A Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) divulgou o relatório que apresenta dados que revelam a precariedade, violência e falta de assistência nas unidades prisionais da Capital Federal. O documento traz números relativos ao primeiro semestre de 2025, coletados a partir de denúncias de casos de violações apresentadas à Comissão.
Ao todo, foram registradas 292 demandas, das quais 108 (37%) se enquadram na categoria de maus-tratos e violência, a mais recorrente. Em seguida, aparecem denúncias relacionadas à alimentação e nutrição com 58 registros (20%) e visitas/revistas vexatórias (54 registros). Segundo o relatório, “o cerne das reclamações está ligado à violação direta de direitos fundamentais e à negligência institucional em assegurar condições mínimas de dignidade, segurança e convivência familiar”.
Outras demandas incluem saúde física e assistência médica (34 casos, 12%), saúde mental e psicossocial (8 casos, 3%), infraestrutura (15 casos, 5%), questões judiciais e administrativas (2 casos, 0,8%) e outros tipos de reclamação (13 casos, 4,5%).
“As 292 denúncias foram os casos que chegaram diretamente na Comissão por meio visita à instituição, advinda de denúncias ou a partir de um acompanhamento. Então esses números vieram por meio das diligências, das visitas técnicas até por meio de denúncias de familiares pelos canais da Câmara Legislativa ou até mesmo presencialmente.”, explica a coordenadora da Comissão na CLDF Keka Bagno. A Comissão de Direitos Humanos é presidida pelo deputado distrital Fábio Felix (Psol-DF).
Segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária do DF (Seape) atualmente existem 18.115 internos no sistema prisional, somando todas as unidades de cumprimentos de medidas. Na Penitenciária Feminina do Distrito Federal (PFDF), mais conhecida como Colmeia, são 800 internas.
As denúncias de maus-tratos ocupam o primeiro lugar em volume e descrevem um cenário de violência sistemática contra os detentos. Diversos relatos, conforme aponta o relatório, acusam agentes penitenciários de agressões físicas e psicológicas, abuso de poder e tratamento desumano.
Em 30 de junho deste ano, Cleiciano das Neves Dantas, 22 anos, morreu no Centro de Detenção Provisória (CDP) da Papuda. De acordo com a Secretaria de Administração Penitenciária (Seape/DF), policiais penais foram acionados por outros presos por volta das 6h40 após o jovem passar mal. Ao chegar à cela, encontraram o rapaz inconsciente e sem sinais vitais. Segundo a pasta, o óbito foi constatado às 6h51 por uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
No entanto, para a família do jovem ele foi vítima de espancamento e tortura. No período em que ficou sob custódia do Estado, Dantas não pôde receber visitas da família. O caso segue ainda sob investigação.
Alimentação como direito fundamental

A alimentação adequada é reconhecida internacionalmente como um direito humano fundamental, previsto, por exemplo, no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no artigo 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU.
O sistema prisional de Brasília reflete a precarização da qualidade dos alimentos oferecidos nas unidades. No relatório da CLDF, há relatos de comida insuficiente, estragada ou de baixa qualidade. Uma queixa afirma que “a comida chega estragada, banhada em óleo”, provocando mal-estar generalizado. Outra denúncia anônima da PDF 2 menciona que a comida “tá pouca”, deixando internos com fome.
Também foram relatadas faltas de água potável e atrasos nas refeições, com consequências como náuseas, diarreias e fraqueza entre os detentos. Familiares ressaltam que “uma alimentação digna é o mínimo” a ser garantido, mesmo para quem cumpre pena.
Um estudo do Laboratório de Gestão de Políticas Penais (LabGepen) da Universidade de Brasília (UnB) corrobora essa realidade: em 92% dos presídios brasileiros, a alimentação é pouco variada; em 30,79%, há insuficiência de proteína; e, em 68%, foram registrados casos de impurezas nos alimentos.
“Temos verificado que tanto no sistema prisional quanto no socioeducativo ela apresenta as mesmas características. É uma alimentação insegura para as pessoas que estão nesse momento de privação de liberdade. Por isso, temos um olhar muito crítico sobre o tema, porque, se a proposta do sistema prisional ou do socioeducativo é a ressocialização, o mínimo que a pessoa deve ter é dignidade humana.”, afirma Bagno.
Visitas e dignidade
As reclamações sobre visitas representam 18% do total, ou seja, 54 ocorrências. Entre os problemas relatados estão restrições indevidas, revistas vexatórias e barreiras burocráticas, afetando o direito à convivência familiar, essencial para a ressocialização.
De acordo como o relatório, em um caso no Centro de Internamento e Reeducação (CIR), dentro do Complexo da Papuda, uma visitante relatou ter passado por “revista vexatória humilhante […] no sol das 13:30h”, sendo obrigada a se despir em pleno pátio — prática que se repetiu em outros depoimentos e configura violação da intimidade e dignidade.
Saúde como direito humano

As demandas relacionadas à saúde física correspondem a 11,6% das denúncias (34 registros). Familiares denunciam que internos não recebem atendimento médico adequado, mesmo em casos graves, incluindo doenças não tratadas, falta de medicamentos e demora no transporte hospitalar. Internos diabéticos sem acompanhamento médico ou dieta adequada chegaram a registrar complicações graves, incluindo tentativas de suicídio.
A saúde mental também é preocupante, com oito casos (3,1%) registrados, principalmente nos meses de maio e junho. As denúncias incluem ausência de atendimento psiquiátrico especializado, surtos psicológicos não manejados, risco de autoagressão e impactos do ambiente prisional. Um familiar relatou que “meu filho está abalado mentalmente pelas condições estruturais da ala em que está”, evidenciando que superlotação, higiene precária e isolamento agravam o adoecimento psíquico.
A coordenadora da Comissão destaca que as justificativas tanto no sistema socioeducativo, quanto no sistema prisional, é a falta de escolta para que as pessoas tenham acompanhamento da saúde mental. “Para nós, isso não é algo secundário; deve ser uma prioridade. Temos acompanhado a atuação do CNJ [Conselho Nacional de Justiça], que tem se posicionado de forma enfática em todo o país para que a reforma psiquiátrica seja cumprida. Há anos o Brasil carrega essa dívida histórica com o fechamento das ATPs, e, infelizmente, essa situação está se dando de forma muito cruel. Para nós, isso também é algo extremamente preocupante, ” diz ela.
Questões relacionadas a problemas estruturais nas penitenciárias representam 5,1% das demandas (15 ocorrências), incluem superlotação, instalações insalubres, falta de ventilação, cortes de água e ausência de manutenção. Embora menos frequente, a precariedade estrutural potencializa impactos negativos em saúde e segurança.
As questões jurídicas e administrativas, envolvendo pedidos de transferência, acesso a benefícios e contestação de sanções disciplinares, somam 4,5% das denúncias (13 registros), revelando lacunas no acesso a direitos processuais e administrativos.
Desdobramentos
De acordo com a comissão, o relatório foi apresentado ao secretário de Administração Penitenciária do DF (Seape), Wenderson Souza e Teles, no dia 9 de julho.
“Apresentamos para que ele tenha conhecimento do que está acontecendo na ponta e procure formas de romper com essas violações de direitos humanos.”, afirma Keka Bagno.
Além da Seape, segundo a Comissão, as denúncias têm sido encaminhadas e acompanhadas em conjunto com as Secretarias de Saúde e Educação, o Ministério Público e a Defensoria Pública, garantindo atuação integrada. “Fiscalizamos o Executivo, mas também buscamos construir soluções junto à rede de políticas públicas do DF, equilibrando fiscalização e mediação para resultados concretos na ponta”, destaca Bagno.
A Secretaria de Administração Penitenciária do DF (Seape) foi procurada para esclarecer sobre que medidas estão sendo tomadas diante das denúncias apresentadas pelo relatório, até o fechamento desta reportagem não obtivemos resposta. O jornal segue aberto para manifestações.
Como denunciar violações de direitos humanos
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