Entre 29 e 31 de agosto, Porto Alegre abrigará a 6ª Conferência Estadual das Cidades, o principal fórum de debate sobre o futuro urbano do Rio Grande do Sul. O evento reunirá gestores públicos, movimentos sociais, trabalhadores, empresários e especialistas para discutir e formular políticas de desenvolvimento urbano mais inclusivas e sustentáveis. A conferência, que ocorrerá no Continental Hotel (Largo Vespasiano Júlio Veppo, 77), serve como etapa preparatória para a 6ª Conferência Nacional das Cidades, agendada para outubro em Brasília.
Com o tema “Desenvolvimento urbano: caminhos para cidades inclusivas, democráticas, sustentáveis e com justiça social”, a conferência busca consolidar a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU). Esta política visa articular ações essenciais em habitação, saneamento e mobilidade, abordando desafios prementes como emergências climáticas e desigualdades territoriais.
No contexto do Rio Grande do Sul, o encontro adquire uma urgência particular, impulsionado pela necessidade de reconstrução do estado após as enchentes de 2024. Ao longo de três dias, os participantes terão a oportunidade de debater e votar propostas que serão levadas à etapa nacional, eleger delegados para Brasília e escolher os novos conselheiros do Conselho Estadual das Cidades.
A expectativa é que a Conferência Estadual reúna mais de 500 participantes. Um relatório estadual, contendo todas as propostas aprovadas, a lista de delegados e as moções apresentadas, será publicado em até 15 dias após o encerramento do evento.

Mobilização popular para realização da conferência
Coordenadora da Conferência Estadual das Cidades e integrante do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), Ceniriani Vargas da Silva, conhecida como Ni, enfatizou que a organização do evento no Rio Grande do Sul foi resultado direto da mobilização popular.
“A Conferência Estadual das Cidades aqui no nosso estado foi convocada pela sociedade civil em abril de 2024, pouco antes da enchente. O Estado não havia se organizado naquele momento para fazer essa convocação, e a sociedade civil assumiu esse chamamento”, explicou Ni. Ela acrescentou que, no início de 2025, o governo passou a colaborar no processo de organização, demonstrando a importância da unificação de forças para a realização da conferência, dada a relevância dos temas abordados.
O MNLM, segundo Ni, levará delegados de 12 municípios gaúchos onde atua e participará ativamente da eleição do Conselho Estadual das Cidades. Ela mencionou que um decreto anterior do governo estadual havia reduzido a participação da sociedade civil nesse conselho, mas há uma forte expectativa de que um novo decreto seja publicado, “ampliando novamente a participação da sociedade civil organizada” após diálogo.
Transição climática e inclusão social
A professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e pesquisadora do Observatório das Metrópoles, Vanessa Marx, ressaltou a importância da 6ª Conferência Estadual das Cidades como um passo crucial para a formulação do Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano. “Esse é um momento importante da retomada das conferências em âmbito nacional, discutidas em nível municipal, estadual e depois nacional, para construir um plano nacional debatido com todos os entes da federação”, afirmou Marx.

Ela detalhou que a política nacional se estrutura em eixos como habitação, saneamento, mobilidade, gestão democrática e financiamento, além de abordar temas transversais como sustentabilidade ambiental, transição climática e transformação digital.
Para a pesquisadora, o Rio Grande do Sul desempenha um papel emblemático nesse debate, especialmente após as enchentes de 2024. “O grande volume de chuvas que enfrentamos recoloca as cidades no centro da discussão. O estado é um caso importante na administração de uma crise que ainda não foi resolvida”, avaliou. Marx destacou que 32 municípios gaúchos já realizaram conferências municipais, enviando propostas e delegados para a etapa estadual.
No que tange à inclusão social, Marx defendeu a integração entre moradia popular e saneamento básico. “É fundamental aliar a habitação de interesse social ao saneamento, como instrumentos de gestão urbana para a sustentabilidade e a transição climática, especialmente em cidades afetadas pelas enchentes”, pontuou. Ela concluiu que o RS pode contribuir decisivamente para o debate nacional, compartilhando a experiência das enchentes para fortalecer o eixo da transição ecológica, aliado às políticas urbanas para a população mais vulnerável, sempre considerando as dimensões de gênero, raça e classe nas cidades.

Desafios urbanos
De acordo com a Secretaria de Habitação e Regularização Fundiária (Sehab), o objetivo primordial da conferência é “propiciar a interlocução entre autoridades e gestores públicos com os diversos segmentos da sociedade, incluindo a participação popular, sobre assuntos relacionados à Política Nacional de Desenvolvimento Urbano”.
A Sehab enfatiza que o evento representa uma oportunidade ímpar para refletir sobre as transformações necessárias para que as cidades se tornem locais com maior qualidade de vida e justiça social, ouvindo trabalhadores, empresários, organizações sociais, gestores, profissionais e movimentos populares.
Entre os desafios prioritários, destaca-se a moradia digna. Em 2019, o déficit habitacional no RS era de 226 mil domicílios, conforme dados da Fundação João Pinheiro. As enchentes de 2024 agravaram a situação, deixando 160 mil desabrigados. Para a secretaria, é crucial consolidar uma política habitacional que promova a urbanização de favelas e periferias, com foco na regularização fundiária.
Outro ponto central é o mapeamento e a realocação de famílias em áreas de risco. A Sehab avalia que o Estado precisa avançar em políticas de infraestrutura resiliente, que incluam drenagem, saneamento e mobilidade urbana adaptadas às mudanças climáticas.
Com esse propósito, a secretaria instituiu um comitê científico interno para desenvolver alternativas para políticas públicas de habitação. A proposta é que a atualização dos planos diretores municipais incorpore os novos riscos climáticos. “O conceito de Segurança Habitacional deve nortear esse processo. Os desafios exigem soluções estruturantes e participação popular efetiva”, reforça a Sehab.
Reconstrução pós-catástrofe de 2024
Para a Sehab, é imperativo repensar os planos diretores e ampliar a conscientização sobre os riscos da ocupação em áreas vulneráveis. “Nosso Estado precisa pensar alternativas de prevenção e readequação às novas realidades que todo o planeta enfrenta, cuidando das pessoas prioritariamente e garantindo desenvolvimento sustentável e seguro”, destaca a secretaria.
Durante a crise, a Sehab assegurou abrigos e reconstrução habitacional. A conferência é vista como plataforma para transformar essas experiências em propostas concretas que orientem a PNDU, especialmente na prevenção de riscos, adaptação climática e direito à moradia. O espaço também abre debate sobre inovação, como a implantação de 625 Módulos Habitacionais Transportáveis e a adoção de métodos construtivos mais ágeis.

Influência nas políticas públicas
A expectativa é que os resultados da conferência consolidem diretrizes estaduais capazes de influenciar significativamente as políticas públicas. “O desenvolvimento urbano precisa se dar de forma sustentável, com redução de desigualdades e respeito às territorialidades e características de cada comunidade”, aponta a Sehab.
As propostas devem abranger instrumentos para capacitação técnica, reassentamento, urbanização de assentamentos precários e regularização fundiária, sempre com foco na segurança climática.
Integrante da ONG Acesso – Cidadania e Direitos Humanos, Júlio Alt reforça que os debates da conferência devem abordar os principais desafios urbanos do RS, especialmente após as enchentes de 2024. Para ele, o maior desafio é a refundação do Conselho Estadual das Cidades, para que seja “capaz de refletir e gerar soluções complexas para enfrentar a desigualdade e a injustiça territorial, superar o déficit habitacional agravado pela crise climática, garantir mobilidade acessível e ampliar o saneamento e a drenagem urbana”.
Alt avalia que os resultados da conferência podem influenciar diretamente as políticas públicas. “As propostas aprovadas podem orientar planos diretores e políticas urbanas, articuladas a programas nacionais de habitação, saneamento, mobilidade e gestão de riscos. Isso exige participação social e controle democrático, com a instalação de um conselho forte para sustentar essas diretrizes”, destacou. Ele conclui que a conferência é essencial para a reconstrução do estado, definindo prioridades de adaptação climática, drenagem e reassentamento seguro, e contribuindo para uma reconstrução com justiça socioespacial, ampla participação popular e um novo compromisso com a natureza.

Retomada do debate popular
Ni vê a retomada das conferências em 2025 como um símbolo da reabertura da participação popular na formulação de políticas públicas. “Especialmente no Rio Grande do Sul, depois de toda a situação das enchentes, o tema da habitação se tornou central. Milhares de pessoas perderam suas casas, tantas outras tiveram perdas quase totais, num contexto em que o déficit habitacional já era imenso. A conferência traz esse debate, mas também discute saneamento, mobilidade urbana, emergência climática e as dificuldades enfrentadas pelas periferias no país”, afirmou.
A coordenadora ressalta que o diferencial da conferência é a inclusão de diversos segmentos da sociedade. “O poder público é fundamental, mas a organização também garante espaço para a sociedade civil, cooperativas habitacionais, ONGs, entidades acadêmicas e empresários. É um conjunto de atores que constroem a cidade e que, a partir de suas perspectivas, podem planejar um futuro melhor do que temos até agora, diante das muitas dificuldades na gestão urbana.”
Além dos debates, a programação contará com atividades culturais. “Vamos aproveitar a realização da conferência na Capital e a reunião de todo esse povo interessado na pauta das cidades para promover, no domingo (31), um festival cultural da reforma urbana. A atividade também celebra os 35 anos do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, criado em 1990, hoje presente em 20 estados e em mais de 20 municípios gaúchos. São 35 anos de luta, construindo políticas públicas de desenvolvimento urbano, habitação, direito à cidade e a reforma urbana que defendemos”, concluiu Ni.
O festival cultural da reforma urbana será realizado neste domingo (31), na Praça dos Açorianos, na Ponte de Pedra, Centro Histórico de Porto Alegre, a partir das 14 horas. Contará com diversas atrações, como o Bloco da Laje, Figa, Bloco do Chiquinho dos Anjos, os MCs, Preto X, Dano, e o DJ Fonk69.
Programação da abertura da Conferência:
15h às 20h – Credenciamento
16h30 às 17h30 – Mesa institucional de abertura
17h30 às 18h – Aprovação do regimento interno
18h às 18h15 – Apresentação cultural
18h15 às 18h45 – Intervalo
18h45 às 20h30 – Conferência de abertura: Perspectivas e desafios para a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano e para a Política Estadual de Desenvolvimento Urbano a partir do Rio Grande do Sul.