, será exibido o último documentário concorrente, Até Onde a Vista Alcança, de Alice Villela e Hidalgo Romero, na Mostra Competitiva de Documentários Brasileiros. Filmado em São Paulo, o longa acompanha um guerreiro indígena Kariri-Xocó que redesenha no chão o território memorial de seu povo, planejando uma nova retomada e conectando terra, política e espiritualidade.
Secretaria da Cultura promove noite de celebração do cinema gaúcho

Cinco títulos do Rio Grande do Sul disputam premiações em dinheiro e o Kikito em 11 categorias. São eles: Bicho Monstro, de Germano de Oliveira; Passaporte Memória, de Décio Antunes; Quando a Gente Menina Cresce, de Neli Mombelli; Rua do Pescador, Nº 6, de Bárbara Paz; e Uma em Mil, de Jonatas e Tiago Rubert.
Além de premiar os longas gaúchos em competição, o Instituto Estadual de Cinema (Iecine) ainda destinará, na noite desta sexta-feira (22), o Troféu Leonardo Machado, os Prêmios Iecine e os Kikitos da Mostra Sedac/Iecine de Longas-Metragens Gaúchos.
Antes, à tarde, foi exibido no Teatro Elisabeth Rosenfeld Um é Pouco, Dois é Bom. O filme de Odilon receberá o Prêmio Iecine Destaque. Obra atemporal, a produção de 1970 destaca-se por sua qualidade artística considerada singular e pioneira para o cinema negro brasileiro. A produção recentemente recebeu uma cópia restaurada, que atraiu cinéfilos e críticos à Serra para não perder a oportunidade de rever o clássico em tela grande.
O Prêmio Iecine Inovação vai para os realizadores Victor Di Marco e Márcio Picoli, por seu olhar original e sensível sobre o universo PcD. Já o cineasta Gustavo Spolidoro recebe o Prêmio Iecine Legado, por sua capacidade múltipla e pioneirismo.
Homenageada recentemente no Festival Santa Cruz de Cinema, e anteriormente com o Troféu Cidade de Gramado (agora descontinuado), Araci Esteves será consagrada, desta vez, com o Prêmio Leonardo Machado. Integrante do elenco de Bicho Monstro, exibido na quarta-feira (20), na terceira tarde de competição, a veterana atriz já estava com seu discurso pronto.
A artista de 86 anos faz questão de falar sobre o colega Leonardo Machado, que dá o nome ao prêmio. “Conheci e trabalhei com ele, em Valsa para Bruno Stein (2007). Era um bom ator e uma boa pessoa. Maravilhoso, lindo, de uma educação, tinha tudo de bom. Não podia morrer”, afirma. O ator Leonardo Machado faleceu precocemente em setembro de 2018, aos 42 anos, devido a um câncer agressivo no sistema digestivo.
Protagonista de dois marcos do cinema gaúcho, Anahy de las Misiones (1997) e Um é Pouco, Dois é Bom (1970), a atriz segue na ativa: “Acabei de fazer um curta em Pelotas, sobre uma coisa muito atual: a solidão, porque hoje só nos relacionamos por meio do celular”.
Sobre o longa de Odilon, Araci também enxerga atualidade na temática: “Revi, depois de anos e anos, a cópia restaurada com os dois episódios do filme, na Cinemateca Capitólio. Ele não é datado, a história daquele casal permanece atualíssima”.