Após 40 anos de disputa, as 621 famílias moradoras da comunidade do Horto, na zona sul carioca, podem respirar aliviadas. Um acordo firmado em audiência pública realizada no dia 14 de agosto estabeleceu os termos do acordo de permanência, considerado satisfatório tanto pela Associação dos moradores quanto para o Instituto de Pesquisa Jardim Botânico (JBRJ). O acordo foi mediado pelo Ministério Público Federal (MPF) e a Secretária Geral da Presidência da República (SGPR).
“A gente considera que é um acordo que avança bastante naquilo que era necessário, principalmente para a garantia da permanência”, diz o vice-presidente da Associação de Moradores e Amigos do Horto, Felipe Guimarães de Melo. Ele explica que com a assinatura do acordo coletivo, a próxima etapa é o acordo individual.
Entre os parâmetros já estabelecidos para esta avaliação individual, informa a SGPR, estão que as reformas necessárias deverão ser realizadas dentro do próprio terreno e autorizadas pela Comissão de Acompanhamento, que possui participação de moradores e respeitando a lei. Para Melo, essas permissões são importantes uma vez que a maioria das casas possui mais de 50 anos e a necessidade de reformas e melhorias para a conservação dos imóveis se torna inevitável. Em relação à titularidade dos imóveis, ela está garantida por tempo indeterminado para cada família e esse direito poderá ser transferido aos herdeiros em caso de falecimento.
Em nota enviada à reportagem, o JBRJ reforçou que os termos do acordo incluem o não crescimento da comunidade e que a solução encontrada levará a “uma convivência não apenas pacífica como também com sinergias entre o Jardim e a comunidade”.
Responsável por acompanhar de perto esse desfecho, a deputada estadual Marina do MST (PT-RJ) comemorou o resultado do acordo. “Estamos falando de mais de 600 famílias que estão há gerações ocupando essa região de forma pacífica, promovendo inclusive ações de preservação ambiental. É importante frisar que não são invasões. Muitos dos residentes atuais são descendentes desses grupos pioneiros. É uma conquista inédita nesses 40 anos de disputa, e um grande passo pela preservação da identidade cultural e social dessas famílias”.
Histórico de disputas
A comunidade do Horto está localizada em território da União e nos últimos 40 anos foi alvo de inúmeras tentativas de remoção por parte de ações da Advocacia Geral da União (AGU). O impasse mais recente estava relacionado à delimitação da área do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico que a partir dos anos 2000 moveu processos contra parte da comunidade para a retirada das casas sob o argumento de que estavam dentro do perímetro do JBRJ.
Para solucionar a disputa, em 2023 foi criado um Grupo de Trabalho Técnico (GTT) coordenado pela Secretaria Geral da Presidência da República. Em seu relatório final, publicado ainda em abril de 2024, o GTT conclui que “a alternativa mais racional seria a construção de soluções que conciliassem os interesses de permanência da Comunidade e, ao mesmo tempo, preservassem o patrimônio histórico, cultural e ambiental do JBRJ”.
A decisão é reforçada por alguns documentos anexados ao relatório, como o parecer do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em que “não se identificam restrições à permanência das famílias na área tombada, no entanto como em qualquer área protegida, cabe ao IPHAN indicar as diretrizes de preservação do bem cultural”.
Há também o respaldo histórico, uma vez que a comunidade foi inicialmente formada por trabalhadores do Jardim Botânico, que foram obrigados por lei a residirem nas imediações conforme texto do decreto nº 4.439, de 26 de julho de 1939, que aprova o Regimento do Serviço Florestal Brasileiro. Em seu artigo 19 está escrito: “O Diretor do S. F., o almoxarife, o chefe dos jardineiros, o porteiro e o feitor terão residência obrigatória na área da sede do S. F., isto é, o Jardim Botânico e ex-Horto Florestal da Gávea”.
Essa determinação presidencial levou a outros trabalhadores a também a habitarem a região e que além de conservarem o Jardim Botânico, foram responsáveis pela manutenção da região do Horto. “A gente cresceu brincando dentro do Jardim Botânico, vendo tudo quanto é cobra, pássaros, macacos. Então sempre tivemos um respeito pelo habitat natural”, conta o vice-presidente da Associação e neto de um trabalhador do Jardim Botânico.
Essa preocupação com a conservação do território foi constatada pela relatório da Secretaria Geral. De acordo com o texto, a comunidade não está crescendo e recebe serviços de água, coleta de esgoto e lixo regularmente. “Os caminhos que levam aos núcleos das comunidades são limpos e sem lixo acumulado. Percebe-se, também, espaços lúdicos destinados às crianças e ações de preservação de fauna e flora desenvolvidas através de parceria entre a Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Cidade do Rio de Janeiro e a comunidade”, diz o relatório.
A ressalva feita pelo relatório e confirmada pela assessoria de imprensa é de que cinco casas estão em risco e essas famílias precisam ser realocadas. “A situação dessas famílias será discutida com a Prefeitura e o Jardim Botânico, mas a Secretaria-Geral da Presidência já definiu como prioridade o respeito total à dignidade dessas pessoas”, informou a assessoria. Para o vice-presidente da Associação de Moradores e Amigos do Horto, a própria comunidade tem espaço para realocar essas cinco moradias. Ele acrescenta que desde 2021 o Horto é uma Área Especial de Interesse Social, conforme lei (7.184/2021) aprovada na Câmara dos Vereadores e neste momento a comunidade aguarda a aprovação de outro projeto de lei na Câmara municipal para transformar a área em comunidade tradicional.