Em São Leopoldo, cidade da Região Metropolitana de Porto Alegre, está em tramitação o projeto de lei de autoria do vereador Anderson Etter (PT) que instituí o Programa Municipal de Incentivo ao Uso do Transporte Público Coletivo por Ônibus, cria o Fundo Municipal de Melhoria da Qualidade e Subsídio ao Transporte Coletivo (FSTC) e implementa a Tarifa Zero no serviço do transporte público coletivo no município.
Em reunião aberta na Câmara de Vereadores de São Leopoldo, na última terça-feira (20), o projeto foi detalhado pelo autor da proposta, para a comunidade esclarecer dúvidas sobre o financiamento e a implantação da tarifa zero. Se for aprovada, a medida se dará de forma progressiva até 2027 no município.
A tarifa zero proposta consiste em garantir a gratuidade do transporte público para todos os usuários, sem restrições de linhas e horários. O objetivo é ampliar o acesso da população a serviços essenciais, como saúde, educação e lazer, assegurando a manutenção da frota e melhorias na qualidade dos serviços prestados.
“Nós chegamos a 138 cidades no Brasil, mais de 8 milhões de brasileiros são beneficiados com essa política pública”, defende Etter. Segundo o vereador, será proposta uma audiência pública para que a comunidade tome conhecimento, não apenas do projeto de lei, mas de todo o conceito da tarifa zero.
Em março deste ano, a Câmara de Vereadores de São Leopoldo aprovou a Frente Parlamentar em Defesa da Tarifa Zero no Transporte Coletivo, composta pelos vereadores Anderson Etter (PT), autor da proposta, Fábio Bernardo (PT), Karina Camilo (PT), Ricardo Luz (PT), Daniel Daudt (PL), Fabiano Haubert (PDT).

Melhorar a vida das mulheres
Moradora do bairro Arroio da Manteiga e integrante do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (Comdim), Jéssica Fernanda Gonçalves relata o impacto do serviço de transporte público na vida das mulheres chefes de família. “Sempre que acontecem restrições de horários, somos nós [mulheres] que mais sofremos, porque somos nós que levamos nossos filhos no médico.”
Gonçalves lembrou das dificuldades das mulheres periféricas. “Temos que escolher se compramos o leite da criança, se fazemos o almoço ou a janta, ou se tratamos da doença.” Além disso, ela reforçou que são as mulheres que levam os filhos nas escolas. “Muitas crianças atravessam a cidade para ir à aula de meio turno, então a mãe tem que levar e ficar ali perdendo um tempo para poder voltar com o filho.”
Segundo ela, a tarifa zero também contribuí para o combate à violência de gênero. “Quando uma mulher sofre qualquer tipo de violência lá no bairro, ela precisa registrar um boletim de ocorrência, a gente sabe que existe como registrar online, mas muitas ainda têm dificuldades de escrever, de mexer no aparelho celular, então ela precisa vir até a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam). A tarifa zero é uma política de qualidade, ela contribui principalmente para melhorar a vida dessas mulheres.”
Atualmente, o sistema de transporte coletivo opera com 78 linhas municipais, com uma frota de 120 veículos, sem subsídio da Prefeitura Municipal de São Leopoldo. Ou seja, tendo em vista que a maior parte dos passageiros do transporte público é a população mais pobre, são as pessoas de menor renda que financiam esse sistema.
Justiça social, inclusão e sustentabilidade
A política pública de tarifa zero no transporte coletivo se amplia em todo o país, com avanços na economia local das cidades e de mobilidade urbana. O relatório sobre tarifa zero da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), mostra o recente crescimento da medida, visto que 73% das cidades que possuem aderiram ao programa a partir de 2020. O relatório aponta ainda que a adoção da tarifa zero apresenta potencial para promover justiça social, inclusão e sustentabilidade.
As medidas de financiamento que o projeto prevê são o Fundo Municipal de Melhoria da Qualidade e Subsídio ao Transporte Coletivo (FSTC) com previsão orçamentária anual, a reversão dos valores de taxas e multas provenientes de fiscalização, demais receitas destinadas ao município proveniente da arrecadação como o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), arrecadação estacionamento rotativo, e de demais receitas para subsídio ao transporte coletivo.
Conforme o estudo da Jevy Cidades, Organização Não Governamental (ONG) de São Paulo, contratada pelo mandato de Etter, para realizar o estudo técnico e de viabilidade de implementação da tarifa zero no município, o custo de implementação é de aproximadamente R$ 48.374.617,00, menos de 3% do orçamento de 2025 da Prefeitura de São Leopoldo.

No RS, quatro cidades adotam a tarifa zero
No Rio Grande do Sul, a tarifa zero é adotada em Pedro Osório, no sul do estado, desde novembro de 2018, em Parobé, no Vale do Paranhana, desde março de 2022, em Portão para as zonas rurais do município, desde outubro 2022, e em Canoas, desde a enchente de maio de 2024 como medida emergencial, prorrogada até 31 de dezembro de 2025.
No minidocumentário Tarifa Zero: Cidade em disputa, produzido pela Fundação Rosa Luxemburgo em parceria com o Brasil de Fato, o coordenador de Projetos na Fundação Rosa Luxemburgo e pesquisador sobre mobilidade, Daniel Santini, destaca que praticamente se deixou de falar em horário de rush, pois tem congestionamento durante todo o dia. “A gente tem uma naturalização, uma invisibilização de condições de mobilidade que não deveriam ser aceitas, mas que se tornaram rotineiras.”
Santini critica os investimentos em medidas individuais, que não resolvem o colapso da mobilidade urbana. “Uma destinação massiva de fundos para tentar viabilizar uma estrutura motorizada que não resolve, tentando resolver os congestionamentos, ampliando a avenida, ampliando, construindo túnel, abrindo espaço para mais carro e moto, você só vai ter mais carro e moto, e o trânsito vai piorar. É um paradoxo, em vez de investir no transporte público, em vez de tentar ampliar a estrutura, garantir qualidade e tornar o transporte público mais acessível.”
O direito à mobilidade é um direito básico universal, assegurado na Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional 90 de 2015, iniciativa da deputada federal Luiza Erundina (Psol-SP), na época no PSB, que determina que o Estado brasileiro, em todas as suas esferas, assegure o direito à mobilidade para todas as pessoas.
O Marco Legal da Mobilidade Urbana, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, propõe a reestruturação do modelo de prestação dos serviços de transporte público coletivo, estabelecendo princípios, diretrizes, objetivos e definições fundamentais da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU). Entre seus pontos centrais, destaca-se a preocupação com a integração entre os diferentes modais, que devem ser acessíveis física e economicamente à população, bem como a exigência de padrões de qualidade que garantam eficiência, segurança e dignidade na prestação dos serviços.
O minidocumentário Tarifa Zero: Cidade em disputa mergulha na rotina de superlotação, exaustão e exclusão de quem enfrenta um transporte público caro, precário e desigual. Com uma análise crítica das políticas urbanas, revela como o sistema de mobilidade reforça injustiças sociais, raciais e territoriais, enquanto consome tempo, saúde e renda das populações mais vulnerabilizadas. Especialista apontam a tarifa zero como ponto de partida para repensar a cidade, ampliando o acesso a direitos básicos, combatendo desigualdades e contribuindo para a redução das emissões de gases de efeito estufa em um cenário de crise climática.