Com o regime de urgência aprovado na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (PL) que amplia a isenção de cobrança do Imposto de Renda para trabalhadores que ganhem até R$ 5 mil reais, e reduz progressivamente a alíquota para rendas de até R$ 7.350, pode ser levado ao plenário a qualquer momento.
O PL 1.087/2025, de autoria do Poder Executivo, teve relatoria do deputado Arthur Lira (PP-AL), que manteve a proposta praticamente intacta. A única modificação foi o aumento do valor do rendimento mensal para a redução progressiva da alíquota. Na proposta do governo, essa medida beneficiaria rendas de até R$ 7 mil. Lira aumentou esse teto para R$ 7,35 mil.
Até aí há acordo quase unânime dos partidos. Ninguém quer dizer não a uma medida que deve beneficiar cerca de 26 milhões de trabalhadores brasileiros – 10 milhões serão beneficiados com a isenção e outros 16 milhões de trabalhadores terão a alíquota reduzida. No entanto, parte da oposição, sobretudo a extrema direita, não concorda com a taxação dos mais ricos.
O governo propõe taxar rendas superiores a R$ 600 mil anuais, com uma tributação mínima de 10%. Segundo o Ministério da Fazenda, a medida atingirá apenas 0,13% dos contribuintes, que hoje pagam, em média, 2,54% de Imposto de Renda e renderia cerca de R$ 34 bilhões aos cofres públicos, cobrindo os R$ 25,8 bilhões perdidos com as novas regras de isenção.
A oposição trabalha para alterar esses números, e apontam que a medida tem caráter arrecadatório. “O problema é que fizemos um pedido de informação para o TCU [Tribunal de Contas da União] e o próprio relator [Arthur] Lira, e eles reconhecem que o projeto tem um fundo arrecadatório, ou seja, você passa uma impressão, você quer agradar uma um eleitorado na véspera de uma eleição”, disse o deputado federal bolsonarista Marcel van Hattem. “É uma medida eleitoreira”, completou.
Essas declarações acenderam o alerta sobre uma possível articulação da extrema direita para desfigurar o projeto enviado pelo governo e retirar do texto a taxação dos super ricos, algo que o governo já disse que não abre mão.
“Se isso de fato acontecer, vai tornar a lei deformada pela Câmara dos Deputados, que vai [a lei] se tornar inconstitucional”, avalia Jorge Folena, advogado, cientista político e presidente da Comissão de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).
Folena lembra que, segundo a Constituição, qualquer aumento de despesa precisa estar acompanhado de uma fonte compensatória de recursos.
Já a cientista política Mayra Goulart agrega que, sem a compensação, se inviabilizaria o equilíbrio fiscal e o próprio funcionamento do Estado.
“Esse é o elemento que garante o equilíbrio fiscal. A ideia de que essa proposta vai ter impacto zero. Até mesmo as fileiras mais liberais, que fazem parte do arranjo de forças da direita, enfatizam a lógica do equilíbrio fiscal”, considera. Assim, Goulart acredita que a oposição bolsonarista não teria força para sustentar a retirada da compensação com a taxação das rendas mais altas. “Eu não acredito que a oposição tenha força para tirar do PL a compensação da arrecadação com a taxação das altas rendas, mas não por questão de força interna no parlamento. A articulação entre as elites políticas é mais em termos de força social”, destaca a especialista.
“As elites sozinhas, em termos absolutos, em termos eleitorais, são muito pequenas. Por isso, eu acredito que o PL não vai ter base social para tirar esse elemento do projeto”, finaliza, reforçando que a proposta foi elaborada pelo governo para ter neutralidade orçamentária.
‘Chantagem’
Para a deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP) a ameaça da extrema direita nada mais é do que uma forma de chantagem para impedir o avanço de pautas progressistas e blindar ainda mais o parlamento.
“Eu acredito que essa ameaça de não prever a compensação no projeto do imposto de renda seja parte das chantagens que o centrão vem fazendo com o governo para que não avance qualquer matéria de caráter progressivo. E não é coincidência que essas chantagens apareçam justo no momento em que o ministro Flávio Dino implica novo bloqueio em emendas parlamentares. É como parte dos parlamentares sabe agir”, avalia Bomfim.
Já o deputado federal Rogério Correia (PT-MG), vice-líder do governo na Câmara, acredita no isolamento da extrema direita, caso a estratégia se mantenha. O relatório do Artur Lira mantinha a cobrança dos ricos também, dos muito ricos para sustentar. Então pode ser que o PL [Partido Liberal] e o Novo tentem isso, mas não prospera. Nós vamos ficar vigilante, fazer denúncia. Mas sim, é possível que tentem porque para eles é só oposição e boicote.
Janela de oportunidades
Para Folena, o momento exige coragem para enfrentar o autoritarismo do centrão que, embora seja maioria no Congresso e domine boa parte dos estados e municípios, não consegue ganhar uma eleição desde 2002, com exceção de 2018, quando Jair Bolsonaro (PL) teve sua vitória facilitada pela prisão do principal candidato do campo da esquerda, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Foram os muito pobres, a maioria do povo brasileiro, que elegeram o presidente Lula. Então é a hora de ampliar isso, é a hora de levar adiante esse projeto vanguardista democrático para o Brasil. É a grande janela de oportunidades que se abre”, considera o cientista político.
“Tá faltando coragem”, segue Folena. “Ou a gente tem coragem, ou não tem coragem. Se a gente não tiver coragem, nós estamos roubados. Os caras vão capturar. Nós ganhamos das bigs techs em 2022, mas não sei… se a gente continuar com medo, eles vão vir com muito mais força para 2026. E pode o Lula ganhar a eleição e o [Donald] Trump não reconhecer a vitória de Lula.”, avalia.