No início de agosto, uma mulher vítima de estupro denunciou em veículos de imprensa do Distrito Federal que teve o útero perfurado, após recorrer ao serviço de aborto legal disponibilizado pela Secretaria de Saúde do DF (SES-DF). O caso ocorreu em abril e de acordo com a denúncia da paciente ela enfrenta complicações de saúde em decorrência do procedimento e não foi mais atendida desde então.
Diante da repercussão do caso, o Sindicato dos Enfermeiros do DF (SindEnfermeiros) realizou uma fiscalização no dia 14 de agosto para apurar as circunstâncias do fato. O Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei (PIGL) funciona no Hospital Materno Infantil (Hmib) e é regulamentado desde 1996, pela Resolução do Conselho de Saúde nº 01/1996.
Em nota, o SindEnfermeiros informou que após diálogo com as profissionais que atuam no PIGL, verificou-se que a paciente foi atendida para uma Aspiração Manual Intrauterina (Amiu), com fácil acesso ao serviço e todos os cuidados necessários. No entanto, houve uma intercorrência. “Perfuração uterina é um evento adverso que ocorre em 0,3% dos casos de Amiu. No local, onde a paciente foi atendida, nunca havia ocorrido”, afirma o sindicato.
O Hmib é uma referência para todos os permissivos legais para interrupção gestacional nos casos permitidos pela legislação brasileira: violência sexual, risco à vida da gestante e anencefalia. Casos de risco à vida e anencefalia são atendidos, respectivamente, pelo Setor de Alto Risco e pela Medicina Fetal, cujo acesso é via regulação pela Unidade Básica de Saúde (UBS). Casos de violência sexual são acolhidos pelo PIGL destinado às pessoas vítimas de violência sexual que estejam gestantes em decorrência deste tipo de crime e que pleiteiam o direito ao aborto legal.
Conforme a nota do sindicato sobre a fiscalização no Hmib, após o procedimento de interrupção da gestação, a paciente teve consultas de retorno no Hmib, com enfermeira, médica, psiquiatra e psicóloga. “Atualmente, a paciente é acompanhada por serviço de referência para pessoas ostomizadas, e aguarda liberação para a reconstrução intestinal, conforme relatou em reportagens”.
O sindicato destacou ainda que o caso, não se trata de erro médico, mas de um evento adverso. “Sua demanda atual não está no escopo de atuação do serviço de aborto legal, estando dependente da SES-DF para convocação aos exames pré-operatórios e à cirurgia”.
De acordo com dados disponibilizados pela Secretaria de Saúde do DF (SES-DF), no primeiro semestre de 2025, foram realizados 199 procedimentos. Em 2024, foram 302 procedimentos; e em 2023, 211 procedimentos.
A maioria dos atendimentos é realizado com “mulheres cis entre 25 e 40 anos, a maioria se autoafirma negra, cristã e heterossexual; com ensino médio completo e residentes de RA fora do Plano Piloto, ganhando entre 1 e 2 salários mínimos”. Além disso, 13 crianças e adolescentes entre 10 e 18 anos foram atendidas no primeiro semestre de 2025; 41 em 2024; e 31 em 2023.
A pasta confirmou a informação do sindicato de que “até abril de 2025, quando ocorreu o fato, não foi registrada nenhuma ocorrência de perfuração uterina em procedimentos executados pelo PIGL”.
O programa realiza o atendimento e a avaliação no pós-procedimento para verificar se ainda existe alguma necessidade de intervenção em relação à gestação. Após o procedimento, faz o encaminhamento para as unidades básicas de saúde, Centros de Especialidades para Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual, Familiar e Doméstica (Cepav), Serviço Social, Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e Conselho Tutelar.

Atendimento especializado
A unidade do PIGL funciona com uma equipe multiprofissional, incluindo assistente social, enfermeira, médicas ginecologistas e psicóloga. O Hmib é o único hospital do Distrito Federal a oferecer esse tipo de serviço, sendo referência para a Região Integrada de Desenvolvimento (Ride). “O programa oferece um acolhimento humanizado às mulheres que procuram o serviço. Os profissionais são capacitados para o atendimento”, disse a SES-DF em nota.
“Quando realizada em unidade de saúde e por equipe capacitada, a interrupção gestacional é um procedimento seguro, com baixa incidência de eventos adversos”, aponta a nota do SindEnfermeiros.
Ainda de acordo com o Sindicato, a equipe do PIGL/Hmib é reconhecida como referência nacional e internacional no atendimento humanizado às pessoas gestantes em decorrência de violência sexual. “Em maio deste ano, o PIGL/Hmib recebeu a visita de uma delegação de deputadas e senadoras estadunidenses, que foram ao serviço aprender como é ofertado o direito à interrupção gestacional prevista em lei em um sistema universal de saúde”, relata a nota.
A equipe do programa também foi convidada pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) a compor a Rede Sentinela Internacional de serviços que ofertam cuidados às pessoas em situação de abortamento e pós aborto. Em julho, a equipe foi convidada pelo Grupo de Trabalho sobre Discriminação de Mulheres e Meninas da Organização das Nações Unidas, para falar sobre seus protocolos de atendimento, considerados de referência para serviços de saúde e para o progresso dos direitos reprodutivos.
“A equipe do PIGL/Hmib tem se consolidado como referência internacional em humanização do cuidado às pessoas em situação de violência sexual e abortamento”, finaliza a nota.
Como buscar atendimento
Nos casos de gestação em decorrência de violência sexual, o PIGL/Hmib funciona em regime de porta aberta, ou seja, não é necessário encaminhamento ou regulação.
Acesso ao serviço: demanda espontânea (usuário pode comparecer diretamente ao local) ou encaminhamento da rede. Pode ser feito agendamento pelo Whatsapp 3449-7667.
Horário de funcionamento: segunda a sexta-feira, das 7h às 12h e das 13h às 18h.
Endereço: Hospital Materno Infantil DR. Antônio Lisboa – HMIB. Av. L2 Sul SGAS Quadra 608 Módulo A – Asa Sul, DF, 70203-900 (entrada pelo ambulatório, primeiro corredor a esquerda ao lado do serviço social)