Uma decisão da Justiça de São Paulo garantiu a permanência do Teatro de Contêiner Mungunzá no centro da capital paulista por mais 180 dias. A liminar, concedida após pedido da companhia artística, representa uma “grande vitória” para os artistas, que desde maio enfrentam ameaças de despejo, notificações administrativas e, mais recentemente, uma ação violenta da Guarda Civil Metropolitana (GCM).
O ator e cofundador da Cia Mungunzá de Teatro Leo Akio disse ao Brasil de Fato que a liminar é uma conquista importante. “A prefeitura está numa pressão muito grande, e esse processo nos dá respiro para negociar melhor a mudança do teatro”, avalia o artista.
A decisão também inclui o uso do térreo do prédio vizinho, na rua General Couto de Magalhães, número 385 – espaço que era utilizado para atividades do grupo e que foi alvo da ação violenta da GCM no dia 19. Segundo o juiz do caso, está proibida a entrada da Guarda Civil Metropolitana e de outros órgãos públicos no imóvel pelos próximos seis meses.
A juíza Nandra Martins Da Silva Machado reconhece que não houve urgência que justificasse o prazo de 15 dias imposto pela prefeitura e destacou que a desocupação súbita colocaria em risco o patrimônio cultural e imaterial da cidade. A magistrada também menciona a existência de um inquérito do Ministério Público que apura eventual abuso de autoridade por parte da gestão municipal na condução do caso.
A liminar estabelece que a companhia permaneça no imóvel da rua dos Gusmões, número 43, e também no térreo do prédio ao lado, por pelo menos 180 dias. O pedido apresentado à Justiça argumenta que a retirada imediata da companhia comprometeria a execução de projetos culturais em curso com recursos públicos, inclusive os contemplados pelo Programa Municipal de Fomento ao Teatro e pela Política Nacional Aldir Blanc (Pnab).
O documento também menciona o processo em andamento para realocação do grupo para um imóvel da União, que ainda depende de trâmites administrativos e cartoriais e levará, no mínimo, seis meses para ser viabilizado. “Esse tempo é essencial para que possamos nos preparar para uma transição segura, sem interromper os projetos e atividades em andamento”, pontua Akio.
GCM agiu sem ordem judicial
No dia 19 de agosto, agentes da GCM invadiram o prédio anexo ao teatro, que estava sendo usado como depósito de cenários, figurinos e espaço de ensaio. A ação ocorreu poucas horas após o indeferimento de um pedido administrativo de prorrogação de prazo feito pelos artistas.
Segundo a petição apresentada à Vara da Fazenda Pública, a demolição de parte do imóvel e a ação violenta ocorreram sem alvará e sem autorização judicial, em desrespeito à legislação municipal e à Constituição. O documento aponta ainda que o prédio encontra-se em processo de tombamento pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp).
Vídeos divulgados por artistas e apoiadores mostram a atuação dos agentes com uso de spray de pimenta e violência física contra os ocupantes do espaço.
Cultura ameaçada por remoções
A decisão judicial também reconhece a importância do teatro como equipamento cultural e social da cidade. A Cia Mungunzá está entre os grupos reconhecidos como patrimônio imaterial de São Paulo e integra o Plano Municipal de Salvaguarda dos Teatros de Grupo, aprovado pelo Conpresp em 2024. O espaço, instalado em contêineres reutilizados, foi construído com recursos próprios da companhia e, desde 2017, oferece programações artísticas gratuitas no centro da capital.
O local também é considerado território de interesse da cultura e da paisagem (TICP), conforme o Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo. “Toda essa estrutura foi construída coletivamente e atende um público diverso, muitas vezes invisibilizado pelas políticas culturais tradicionais. O teatro é parte do território”, defende Akio.